A Esperança Vol. I/Mulher perdida
Não a odieis, não, vós outras que tivesteis a fortuna de vos não desviardes da estrada da virtude; mas não ergaes a fronte orgulhosa e altiva, cuspindo-lhe no rosto e afastando-vos d'ella com receio de vos contaminardes aspirando junto a si o ar que crêdes infeccionado por essa desventurada... Porém, olhai a differença que houve do seu ao vosso nascimento: — Vós rodeadas de grandezas, sem vos faltar um só atavio d'aquelles que fazem realçar vossas graças e belleza; vós habitando em vastos e sumptuosos palacios dos quaes cada portatem seu pagem qne póde estorvar a entrada a algum amoroso amante. E ella nasceu pobre! Mas joven e bella tem como vós as mesmas aspirações, de seja garridices, quer como vós fazer conquistas; tudo n'ella é como em vós, vida, esperança, amor!.. Mas olha em roda de si e só vê pobreza!.. Resiste algum tempo ás seducções, porém, as promessas continuam, promessas d;um futuro brilhante, que lhe annuncia a abundancia; mas elle não desanima, continúa a combater a sua victima que está já enlevada na contemplação de ricas prendas, que jamais possuiu e que a sua candidez não soube recusa. E como não tem quem guarde suas portas, céde aos rogos d'abrir a deshoras a unica que tem a sua pequena e pobre casa!.. Eis o primeiro passo da perdição!.. Mais eil-a já coberta d'ouropeis, eil-a já no meio das grandezas, frequentando os theatros, passeando de carrinho. Eil-a que adquire novas relações, recebendo novos amantes quando o primeiro está ausente... Oh! ninguem a inveje... que em breve suas sedas e velludos irão desapparecer ficando-lhe os vestidos d'outr'ora, ou talvez que inda mais pobres!.. O primeiro amante que anhelava um pretexto para abandonal-a retira-se sem custo e sem remorsos pela ter pervertido e os segundos que a veem menos pretendida já não teem empenho de a possuirem... E eil-a agora despresada pela classe opulenta e gastando sem economia quanto possuia!... Eil-a outra vez pobre!.. Mas agora bem mais desgraçada, porque cahida na senda do vicio, tem outras ambições, quer só regalos e commodidades, não se sujeitando mais ao trabalho do qual vivia, antes de se prostituir. Não a odeies... cada vez é mais infeliz!..
A sua vida desregrada roubou-lhe antes do tempo a formosura; as faces que desputavam a alvura do jasmin e o encarnado da rosa tornaram-se macillentas e descóradas e os olhos amortiçados pela languidez perderam todo o seu brilho! E' a rosa que murchou e cahida agora na terra, ninguem a levanta, ninguem se lembra que ella foi já bella, desviam-na com o pé para que não estorve a passagem e vão colher as que estão ainda lindas, em botão!..
Ah! Não, a odieis! Piedade para ella, sim, piedade!... Abandonada agora por aquelles que a conduziram ao caminho da perdição, olhada pelo mundo com horror... que lhe resta?!.. Um hospital para morrer e um lençol para a amortalhar...
Oh! ninguem odeie a mulher perdida!..
Ninguem lhe inveje os luxuosos vestidos, e aquella a quem um anjo bom guardar, agradeça humilde a Deus pela ter perseverado do abysmo em que outras se arrojaram.
Porto 14 de maio de 1865.