A Igreja Metodista

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- Amados irmãos, estamos reunidos aqui à vista de Deus, e na presença destas testemunhas, para unir este homem e esta mulher em santo matrimônio, que é um estado honroso, instituído por Deus no tempo da inocência do homem, significando-nos a união mística que existe entre Cristo e a sua Igreja. Esse estado santo, Cristo adornou-o com a beleza da sua presença, fazendo o primeiro milagre em Cananéia da Galiléia; São Paulo o recomenda como um estado honroso entre os homens; e por isso não deve ser empreendido ou contraído sem reflexão, mas, sim, reverente, discreta, refletidamente, e no temor de Deus.

No ar pairava um suave perfume, senhoras de rara elegância tinham fisionomias imóveis, cavalheiros graves pareciam ouvir com atenção a palavra do pastor e tudo cintilava ao brilho dos focos luminosos. Era um casamento na Igreja Metodista, na praça José de Alencar. Ao fundo, via-se, à mão direita do pastor, o noivo, à esquerda a noiva, e por trás dos vitrais, lá fora, naquele recanto onde corre de vagar um rio, a turba dos curiosos que não entram nunca.

- Estas duas pessoas apresentam-se - continuava o ministro evangélico - para serem unidas nesse estado santo. Se alguém sabe coisa que possa ser provada como causa justa, pela qual estas pessoas não devam legalmente ser unidas, queira dizer agora, ou do contrário - nunca mais fale sobre isso.

Houve um sussurro como se entrasse pela porta ogival uma lufada de ar. O pastor voltou-se para as pessoas que casavam.

- Exijo e ordeno de vós ambos (como respondereis no terrível dia de juízo, quando os segredos de todos os corações forem desvendados) que se algum de vós souber de impedimento pelo qual não podeis legalmente ser unidos pelos laços do matrimônio, queira dizer agora, pois, ficai bem certos disso, que aqueles que se unem de um modo diferente daquele que é autorizado pela palavra de Deus não são unidos por Deus, nem o seu matrimônio é legal.

Nem o noivo nem a noiva responderam. Ela parecia tranqüila, ele sorria, um sorriso mais ou menos irônico entre as cerdas do bigode. O ministro então disse ao noivo:

- Queres casar com esta mulher para viverdes juntos, segundo a ordenação de Deus, no estado santo do matrimônio? Amá-la-ás, confortá-la-ás, honrá-la-ás e guardá-la-ás na doença e na saúde; e deixando tudo o mais guardar-te-ás para ela somente, enquanto ambos viverem?

- Sim! - fez o noivo.

- Queres casar com este homem para viver, segundo a ordenação de Deus, no estado santo do matrimônio? Obedece-lo-ás, servi-lo-ás, honrá-lo-ás e guardá-lo-ás na doença e na saúde, e deixando todos os outros guardar-te-ás somente para ele, enquanto ambos viverdes?

- Quero - disse a linda senhora.

Houve a cerimônia do anel, enquanto os assistentes abanavam-se. O ministro tomou-o, deu-o ao noivo, que o enfiou no quarto dedo da mão esquerda da noiva, repetindo as palavras do pastor:

- Com este anel eu me caso contigo e doto-te de todos os meus bens terrestres: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém!

- Oremos! Pai nosso que estás no céu... Era um Padre-nosso... Depois, juntando as mãos do noivo, o ministro disse:

- O que Deus ajuntou não o separe o homem. Visto como têm consentido unir-se, e têm assim testemunhado diante de Deus e das pessoas aqui presentes, e portanto têm prometido fidelidade um ao outro e assim declarado, juntando as mãos, eu os declaro casados no nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo.

Deus o pai, Deus o filho, Deus o Espírito abençoe, preserve e guarde-os; o Senhor misericordiosamente com o seu favor olhe para vós; e assim vos encha de todas as bênçãos e graças espirituais, para que no mundo por vir tenhais vida eterna. Amém!

Estava terminada a cerimônia. Houve um movimento, como nos templos católicos, para felicitar o feliz par, capaz de jurar em tão pouco tempo tantos juramentos de eternidade. As senhoras afiavam um sorrizinho e os homens iam em fila tocantemente indiferentes.

E da féerie do templo, por cima dágua, do mais lindo templo evangelista, onde as luzes ardiam por trás dos vitrais numa confusa irradiação de cores, começaram a sair os convidados. Carros estacionavam na escuridão da praça com os faróis acesos carbunculando... Eu assistira a um casamento sensacional.

No dia seguinte fui à residência do pastor Camargo.

No ano de 1739 falaram com John Wesley, em Londres, oito pessoas que estavam convencidas do pecado e ansiosas pela redenção. Essas criaturas tementes da ira futura desejavam que com elas John gastasse algum tempo em oração. Wesley marcou um dia na semana e daí surgiu a sociedade unida. Aos que desejam entrar para a sociedade só se exige uma condição: o desejo de fugirem da ira vindoura e de serem salvos de seus pecados.

Muita gente há no Brasil receosa da dita ira. A Igreja Metodista, que é um desdobramento da episcopal, começou os seus trabalhos, há vinte e sete anos, no Catete, na casa onde está hoje instalada a pensão Almeida. Tinha apenas sete membros e os missionários mandados pelo board americano, os Revs. Ransom, Cowber, Tarbou Kennedy, sabiam que desses sete já quatro eram metodistas nos Estados Unidos. Hoje a Igreja conta cinco mil membros, todos os anos o número aumenta, as igrejas surgem, fundam-se colégios, e as missões levam aos recessos do pais, perseguidas, corridas à pedra, a palavra de Cristo. Só o templo da praça José de Alencar custou 107 contos; há missões e igrejas em Petrópolis, na Paraíba, em São Paulo, em Itapecerica, São Roque, Piracicaba, Capivari, Taubaté, Cunha, Amparo; todo o Estado de Minas e o Rio Grande estão cheios de metodistas, e os missionários chegaram até Cruz Alta e Forqueta, no desejo tenaz de prolongar a fé.

Os metodistas têm um grande dispêndio anual. No Rio contribuem para as despesas do pastor em cargo, presbítero-presidente, bispos, missões domésticas, missões estrangeiras, educação de pensionários, Sociedade Bíblica Americana, pobres, atas, construções, casa publicadora, ligas Epworth, escolas dominicais, sociedade auxiliadora de senhoras, de modo que, sendo a média de cada contribuinte de vinte e nove mil réis, a despesa geral eleva-se anualmente a quantia superior a vinte contos. Há cinqüenta e seis sociedades e dezesseis casas de culto, cujo valor é de trezentos e dezenove contos, oito residências e nove colégios, e o valor desses é de quatrocentos e sessenta contos.

Quando cheguei à residência de Jovenilo Camargo, ordenado presbítero há dois anos, estava edificado da situação financeira da igreja, dessa excelente situação. Camargo é paulista, simples e amável. Recebeu-me no seu gabinete de trabalho, donde se descortina todo um trecho belo da praia de Botafogo.

- Há quanto tempo está aqui?

- Há dois anos; os pregadores metodistas não levam mais de quatro anos em cada igreja.

- Quais são os pregadores atualmente no Rio?

- Rev. Parker, da Igreja Evangélica; Guilherme da Costa, que prega em Vila Isabel e no Jardim Botânico, e eu.

Os metodistas têm uma grande quantidade de ministros e de oficiais de igreja, bispos, presbíteros, pregadores em cargo e em circuito, diáconos itinerantes, presbíteros itinerantes, pregadores supranumerários, locais, exortadores, ecônomos, depositários.

- Para cada distrito; na cidade propriamente há apenas os pregadores locais e os ecônomos que tratam das questões financeiras, uma junta de sete membros, que atualmente é composta dos Srs. Joaquim Dias, João Medeiros, Manuel Esteves de Almeida, José Pinto de Castro, Antônio Joaquim e Elesbão Sampaio.

- Há vários jornais metodistas?

- A Revista da Escola Dominical, em São Paulo; O Expositor Cristão, órgão da conferência anual brasileira, dirigido pelos Srs. Kennedy e Guilherme da Costa; O Juvenil, O Testemunho. Como as outras igrejas evangélicas, a Metodista tem sociedades internas que a propagam; a Sociedade Missionária das Senhoras no Estrangeiro, a Sociedade de Missões Domésticas das Senhoras...

- A liga Epworth...

- A liga Epworth é um meio de graça como o culto, a oração, as escolas dominicais, as festas do amor. Temos 34 ligas Epworth. As ligas organizam-se em nossas congregações para a promoção da piedade e lealdade à nossa igreja entre a mocidade, para a sua instrução na Bíblia, na literatura cristã, no trabalho missionário da igreja.

A junta compõe-se de um bispo, seis pregadores itinerantes e seis leigos, sendo todos eleitos de quatro em quatro anos pela conferência geral, sob a nomeação da comissão permanente das ligas Epworth. As ligas locais estão sob a direção do pastor e da conferência trimensal.

- Mas o meio da propaganda?

- É quase todo literário; a liga é propriamente a difusão da literatura evangélica.

- O mais admirável entre os metodistas é o maquinismo, o funcionamento da sua igreja.

- Que é governada por conferências, pode-se dizer. Há conferências da igreja, mensais, trimensais, distritais, anuais e gerais de quatro em quatro anos.

Nessa ocasião, Jovelino Camargo ofereceu-me café, e sorvendo o néctar precioso, eu indaguei:

- Muitos casamentos na capela do Catete?

- Alguns. Para esses atos os pastores procuram sempre os templos mais belos.

- Há muita gente que acredita o vosso casamento uma válvula que a nossa lei não permite.

- Mas é absolutamente falso, é uma calúnia formidável. Os evangelistas respeitam antes de tudo a lei do país em que estão. A totalidade dos nossos pastores não casam sem ver antes a certidão do ato civil. Ah! meu caro, a calúnia tem corrido, os pedidos são freqüentes aos ministros evangélicos para a realização do casamento de pessoas divorciadas, mas nós nos furtamos sempre; e ainda este mês C. Tacker, Álvaro dos Reis, Antônio Marques e Franklin do Nascimento fizeram público pelos jornais que não podiam lançar a bênção religiosa sobre nenhum casal que não tenha antes contraído matrimônio.

Os meus companheiros Kennedy e Guilherme da Costa comentaram esse manifesto que o momento exigia. Nós temos uma lei que nos inibe esse crime. Quer ver?

Ergueu-se, foi à estante, abriu um pequeno livro de capa preta.

- Esta é nossa disciplina, leia.

Ambos curvamos a cabeça, procurando os caracteres à luz fugace do anoitecer e ambos na mesma página lemos: - "Os ministros de nossa igreja serão proibidos de celebrarem os ritos do matrimônio entre pessoas divorciadas, salvo o caso de pessoas inocentes, que têm sido divorciadas pela única causa de que fala a Escritura..."

Houve um longo silêncio. As sombras da noite entravam pelas janelas.

- A causa única de que fala a Bíblia...

- É preciso afinal compreender que nem todas as igrejas denominadas cristãs e protestantes, pertencem à Aliança Evangélica Brasileira e que nós não podemos em nome de Cristo pregar, por assim dizer, a dissolução moral.

Ergui-me.

- Apesar das injustiças dos homens, a Igreja Metodista caminha.

- E os casamentos honestos são em grande número.

Jovelino Camargo desceu comigo a praia de Botafogo. Vinha, como sempre, calmo, inteligente e simples.

- Aonde vai?

- A uma festa de amor.

Estaquei. Mas, Senhor Deus, os metodistas davam-me uma excessiva quota de amor. No dia anterior um casamento, minutos antes o casamento de novo, e agora ali, na sombra da noite, o pastor que me dizia, como um velho noceur, o lugar perigoso para onde ia!

- A uma festa de amor? - interroguei, feroz.

- Sim, é uma festa nossa, trimensal, fez a sorrir o puro moço. Vou fazer oração e participar do pão e da água em sinal de amor fraternal.

E simplesmente Jovelino Camargo desapareceu na sombra, enquanto eu, olhando o céu, onde as estrelas palpitavam, rendia graças a Deus por haver ainda neste tormentoso mundo quem, por seu amor, ame, respeite e seja honesto.