A Cativa

Wikisource, a biblioteca livre


Nos olhos lhe mora,
Uma graça viva
Para ser senhora
De quem é captiva.

Camoens.



Como era linda, meu Deus!
Não tinha da neve a côr,
Mas no moreno semblante
Brilhavam raios de amor.

Ledo o rosto, o mais formoso
De trigueira coralina,
De Anjo a bocca, os labios breves
Côr de pallida cravina.

Em carmim rubro engastados
Tinha os dentes crystallinos;
Doce a voz, qual nunca ouviram
Dulios bardos matutinos.

Seus ingenuos pensamentos
Saum de amor juras constantes:
Entre a nuvem das pestanas
Tinha dous astros brilhantes.

As madeixas crespas, negras,
Sobre o seio lhe pendiam,
Onde os castos pomos de ouro
Amorosos se escondiam.

Tinha o collo assetinado
— Era o corpo uma pintura —
E no peito palpitante
Um sacrario de ternura.

Limpida alma — flor singela
Pelas brisas embalada,
Ao dormir d’alvas estrellas,
Ao nascer da madrugada.

Quiz beijar-lhe as mãos divinas,
Afastou-m’as — não consente;
A seus pés de rojo puz-me,
— Tanto póde o amor ardente!

Não te afastes lhe supplico,
E’s do meu peito rainha;
Não te afastes, n’este peito
Tens hum throno, mulatinha!...

Vi-lhe as palpebras tremerem,
Como treine a flor louçan,
Embalando as niveas gotas
Dos orvalhos da manhan.

Qual na rama enlanguecida
Pudibunda sensitiva,
Suspirando ella murmura:
Ai, senhor! eu sou captiva!...

Deu-me as costas, foi-se embora
Qual da tarde ao arrebol
Foge a sombra de uma nuvem
Ao cahir da luz do sol.