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A Casta Suzana

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— Eu jamais me atreveria a conquistar aquela senhora, que se me afigurava virtuosa em extremo, tal a sua gravidade, sua candura, a sua modéstia no trajar.

— Casada? — inquiriu um dos boêmios que se achavam à roda da mesa, no clube.

— Sim, — continuou o narrador; — casada com um médico, emigrado russo, ex-professor da Universidade de Odessa. Com a vitória da "Causa" ele abandonou a pátria, receoso de permanecer alí, com a esposa tão formosa exposta aos olhares dos membros dos tribunais revolucionários, antigos operários e marinheiros, tão concupiscentes como os nobres do tempo do Czar.

Ela, que se chamava Suzana, era filha de uns judeus de Ekaterinoslav, contava vinte e quatro anos e tinha sido discípula do marido na Universidade. Infundia-me respeito o velho eslavo, meio calvo, de longos bigodes, caídos aos cantos dos lábios, à Lenine. Morávamos parede meia e já me acostumara vê-lo, todas as manhãs, ir a caminho do colégio onde lecionava diversos idiomas, enquanto o marido ficava junto à janela a tirar da rabeca, em arcadas veementes, marchas que lembravam o guaiar do Aquilão nos pinheirais e o galopar de cossacos através das estepes cobertas de neve. Certa noite de frio intenso eu voltava do teatro, rouco, quase a ponto de não poder falar, quando, ao apear do automóvel, lobriguei luz pelas frestas das janelas dos meus vizinhos. Julgando que o doutor ainda estivesse a ler o seu Gogol, resolvi pedir-lhe uma poção que me aliviasse a garganta dolorida. Bati de leve na porta que se abriu de mansinho, deixando entrever o rosto sério do israelita; desconcertado, só então compreendendo a incivilidade dessa visita em horas tão adiantadas, perdi para logo a serenidade e, sem mais preâmbulos, entrei a balbuciar, numa voz sumida e cava:

— O marido de V. Ex. está em casa?

Ela levou o dedo indicador aos lábios.

— Está dormindo, — disse, de leve.

E num cicio, puxando-me pela mão:

— Pode entrar...