A Judia
A colônia israelita não possuía representante mais opulento que Isaac Aben-Abib. As suas festas reuniam sempre o que havia de seleto entre os judeus, sendo de notar, também a afluência de vultos representativos da cidade, alheios, embora, à sua seita religiosa. Fornecedor do governo e amigo dos políticos, fazia parte da alta sociedade carioca sem, contudo, se desligar do seu credo e, sobretudo, dos seus companheiros de fé.
A reunião daquela noite, em que o casal Aben-Abib comemorava o 22° aniversário da sua constituição, era, por isso mesmo, um misto de mundanismo e solidariedade religiosa. Os salões do suntuoso palacete, repletos e iluminados, fervilhavam de uma sociedade encantadora, em que predominava, entre as figuras femininas, a linha pura do tipo israelita.
Mais formosa, porém, que qualquer outra, era, sem dúvida, Rachel Benoliel, a jovem esposa de Elias Benoliel, dono de uma casa de penhores à rua Luís de Camões. Alta, esbelta, magnífica, trazia nos olhos negros a umidade dos jogos da Palestina, e essa gracilidade soberba das bravias corças do Líbano. E foi exatamente para ela que, ao penetrar na festa, o dr. Epaminondas Borges, o conhecido mundano e diplomata em disponibilidade, encaminhou a sua esperança de conquistador profissional.
Clara e linda, a boca sangrando, os dentes miúdos e brancos, tomava a formosa israelita o seu pequenino cálice de licor, junto ao "buffet", em companhia de duas amigas, quando, numa curvatura, risonho e, na sua opinião, irresistível, Epaminondas Borges se aproximou.
— Madame — disse, sorrindo, o monóculo cravado no olho; — eu seria o mais feliz dos mortais se me fosse permitido matar a sede secular do meu coração nesse pequenino cálice em que V. Excia. acaba de pousar a borboleta dos seus lábios divinos!
A testa ligeiramente franzida, as unhas rosadas cravando, como dois rubis a um topázio, o cálice apenas tocado, Rachel Benoliel ouviu, calada, o galanteio. E quando o insolente acabou, desfranziu a testa.
— Ah! o doutor está enganado; mas, não é comigo, não! É ali com aquela minha amiga! — disse, indicando outra.
E num sorriso jovial, diabólico, desconcertante:
— O doutor não sabe que é Rebeca, e não Rachel, que dá de beber aos camelos?