Saltar para o conteúdo

A Lotação dos Bondes/IV

Wikisource, a biblioteca livre


Personagens: OS MESMOS menos o CRIADO

CAMILO - Vou marcar na minha folhinha este venturoso domingo.

ELVIRA - E o senhor a gracejar em uma situação destas!

CAMILO - O que tem esta situação? Quer que chore? Não estamos um ao lado do outro?

ELVIRA - O coração bem estava me dizendo que eu não devia ir à cidade. Saio de casa a fim de comprar na rua do Ouvidor um presente para dar à mamãe...

CAMILO - E quis a minha boa estrela que seu pai, ao chegar, às três horas da tarde, na rua Gonçalves Dias, no meio da lufa-lufa do povo que ali se apinha à espera de bondes, tomasse o carro do Jardim Botânico pelo das Laranjeiras, que investisse para ele, que Vossa Excelência, mais ligeira, alcançasse um lugar e que ele ficasse na plataforma, sendo daí enxotado pelo urbano, por estar fora da lotação. Nada mais natural. Vossa Excelência não deu por isso; o bonde partiu e eis-me a seu lado, fruindo esta ventura que me esperava. (Vai à janela.)

JOSEFA (Desce.) - Ah! Minha Nossa Senhora das Candeias, que lembrança desgraçada teve aquele homem em querer por força vir visitar hoje a comadre. O senhor não avalia em que assados me vi. Deram-me tamanho futicão no vestido que descoseram-me todo o franzido, perdi o chapéu, romperam-me o chale, estive entalada na porta do carro dois minutos sem poder tomar respiração, puseram-me enfim mais arrepiada do que uma galinha no choco. Sento-me furiosa, parte o bonde e quando procuro pelo Senhor Pimenta...

CAMILO - Tinha ficado também, graças à lotação.

JOSEFA - O senhor não me explicará que história é esta de lotação?

CAMILO - A lotação, minha senhora, é uma medida empregada pela polícia, para que ninguém venha incomodado dentro dos bondes.

JOSEFA - Pois olhe, mais incomodada do que eu vim é impossível! Lá na Meia Pataca não há lotação e a gente anda como quer. Onde está meu marido? O senhor compreende, estou casada com o Pimenta apenas há dois meses...

CAMILO - Devem ter tido uma lua de mel muito ardida.

ELVIRA - Leve-nos para a casa, senhor; iremos com esta senhora e eu explicarei tudo a meu pal.

CAMILO - Tenha paciência; havemos de jantar juntos. Vou chamar o criado e mandar preparar o que houver de mais esquisito. (Canta.)


Bem unidos
Jantaremos,
Quão felizes
Não seremos.

Teu talher
Junto do meu!
O meu rosto
Junto do teu!

Que ventura
Vou gozar!
Que mais posso
Desejar?

ELVIRA -


Minha mãe,
Pobre coitada,
Deve estar
Angustiada.

JOSEFA -


E o Pimenta
Lá ficou,
Sem saber
Aonde estou.

CAMILO -


Não se zangue,
Deixe estar,
Nós havemos
De o encontrar.

ELVIRA - (TODOS)

Minha mãe, etc...

JOSEFA - (TODOS)

E o Pimenta, etc...

CAMILO - (TODOS)

Não se zangue, etc...

CAMILO (Gritando para dentro.) - Garçom! Garçom!

ELVIRA - Vou partir sozinha no primeiro bonde.

CAMILO - Não consinto. (Aparece o criado.) Garçom, prepara naquela sala um jantar para três.

JOSEFA (Para o criado.) - Oh! Seu garçom, o senhor podia me fazer um obséquio? Estou toda descosida, se houvesse lá dentro uma agulha...

CAMILO - Vá com ele, minha senhora, e fale lá dentro com a madama, que há de encontrar tudo quanto precisa. (Saem Josefa e o criado.)