A Culpa do Trem
O João Benevides era contínuo da Repartição Geral dos Telégrafos, quando, cumprindo o seu destino de funcionário, uniu os seus dias de dezoito horas aos de oito, da Maria Carlota, modesta costureira doméstica, filha mais moça de um colega mais velho. E foram residir, os dois, Carlota e Benevides, para as bandas do Mangue, em uma casa de cômodos onde a existência lhes parecia infernal.
Ao fim de dois anos de casamento, notando que o emprego público não tinha futuro, o Benevides teve uma idéia.
— E se nós fossemos para Minas? Hein, Carlotinha?
— É verdade, João!
E num suspiro:
— Quem os dera!
A lembrança não era, porém, descabida. O pai de Benevides, falecido há pouco, havia deixado ao filho um pequeno sítio abaixo de Mariano Procópio; e foi para lá que o ex-contínuo dos Telégrafos partiu, com a mulher, a cuidar seriamente da vida nas ocupações laboriosas do campo.
Seis anos depois estava o Praxedes, pai de Maria Carlota, a espanar mesas na repartição, quando recebeu uma carta e Minas. Era do Benevides, o qual comunicava estar de viagem para o Rio, a passeio, com toda a família.
Para o sogro, foi um espanto a prole da filha e do genro. Eram, nada mais, nada menos, que quatro meninos e duas meninas.
Ao ver aquele rebanho de netos, o Praxedes estranhou:
— Mas, minha gente, que é isso? Onde vocês arranjaram tanto menino?
— Foi o trem, pai!
— O trem?
— Então?!
E sorrindo, atrapalhado, torcendo nas mãos o velho chapéu de massa:
— O senhor sabe, não é?... Lá no sítio não tem cinema, não tem teatro, não tem circo, não tem distração...
Ficou mais vermelho:
— A gente dorme cedo; não é. O trem apita...
E baixando a cabeça, todo envergonhado:
— A gente acorda... Não é?