A Esperança Vol. I/A mulher - sua educação
Seja-nos permittido elevar um dia a voz, não em defesa dos nossos direitos, pois os não temos, mas sim em auxilio da nossa causa.
Confessar nossas proprias convicções, nossos principios, esses principios innoculados em nossas almas pela mesma naturesa, com o primeiro baptismo de pranto das nossas mães, menospresados ou destruidos depois pelo abuso de mal applicadas educações, não é crime de que não sejamos promptamente absolvidas.
Mulher, ainda mais pelo coração do que pelo sexo, se todavia me posso assim exprimir, não proclamo o phantasma da emancipação feminina; essa risonha e feiticeira utopia, nunca encontrou em minha alma o calor do enthusiasmo com que muitas a saudam. A liberdade e emancipação da mulher, como muitas as intendem, se não fosse uma ficção, um sonho irrealisavel, seria uma grande desgraça para ambos os sexos! Faria no globo uma completa revolução, com todas as suas funestissimas consequencias, sem outro resultado, mais que peiorar a condição da mulher, sem melhorar a do homem. Bem sei que poucas o quasi nenhumas assim pensam, pois que se deixam arrastar por falsas apprehensões; eu, porém, declaro que, se hoje se armasse uma crusada feminina sob as bandeiras da liberdade, contra o imperio do homem, não entraria na arêna.
Felizmente para todos, se a reacção algumas vezes se manifesta, não é ainda em campo descoberto.
Não estará bem collocado o sceptro? está, porque o sceptro é a força, e a força é o homem; cumpre-lhe, todavia, voar mas não abusar d'ella.
Ora o homem compõe a sociedade, e é esta que corrompe as mais das vezes a mulher, desnaturando-a, dando-lhe uma alma que ella não deveria ter, e que será tudo quanto lhe queiram chamar, excepto a alma com que a Deus dotou, para fazer a felicidade sua e do homem a quem se associa.
Dêem á mulher uma educação e principios coherentes com a sua naturesa, e sobre tudo com a duplice condição de esposa e de mãe; suffoquem-lhe, ao nascer, esse perigoso germen de vaidade, que rapido se desenvolve quando affagado e protegido, e que opprimido e castigado, se dobra como vime, de mui cedo costumado a curvar-se sob o imperio de vontade alheia!
Fallam contra a mulher, combatem-n'a com a penna e com a palavra, mas não vêem que a semente do mal, foram elles proprios a lançal-a em suas almas, esmerando-se depois em sua cultura?! Nascida entre cambraias, educada entre sedas, vivendo entre velludos, que póde a mulher aprender, senão luxo e ostentação em toda a sua plenitude?!
Demais o systema das educações actuaes, não tem por base unica, o desejo de agradar ao mundo, e por unico fim os applausos da sociedade?
Creio que sim.
Toda a mulher que entra n'uma sala com garbo, corteja galantemente a assemblêa, compõe um sorriso a proposito, responde com um ― ah! ― desdenhoso ou innocente aos cumprimentos do par, tósse, impallidecendo, quando a brisa refresca, como sensictiva que desfallece ao mais ligeiro contacto, falla em francez com a amiga, e dizer ― bonjour ― ao papá, tem completado sua educação: isto é a educação mais ampla, mais brilhante, que uma menina presentemente póde attingir, e qualquer mãe aspirar para suas filhas!
Que erro, que absurdo em que a sociedade labora, e que tristes principios para a mulher, que em breve vai ser esposa e mais tarde mãe!!
Agora ponderem bem commigo as funestas consequencias de tudo isto.
A mulher, rainha um momento, rainha por sua bellessa, rainha por seu espirito, rainha por seus atractivos estudados ou naturaes, toma das mãos da sociedade o sceptro que lhe esta confere, deixando-se coroar de lisonja pelo homem que lhe queima incenso nos degraus do throno, por entre calorosas homenagens de vassallo! D'ora ávante senhora do seu imperio, conscia da realesa seductora, mas ephemera d'aquelle momento, assignalada nos triumphos de cada victoria, e nas ovações dos vencidos, não deixará sem violencia esse throno de que tomou posse; o sceptro ser-lhe-ha feito pedaços nas mãos, antes que o deixe cahir!
E o homem terá de sustentar essa lucta no interior de sua casa, e esmagar passo a passo essa força que elle proprio preparou, para não abdicar a dignidade do seu poder.
Eis uma grande contrariedade para elle, e a primeira decepção para ella, que vê fender-se-lhe nas mãos, o prisma por que antes olhava o casamento.
Que auspicioso não começa este consorcio!!
Desde um tão solemne momento, datam todas as desordens, todas as dissenções entre os dois.
Ambos fatalmente illudidos, haviam seguido a miragem feiticeira de suas esperanças, caminhando juntos, de mãos dadas, para o mesmo abismo!
O homem encontra na mulher que escolhera para companheira de seus dias, o idolo da sociedade sim, mas o vacuo da familia; a par de tantos attractivos que brilham em uma sala, nem uma só das virtudes que erradiam como estrellas, nos horisontes do casamento!
A mulher, lisongeada, festejada e adulada, antes em seus mesmos defeitos, pelo homem que elegera d'entre tantos que a incensavam, desmaia com os primeiros rigores, acusa de tyranno, quem outr'ora lhe parecera submisso escravo, e procura, por suas mãos, os espinhos dolorosos, que hão-de feril-a até á mais recondita fibra do coração.
Aborrecendo a familia, odeando o viver domestico, continúa a procurar na sociedade com que encher esse vacuo da alma, outr'ora affeita ás alegrias do triumpho!!
Que ha-de fazer o marido? Não foi elle que preparou passo a passo a queda de sua esposa!!
Se não podia ou não queria sustental-a no pedestal a que a elevou, para que a fez assim subir? Soprou-lhe a vaidade, ateou a chamma, e agora quer com algumas gôtas de gelo apagar o incendio!!
Ainda hontem lhe chamava, seu anjo idolatrado, rainha de sua alma, senhora de sua existencia; hoje simplesmente sua mulher, ámanhã sua escrava talvez!!
Hontem ajoelhava elle nos degraus do throno, hoje corre-se a cortina, atraz fica a sociedade, entra-se na familia, e logo ao entrar, é ella que ajoelha, elle que sobe!
Trocaram-se os papeis, a rainha torna-se vassalla, o cortesão faz-se adorar como rei!
Mas jámais uma realesa cahiu sem lucta, jamais uma corôa baqueou sem ruido! Está pois começado o combate, e combate renhido, porque as hostilidades se renovam todos os dias, todas as horas e todos os instantes; guerra de embuste e traições!!
Quasi sempre o homem vence, sim; mas vence pela força, o que com brandura, facilmente conseguia, sendo-lhe, por ventura, mais agradavel e menos prejudicial.
D'aqui nasce um viver particular para cada um; aquelles dois espiritos já se não comprehendem, não podem portanto associar-se.
Póde dizer-se que na mesma casa, habitam duas familias estranhas, que só se cortejam apenas, e na sociedade se fallam e se procuram com a franqueza de antigas e intimas relações.
Depois, novas diffiucldades e tropeços lhes adveem com os filhos; a mãe segue o caminho da esposa, e estes angelicos innocentesinhos, fadados para o porvir da familia, em vez de trazerem alegria e bençãos á casa paterna, como enviados do Senhor, mais tedis e desconforto acarretam para a seio dos seus.
Como a mulher perdeu o coração da esposa, a má esposa perdeu o coração de mãe, se não ha ahi balsamos do céo que a rehabilitem, dando-lhe novo baptismo de esperanças e amor!
O orvalho celeste, não desce até o calix da flôr, se as petalas o absorvem!
Agora uma terceira pessoa é necessaria entre os esposos: a ama.
Pobres anjos desherdados do coração de sua mãe, refugiam-se no seio d'uma estranha, que os alimente e acaricie!
Mas se, crescendo, se affeiçoam naturalmente a ella, com a innocente expansão de corações reconhecidos, e virgem de hypocrisia, nasce o ciume na mãe e com elle novos motivos de querellar seu marido.
Chega a edade em que aquellas debeis creaturinhas, carecem d'um mentor que lhes desenvolva a rasão esclarecendo-lhes o intendimento, e d'uma directora affectuosa, e instruida, que lhes allumie a alma com os primeiros clarões da fé; essa alma que prescute já em si, e começa de balbuciar indistinctamente, a vaga aspiração do infinito; e os dois esposos dizem seccamente. ― E' necessario mandar educar estas crianças.
Que sarcasmo pungente n'estas palavras!! Que parodia ridicula dos deveres de familia!!!
Lá vão os innocentes para o collegio, abandonados dos seus, entregues a estranhos que só curam de seus interesses, e pouco lhes importa que a familia prospere o se anniquille.
Uma visita por anno em tempo de ferias, apaga as saudades dos parentes, que se deliciam contando os progressos do menino, e fazendo a ennumeração das prendas da menina: umas que ella já sabe, outras que tem ainda de aprender.
Educação ephemera, superficial e balofa, sem bases de solida duração!
Camada de verniz que na sociedade brilha, e na familia de prompto se apaga! Que perdição!!!
Oh! Dai á mulher outro logar no mundo, outra missão na terra, além da de agradar-vos, satisfazendo vosso orgulho por instantes!
Não a eduqueis sómente para a sociedade, educai-a antes para a familia; deixai-a tomar o vôo que seu espirito naturalmente procura, se quereis esposas, se quereis mães!!
Não a modeleis em vossa phantazia, pelo typo das rainhas das salas; se seus triumphos satisfazem momentaneamente vossa vaidade, mais tarde achareis que elles vos são nocivos, quando carecêreis da força para dominar seu imperio.
Se quereis regenerar a sociedade, substituir a corrupção pela virtude, educai a mulher, só ella o poderá conseguir.
Que quadro ha ahi mais tocante, mais terno e sublime, que o da mãe, com seu filho nos braços, estreitado ao seio, apontando-lhe o firmamento, como para lhe ensinar a soletrar n'esse livro de prodigios, os mysterios de Deus?! O sorriso da criança, não compensará a mulher?
Esse gesto de encantadora meiguice, com que o filho, mal podendo balbuciar ainda, ergue instinctivamente para o céo, suas mãosinhas supplicantes, não encherá de alegria e lagrimas, o coração da extremosa mãe?!
Depois, sobre o berço, essas horas de inquieta vigilia que passa, guardando o somno do innocente, quanto lhe são bem pagas, com os beijos que sofrega lhe devora!!
Mais tarde, quando chega o esposo, como estremece de intimo jubilo, vendo-o comtemplar silencioso e terno, o berço onde o filho repousa adormecido!!
Mulher, não queiras perder a divina essencia de tua alma.
Na tua duplice e espinhosa missão de esposa e mãe, que de martyrios sublimes, que de heroicos soffrimentos se encerram, mas quantas doçuras, quantas alegrias a compensal-os?!...
No extremo da viagem, quando a doença chega encostada ao bordão carcomido da velhice, como será dôce vêr rodeado o leito, de rostos compadecidos e amigos?!
As lagrimas de pesar, que em tantos olhos despontam, sendo promptamente afogadas n'um sorriso de lisongeira esperança, como chegam ao coração frescas e suaves, qual orvalho que mitiga a calma nos ardores caniculares do estio!!!
Se a morte nos arrastar para o tumulo, quantos braços se erguerão, tentando resgatar-nos, e como deve ser sublime essa lucta!!
Mulher que passas na terra, rodeada de loucos triumphos, que desdenhosa calcas aos pés os deveres de filha, de esposa e de mãe, para correres após as vaidades de mulher, lembra-te que as flôres de tua juventude são ephemeras, que desmaiam sob os gelos da idade; que o presente não absorve o futuro, e que, futuro sem affectos, velhice sem familia, são como immenso deserto, sem tenda de repouso para o viajante, lasso de fadiga!
Por um punhado de flôres passageiras, que ora colhes, para logo se converterem em espinhos, não desdenhes os dôces e preciosos fructos que o porvir te póde offertar.
Olha em frente de ti e diz se é bello vêr um vacuo infinito, e os horisontes ermos de luz, como erma tua alma está d'affectos verdadeiros?!
Não te assusta a solidão, que vês lá ao longe nos confins da vida?
De que te vale ser mãe se tens filhos que não te reconhecem?! As crianças que mandaste educar, jámais te comprehenderão, porque não soubeste lançar-lhes na alma o reflexo da tua, e no espirito a centelha do teu proprio intendimento.
Temeste os cuidados e fadigas que sua infancia carecia, e elles agora recuam com horror da tua velhice!
Ergue-te, mulher, rehabilita-te perante os homens, que Deus talhou para ti um logar muito distincto no mundo: não o despreses tu pelas falsas apreciações da sociedade.
O homem que te adula em teus caprichos, não é o homem que te ama; é o homem que te despresa, e cava a teus pés um abysmo, que cobre de flôres, para resvalares sem conheceres a queda.
Póde ser que alguem, apreciando mal este meu dizer, julgue que combato toda a instrucção na mulher, que possa tornal-a agradavel na sociedade; ao contrario, eu reclamo-a e com todas as forças da minha alma; mas quero que essa instrucção seja solida e não superficial.
Não quero a arte que enfeitiça com seus attrativos, só por querer prender e enfeitiçar; quero a natureza ajudada pelo estudo, cultivada e desenvolvida com vantagem, sem perder nada de sua graça natural.
Não quero que a mulher seja exclusivamente educada para o viver domestico; perderia com isso a sociedade uma grande parte de seus encantos; mas quero que se attenda primeiro áquelle do que a esta, se todavia os dois principios se podem conciliar sem prejuiso do primeiro.
Ampliem quanto ser possa a esphera de conhecimentos para a mulher; a mãe instruida póde e sabe educar seus filhos, e a ignorante não o poderia fazer.
Com isto não quero provar que a mulher fosse por Deus destinada só e exclusivamente para ama e mentora das crianças; mas sim que, sendo essa a sua principal missão, a ella é que primeiro cumpre attender.
Procure reunir o util ao agradavel: sob os attrativos que sobresaem em uma sala, porque não hão-de occultar-se as virtudes que fazem a dita da familia?!
A' instrucção do espirito, reunam a educação da alma, e verão mais tarde que, sem a sociedade perder com isto nada, ganha a familia muito.
Depois d'Aimé Martin, quanto se diga sobre este assumpto, tudo é superfluo ou imperfeito.
Se ouzei erguer a voz, tentando seguir a palavra eloquente do erudito escriptor, foi com o unico fim de chamar a attenção do mundo feminino sobre a ― Educação das mães de familia ― obra d'um valor inestimavel, mas que poucos se darão ao trabalho de meditar, como ella tanto carece, para bem ser comprehendida. Se o auctor ambicionava palmas, triumphos e ovações, não consomisse tantas horas de trabalho, escrevendo as paginas d'aquelle precioso livro.
Se esboçasse á pressa um romance feito á moda e gosto das sociedades d'hoje, ennumera lhe seria a concorrencia dos leitores, e immensa tambem a fama que lhe elles apregoariam.
Assim philosophico e erudito de mais para cabeças que de continuo se embriagam em bailes, theatros, passeios, e quando muito o appenso do romance miniatura, perde-se, sendo lido, como egualmente se perde se o não fôr.
Porém, o author quando escreveu a ― Educação das mães de familia, ― obedeceu á inspiração do bem que praticara, sem ambição de recompensa, e quiçá, talvez movido pelo amôr da humanidade, que vai perdida pelos trilhos affastados do seu verdadeiro cominho.
O testemunho de sua consciencia lhe baste para indemnisal-o das fadigas de tão ardua tarefa, já que a sociedade descura dos bons fructos que sem trabalho poderia alli colher.
Lodeiro, 7 de maio de 1864
Henriqueta Elyza.