A Estrella do Sul/Capitulo 10

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CAPITULO X
EM QUE JOHN WATKINS SE PÕE A PENSAR

Cypriano saiu da granja com o coração dilacerado, mas com a firme resolução de fazer o que julgava ser um dever de profissão, e foi procurar de novo Jacobus Vandergaart. Encontrou-o só. O corretor Nathan apressára-se em o deixar para ir espalhar pelo acampamento uma noticia que tão directamente interessava os mineiros.

Não era pequeno o borborinho causado por essa noticia, apesar de não se saber ainda que o enorme diamante do monsiú, como chamavam a Cypriano, era um diamante artificial. Mas bem se importava o monsiú com os fallatorios do Kopje! O que elle tinha era pressa de verificar com o velho Vandergaart a qualidade e a côr da pedra antes de escrever o relatorio a este respeito, e por isso é que elle voltava a casa do lapidario.

— Meu caro Jacobus, disse elle sentando se-lhe ao pé, faça-me o favor de cortar uma faceta n'esta saliencia para vermos alguma cousa do que está escondido com a ganga.

— Nada mais facil, respondeu o velho lapidario pegando no seixo que lhe apresentava o seu joven amigo. Palavra que escolheu perfeitamente o sitio! acrescentou ao verificar que havia uma pequenina saliencia n'um lado da gemma, a qual, afóra este defeito, era quasi perfeitamente oval. Cortando por este lado nada arriscâmos para o futuro.

Jacobus Vandergaart poz mãos à obra sem mais demora; escolheu na escudella uma pedra bruta de quatro a cinco karats, fixou-a com segurança na extremidade de uma especie de cabo e começou a esfregar as duas pelliculas exteriores uma de encontro á outra.

— Ia mais depressa se se clivasse, disse elle, mas quem havia de se divertir a dar uma martellada n'uma pedra de tal preço !

Este trabalho, muito demorado e monotono, não levou menos de duas horas. Depois de dar á faceta sufficiente tamanho para se poder apreciar a natureza da pedra, foi preciso polil-a na mó, e isto levou muito tempo.

Comtudo era ainda bastante de dia quando se concluiram aquelles preliminares. Cypriano e Jacobus Vandergaart, cedendo finalmente á curiosidade, approximaram-se para verificar o resultado da operação.

Offereceu-se a seus olhos uma bella faceta côr de azeviche, de uma limpidez e brilho incomparaveis.

O diamante era negro! Singularidade quasi unica, e em todo o caso muito excepcional, que augmentava ainda, se era possivel, o seu valor.

As mãos de Jacobus Vandergaart tremiam de commoção ao fazel-o scintillar aos raios do sol poente.

— É a gemma mais extraordinaria e mais formosa que jamais reflectiu os raios da luz! disse elle com uma especie de respeito religioso. O que será quando ella podér refractal-os depois de ser lapidada em todas as faces !

— E o senhor encarregava-se d'esse trabalho? perguntou Cypriano muito depressa.

— Certamente, meu filho! Seria a honra e o digno remate da minha longa carreira! Mas talvez o senhor fizesse melhor em escolher outra mão mais nova e mais firme do que a minha?!

— Não! respondeu Cypriano affectuosamente. Tenho a certeza de que ninguem dedicará á obra mais cuidado e maior habilidade do que o senhor! Guarde-me o diamante, meu caro Jacobus, e trate de o lapidar de seu vagar! É negocio concluido.

O velho voltava e tornava a voltar a pedra entre os dedos, e parecia hesitar em exprimir o que pensava.

— Inquieta-me uma cousa, disse por fim. Sabe o senhor que não me posso habituar á idéa de ter em casa uma joia de tão grande valor? São cincoenta milhões de francos pelo menos, e talvez mais, que eu tenho aqui na palma da mão! Não é muito prudente encarregar-se uma pessoa de tamanha responsabilidade!

— Ninguem o saberá, se o senhor Vandergaart o não disser, eu por mim garanto-lhe segredo.

— Pois sim! Mas desconfiam! Quem sabe se o senhor foi seguido quando veiu para aqui? Não têem a certeza, hão de fazer supposições!... Anda por ahi uma gente tão exquisita!... Não! não poderia dormir descansado!

— Talvez tenha rasão, respondeu Cypriano achando fundada a hesitação do velho. Mas então o que se ha de fazer?

— Estou pensando n'isso, disse Jacobus Vandergaart, que ficou calado por alguns momentos.

Depois continuou:

— Ouça, meu caro filho. O que lhe vou propor é muito melindroso, e é preciso suppor que o senhor teve confiança absoluta em mim! Mas o senhor conhece-me bem, e não se admirará portanto que eu pense em tomar tantas precauções!... É preciso que eu parta immediatamente com os meus instrumentos e a pedra, e que me vá esconder em algum sitio onde não seja conhecido, - Em Bloemfontein ou em Hope-Town, por exemplo. Alugo um quarto modesto, fecho-me para trabalhar com o maior segredo, e só voltarei depois de ter acabado a obra. Talvez assim consiga fazer com que os malfeitores me percam o rasto!... Mas, repito, quasi me envergonho de suggerir este plano...

— Que me parece muito rasoavel, respondeu Cypriano, e tanto que lhe peço encarecidamente que o ponha em pratica!

— Mas olhe que leva tempo, que preciso pelo menos de um mez, e que podem acontecer muitos accidentes no caminho!

— Não importa, senhor Vandergaart, uma vez que o senhor pensa que é este o melhor partido a tomar. E no fim de contas, se se perdesse o diamante, não era grande o mal!

Jacobus Vandergaart olhou para o joven com uma especie de medo.

— Não perderia elle o juizo com um tal lance de fortuna ? perguntava a si mesmo.

Cypriano comprehendeu-lhe o pensamento e poz-se a sorrir, Explicou-lhe por tanto d'onde provinha o diamante e como d'ali por diante podia fabricar outros e tantos quantos lhe desse na vontade. Mas o velho lapidario, ou porque não desse muito credito aquella narrativa, ou porque tivesse um motivo especial para não querer ficar sósinho n'aquella cabana isolada em convivio com uma pedra de cincoenta milhões, o certo é que insistiu por partir immediatamente.

E por isso, depois de ter mettido n'um sacco velho de couro os instrumentos e algum fato, Jacobus Vandergaart pendurou na porta uma ardosia em que escrevêra: Ausente por causa de negocios, guardou a chave na algibeira das calças e o diamante no colete, e poz-se a caminho.

Cypriano acompanhou-o durante duas ou tres milhas pela estrada de Bloemfontein, e só o deixou depois de elle insistir muito.
O diamante era negro (pag. 125).


Cypriano acompanhou-o (pag. 127).

Era noite fechada quando o joven engenheiro voltou a casa, pensando talvez mais em miss Watkins do que na descoberta.

Entretanto, sem gastar tempo em honrar o jantar preparado por Matakit, sentou-se á mesa de trabalho e começou a redigir o relatorio que tencionava dirigir pelo primeiro correio ao secretario perpetuo da Academia das Sciencias. Era uma descripção minuciosa e completa da sua experiencia, seguida de uma relação muito engenhosa da reacção que tinha dado origem àquelle magnifico crystal de carbonio.

«O caracter mais notavel d'este producto — dizia elle entre outras cousas, — é a sua completa identidade com o diamante natural e sobretudo a presença de uma ganga exterior. »

Effectivamente Cypriano não hesitou em attribuir este effeito tão curioso á lembrança que tivera de forrar o recipiente com uma camada de terra escolhida com cuidado no Vandergaart-Kopje. A causa por que uma parte d'aquella terra se tinha separado da parede para formar em volta do crystal uma verdadeira casca, não era de facil explicação e este ponto seria sem duvida elucidado por experiencias ulteriores. Talvez se podesse suppor que havia ali um phenomeno inteiramente novo de affinidade chimica, que o auctor se propunha estudar com toda a altenção. Não tinha elle a pretensão de dar logo da primeira vez a theoria completa e decisiva da sua descoberta. O que queria antes de mais nada era communical-a sem demora ao mundo sabio, fazer com que aquella data se attribuisse, como de justiça, á França, e finalmente chamar a discussão e a luz para os factos ainda não explicados e obscuros por si mesmos.

Tendo principiado esta memoria, pondo assim em dia as suas contas scientificas, á espera de a poder completar com novas descobertas antes de a dirigir a quem competia, o joven engenheiro ceiou alguma cousa e foi deitar-se.

Na manhã seguinte Cypriano saía da sua habitação e passeava, sempre pensando e scismando, pelos diversos terrenos da mina. A sua passagem era recebida com certos olhares que manifestamente não eram de sympathia. Elle não dava por isso, porque tinha esquecido já todas as consequencias da sua grande descoberta, apresentados na vespera com tanta dureza por John Watkins, — isto é, a ruina mais cedo ou mais tarde dos concessionarios e das concessões do Griqualand.

E comtudo isto devia inquietar n'um paiz meio selvagem, onde não se hesita em fazer justiça pelas proprias mãos, onde a garantia do trabalho, e por conseguinte do commercio que d'elle deriva, é a lei suprema. Se a fabricação do diamante artificial se tornasse uma industria pratica lá ficavam irremediavelmente perdidos todos os milhões enterrados tanto nas minas do Brazil como nas da Africa austral, não fallando nos milhares de existencias já sacrificadas. É certo que o joven engenheiro podia guardar o segredo da sua experiencia ; mas a este respeito tinha elle feito uma declaração categorica ; estava resolvido a não guardar tal segredo.

Por outro lado durante a noite — noite de torpor em que John Watkins sonhou sempre com diamantes espantosos do valor de milhões de milhões — o pae de Alice tinha meditado no seguinte. Que Annibal Pantalacci e outros mineiros vissem com inquietação e colera a revolução que a descoberta de Cypriano vinha fazer na exploração dos terrenos diamantiferos, nada mais natural visto que os exploravam por sua propria conta.

Mas para elle, simples proprietario da fazenda Watkins, já a situação não era a mesma. De certo que, se os claims fossem abandonados em virtude da baixa no valor das gemmas, se toda aquelle população de mineiros viesse a abandonar os campos do Griqualand, então diminuiria immenso o valor da sua granja, já não poderia vender tão facilmente os productos d'ella, não haveria inquilinos a quem alugasse as suas casas ou cabanas, e talvez um dia se visse obrigado a abandonar uma terra que se tornára improductiva!

«Ora adeus! dizia comsigo John Watkins, mas antes de chegarmos a esse ponto ainda hão de passar muitos annos! A fabricação dos diamantes artificiaes ainda não chegou ao estado pratico mesmo com os processos do senhor Méré! Talvez no negocio d'elle entrasse muito o acaso! Mas entretanto, por acaso ou não, o certo é que elle fez uma pedra de enorme valor, a qual, se nas condições de diamante natural vale cincoenta milhões, ainda valerá uns poucos apesar de ter sido produzida artificialmente! Sim! É preciso demorar aqui este rapaz, custe o que custar! É preciso, ao menos durante algum tempo, evitar que elle vá por esse mundo espalhar a sua immensa descoberta! É preciso que aquella pedra entre definitivamente na familia Watkins e só sáia de cá trocada por um numero respeitavel de milhões! Ora prender aqui quem a fabricou é a cousa mais facil, — mesmo sem a gente se comprometter definitivamente! Alice está aqui, e, dispondo eu de Alice, bem posso demorar a partida d'elle para a Europa ! Sim! ainda que tivesse de lh'a prometter em casamento!... ainda que tivesse mesmo de lh'a dar! »

Era evidente que John Watkins, agrilhoado pela cobiça devoradora, chegaria até este ponto!! Em todo aquelle negocio só via a sua pessoa, só pensava em si!

E logo depois, se o velho egoista pensou na filha, foi para dizer comsigo mesmo:

«E no fim de contas Alice não terá de que se queixar! Aquelle pateta sabio apresenta-se muito bem! Ama-a e parece-me que ella não é insensivel ao seu amor. Ora ha nada melhor do que unir dois corações creados um para o outro, ou pelo menos fazer-lhes esperar essa união até ver em que pára toda esta historia?!... Ah! por Saint John, meu advogado, leve o demonio Annibal Pantalacci e quejandos, e cada um por si mesmo no paiz do Griqualand!

Assim calculava John Watkins, tenteando aquella balança ideal, na qual acabava de fazer equilibrio do futuro da filha com um simples pedaço de carbonio crystallisado, e ficou todo contente ao pensar que os pratos estavam na mesma linha horisontal.

De modo que na manhã seguinte estava tomada a seguinte resolução: não apressar cousa alguma, deixar correr os acontecimentos, prevendo bem o caminho que ellas tomariam para chegar ao desenlance.

E antes de mais nada convinha-lhe tornar a ver o seu inquilino, — o que era facil, visto que o joven engenheiro vinha todos os dias à granja; — mas queria tambem tornar a ver o diamante que nos seus sonhos tomára proporções fabulosas.

Por conseguinte mister Watkins dirigiu-se á cabana de Cypriano, o qual attendendo a que era bastante cedo, ainda estava em casa.

— Olá, meu amigo, disse-lhe elle com tom de bom humor, como passou a noite... esta primeira noite depois da sua grande descoberta ?

— Bem, muito obrigado, senhor Watkins, respondeu o joven com frieza.

— O què? Pois o senhor pôde dormir?

— Como nas mais noites!

— - Então todos esses milhões que saíram d'aquelle fornilho, insistiu mister Watkins, não lhe perturbaram o somno.

— Por fórma nenhuma, respondeu Cypriano. Comprehenda bem isto, senhor Watkins: para aquelle diamante valer milhões era preciso que fosse obra da natureza e não de um chimico!...

— Sim! sim! senhor Cypriano. Mas tem o senhor a certeza de poder fazer outro ou outros como esse ? Compromette-se a isso?

Cypriano hesitou, porque sabia quantas vezes as experiencias d'este genero são seguidas de mau exito.

— Ora ahi está! continuou John Watkins. O senhor não se compromette !... Portanto, até novo ensaio feliz, o seu diamante conserva um valor enorme !... E sendo assim para que se ha de ir dizer, ao menos por emquanto, que é uma pedra artificial ?

— Já lhe disse, respondeu Cypriano, que não devo esconder um segredo scientifico de tanta importancia!

— Sim... sim... já sei, replicou John Watkins, fazendo signal ao joven para se calar, como se alguem os podesse estar a ouvir. Sim... sim... fallaremos d'isso outra occasião! Não receie o senhor de Pantalacci e dos outros! Nada dirão da sua descoberta, porque o interesse d'elles é calarem-se. Acredite no que eu lhe digo... espere!... e sobretudo lembre se que tanto minha filha como eu ficámos muito contentes com a sua sorte... Sim!... muito contentes!... É verdade?... não poderia tornar a ver esse famoso diamante?... Hontem mal tive tempo de o examinar!... Dá-me o senhor licença...

— Já o não tenho! respondeu Cypriano.

— Remetteu-o para França! exclamou mister Watkins aniquilado com tal pensamento.

— Não... ainda não... Assim em bruto não se podia apreciar a belleza d'elle... Esteja descansado!

— Mas então a quem o entregou o senhor? Por todos os santos de Inglaterra, a quem foi ?

— Dei-o a lapidar a Jacobus Vandergaart, e não sei para onde elle o levou.

— O quê? Pois o senhor confiou um diamante d'aquelles a esse velho doido? exclamou John Watkins verdadeiramente furioso. Mas isso é demencia, senhor! É demencia!

— Ora! respondeu Cypriano, que quer o senhor que Jacobus ou outro qualquer faça de um diamante cujo valor, para quem não sabe a sua origem, é pelo menos de cincoenta milhões? Cuida o senhor que seja facil vendel-o em segredo?

Este argumento parece que convenceu mister Watkins. De certo, não devia ser facil desfazer-se uma pessoa de um diamante de tal preço. Comtudo o fazendeiro não estava socegado, e daria muito, sim... muito!... para que o imprudente Cypriano o não tivesse confiado do velho lapidario... ou pelo menos para que o velho lapidario já tivesse voltado ao Griquaand com a preciosa gemma!

Mas Jacobus Vandergaart tinha pedido um mez, e, por mais impaciente que estivesse John Watkins, era preciso esperar.

Escusado será dizer que nos dias seguintes os seus commensaes habituaes, Annibal Pantalacci, herr Frudel, o judeu Nathan, não se privavam de cortar na casaca do honrado lapidario. Muitas vezes fallavam d'elle na ausencia de Cypriano, e sempre para fazer notar a John Walkins que o tempo ía correndo e que Jacobus Vandergaart não apparecia.

— E para que havia elle de voltar ao Griqualand, dizia Friedel, se lhe é tão facil guardar aquelle diamante de tamanho valor, e que em nada mostra por agora a sua natureza artificial?

— Porque não achava quem o comprasse! respondia mister Watkins, reproduzindo o argumento do joven engenheiro, não obstante não estar muito descansado com elle.

— Ora! boa rasão! dizia d'ali Nathan.

— Está claro! boa rasão! acrescentava Annibal Pantalacci ; creia isto, o velho crocodilo já está bem longe a esta hora! Não ha nada mais facil, principalmente para elle, do que des
Sim... sim... já sei (pag. 134).
figurar a pedra e fazer com que ninguem a conheça ! Nem o senhor sabe de que côr ella é! Quem o impede de a cortar em
Maravilhoso diamante (pag. 144).

quatro ou cinco bocados, e clivar cada um d'elles, fazendo outros tantos diamantes ainda muito aproveitaveis!

Estas discussões levavam a perturbação á alma de mister Watkins, o qual começava a imaginar que Jacobus Vandergaart não tornaria a apparecer.

Só. Cypriano acreditava firmemente na probidade do velho lapidario, e affirmava com enthusiasmo que elle voltaria no dia marcado. E tinha rasão.

Jacobus Vandergaart voltou quarenta e oito horas mais cedo. Fôra tal o seu ardor e diligencia, que ao cabo de vinte e sete dias concluíra o trabalho de lapidar o diamante. Voltou, pois, durante a noite para o passar na mó e acabar de o polir. e na manhã do vigesimo nono dia Cypriano viu o velho apresentar-se em sua casa.

— Aqui está o seixo, disse elle simplesmente pondo sobre a mesa uma caixinha de madeira.

Cypriano abriu a caixa, e ficou deslumbrado.

Um enorme crystal negro em forma de rhomboide dodecaedro, posto sobre uma camilha de algodão branco, despedia fogos prismaticos de um brilho tal que pareciam illuminar o laboratorio. Aquella combinação da cor da tinta, da transparencia adamantina absolutamente perfeita e de um poder refringente sem igual, produzia um effeito mais maravilhosissimo e que ao mesmo perturbava.

Estava-se em presença de um phenomeno unico, de um jogo da natureza provavelmente.

Ainda pondo de parte toda a idéa de valor, o esplendor da joia impunha-se por si mesmo.

— Não é só o maior diamante, é tambem o mais bello que ha no mundo! dizia gravemente Jacobus Vandergaart com um tudo-nada de orgulho paternal ! Pesa quatrocentos e trinta e dois karats! Póde gabar-se, meu filho, de ter feito uma obra prima, e o seu primeiro ensaio foi uma obra de mestre.

Cypriano nada respondêra aos cumprimentos do velho lapidario. Segundo o seu modo de ver apenas era o auctor de uma descoberta curiosa, — nada mais. Muitos outros tinham labutado em vão n'aquelle terreno da chimica inorganica, onde elle tinha vencido, não havia duvida. Mas quaes seriam as circumtancias uteis para a humanidade que resultariam d'esta fabricação do diamante artificial?

Inevitavelmente viria arruinar, ao fim de certo tempo, todos os que viviam do commercio das pedras preciosas, e, em ultima analyse, não faria enriquecer ninguem.

E estes pensamentos faziam arrefecer no joven engenheiro o enthusiasmo que sentia nas primeiras horas que se seguiram á sua descoberta. Sim ! no momento actual aquelle diamante, apesar de ter sido tão admiravelmente preparado pelas mãos de Jacobus Vandergaart, apresentava-se-lhe apenas como uma pedra sem valor, á qual dentro em pouco até o prestigio da raridade faltaria.

Cypriano tinha pegado de novo na caixinha, em que scintillava a incomparavel gemma, e depois de apertar a mão ao velho dirigiu-se para a granja de mister Watkins.

O fazendeiro estava no seu quarto sempre inquieto, sempre perturbado, á espera da volta, que tão pouco provavel lhe parecia, de Jacobus Vandergaart. Ao pé d'elle estava a filha, que empregava todos os meios possiveis para o socegar.

Cypriano empurrou a porta e ficou por um momento no limiar.

— E então?... perguntou logo John Watkins, levantando-se muito depressa.

— E então cá está o honrado Jacobus Vandergaart, que chegou esta manhã! respondeu Cypriano.

— Com o diamante?

— Com o diamante admiravelmente lapidado, e que pesa ainda quatrocentos e trinta e dois karats!

— Quatrocentos e trinta e dois karats! exclamou John Watkins. E o senhor trouxe-o?

— Está aqui.

O fazendeiro tinha pegado na caixinha, abriu-a, e os seus olhos scintillavam quasi tanto como aquelle diamante que elle contemplava com o pasmo admirativo de um extactico! Depois, quando lhe foi permittido ter nos dedos, debaixo d'aquella forma leve e portatil, material e brilhante ao mesmo tempo, o valor colossal representado pela gemma, deu ao seu enlevo manifestações por tal modo emphaticas que faziam rir.

Mister Watkins tinha lagrimas na voz e fallava ao diamante como se elle fòra um ser animado:

— Oh! que bella, que soberba, que esplendida pedra!... dizia elle. Ora até que voltaste, querida!... Como és brilhante!... Como és pesada!... Quantos bons guinéus em metal sonante não vales tu!?... Qual vae ser o teu destino, lindinha?... Vão mandar-te para o Cabo e de lá para Londres, para fazerem com que sejas vista e admirada?... Mas quem haverá ahi tão rico que possa comprar-te?... Nem á rainha será permittido um tal luxo!... Era preciso o seu rendimento de dois ou tres annos!... Ha de ser necessario um voto do parlamento, uma subscripção nacional!... Mas olha, descansa que ha de haver essa subscripção! E tambem tu irás dormir para a Torre de Londres ao lado do Koi-i-noor, que ao pé de ti será apenas uma creança! Quanto poderás tu valer, linda?

E depois de fazer um calculo mental:

— O diamante do czar pagou-o Catharina II por um milhão de rublos á vista e noventa e seis mil francos de renda vitalicia! Já se vê que não seria muito exagerado pedir por este um milhão esterlino e cem mil francos de renda perpetua!

E logo surprehendido por uma idéa repentina:

— Não lhe parece, senhor Méré, que deviam elevar ao pariato o proprietario de uma tal pedra? Todas as classes de merecimento têem direito a ser apresentadas na camara alta, e possuir um diamante d'este tamanho não é de certo um merecimento vulgar!... Repara tu, filha, olha!... Não bastam dois olhos para admirar uma tal pedra.

Miss Watkins, pela primeira vez na sua vida, observou um diamante com algum interesse.

— É realmente muito formoso! Brilha como um bocado de carvão que é, mas como um carvão incandescente, disse ella tirando-o com delicadeza da camilha de algodão.

Depois, por um movimento instinctivo, que toda a rapariga na situação d'ella tambem teria, approximou-se do espelho que estava por cima do fogão e pousou a maravilhosa joia sobre a testa no meio dos seus louros cabellos.

— Uma estrella encastoada em ouro! disse com galanteio Cypriano, fazendo por excepção um madrigal.

— É verdade!... Parece uma estrella! exclamou Alice batendo as palmas. Pois é preciso dar-lhe esse nome. Baptisemol-a e chamemos-lhe a Estrella do Sul. Quer assim, senhor Cypriano? Não é ella negra como as bellezas indigenas d'este paiz e brilhante como as constellações do nosso céu austral?

— Pois seja Estrella do Sul! — disse John Watkins, que ligava pequena importancia a esta questão de nome. Mas tem cautella, não a deixes cair! continuou logo assustado com um movimento brusco que a joven fizera. Olha que se quebrava como se fosse vidro!

— Sim? Pois isto é assim fragil? respondeu Alice tornando a pôr a gemma na caixinha com bastante desdem. Pobre estrella, és apenas um astro para rir, uma vulgar rolha de garrafa!

— Uma rolha de garrafa! exclamou mister Watkins suffocado. As creanças nada respeitam!

— Menina Alice, disse então o joven engenheiro, foi a menina que me animou a tentar a fabricação artificial do diamante! É portanto a si que esta pedra deve o existir hoje!... Mas aos meus olhos é uma joia que não terá valor algum venal quando se souber a sua origem! Por isso espero que seu pae consinta que eu lh'a offereça como recordação da feliz influencia que teve sobre os meus trabalhos!

— O quê? exclamou mister Watkins sem poder dissimular o que sentia ao ouvir aquella proposta... inesperada.

— Menina Alice, repetiu Cypriano, este diamante é seu! Offereço-lh'o eu... dou-lh'o!

— E miss Watkins por uma unica resposta estendia ao joven uma das mãos que este apertava nas suas com ternura.