A Esperança Vol. I/A Noite de S. João

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A noite de S. João
 

 

Vem sobre a terra com vagar descendo
As sombras d'essa noute meiga e pura,
Qual diaphano veu, que vêr nos deixa
N'um timido oscillar, milhões d'estrellas.
Noite de S. João, noite fadada,
Noite d'encantos, d'illusões, d'esp'ranças,
Depressa vem; por ti en ancia esperam
Corações innocentes, almas puras.
Noite de S. João, como és formosa!
Que singelos folguedos tu me inspiras!
Aqui, por sobre a relva, se prepara
D'aromaticas plantas a fogueira;
Em torno d'ella em danças vão girando
Mancebos e donzellas, que desprendem
Sonôrosas canções, que ao ceu revôam
D'envolta com o fumo da fogueira.
Alli a casta virgem colhe a medo
O fatidico cardo e a medo o queima
P'ra nelle soletrar o seu destino.
Outras além mais receiosas lançam
Em vazos de crystal quebrados óvos.
Da fonte ao pé um moço imberbe ainda
PEquenos papeis dobra, onde escrevéra
Uns nomes femenis e n'agua os lança.
Confiando que a sorte lhe revolva
O fatidico nome d'essa virgem,
Que lhe será, mais tarde, companheira.
Aquelle outro consulta uma estrellinha,
Onde deseja ler sua ventura!..
Um clarão singular a lua espalha,
Qual feiticeira alampada, que doura
Mysteriosas scenas sobre-humanas!..

Gostosas illusões e meigos sonhos
Adejam sobre a terra em brando vôo....
Vae quasi finda a noite e a branca aurora
Pouco e pouco desprega o manto ao dia.
As sombras fogem, como os vultos negros,
Que se vão recolher na paz dos tumulos:
Com ellas vão tambem os meigos sonhos,
Chymeras e illusões, que a noite encerra.
Que esperanças não murcha a luz do dia!
Ai! quantas lilusões, tão gratas, doces,
Trocadas em amargos desenganos!
Das mãos da virgem a tremer resvala
A alcachofra gentil que chamuscada
Nunca verdor tomou c'o bento orvalho!
Tem outra a face triste, se contempla
Quanto de mau agouro o vaso encerra!
Por sobre a gema do ôvo em brancos flocos
Mortalha horripilante se desenha!
Sem consolo, o mancebo se desvia
Do limpido crystal onde lançara
Os pequenos papeis: estes fechados
Se conservam ainda á tona d'agua.
Nenhum d'elles se abriu, nenhum ostenta
O nome da mulher que tanto adora.
A consultada estrella não responden
Por não querer, inda que bem soubera,
Revelar do porvir tristes mysterios!...
Noite de S. João, pr'a que expozeste
Teu manto d'illusões à luz do dia?
Eil-as todas perdidas, desfolhadas,
Sem viço, sem a cor que tu lhe deste!
Murchas esp'ranças, illusões perdidas
E' o que resta de ti, noite formosa,
De teu meigo prazer, de teus encantos!!
Vae, ó noite fadada, vae, descança
Na lousa do passado, onde cahiste.
Vae que sempre d'agora e do futuro-
Voltarei para ti olhar saudoso!

Veiga de Lilla 24 de junho de 1865.

EPHIGENIA DO CARVALHAL SOUSA TELLES.