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A Maravilhosa Vida de Santos=Dumont/Capítulo 4

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Capitulo IV – Vôo noturno


Quando menciona a “Balladeuse” Santós é interrompido por uma atendente do hotel que os pergunta com um sotaque francês, que Santós interpreta, sem a menor sombra de duvida, ser de uma parisiense e sugere:

“Os senhores gostariam de sentarem-se no bar?” O desconforto e a falta de privacidade do Lobby fazem com que os dois se levantem sem titubeios e sigam a jovem funcionaria do Hotel.

No curto percurso que leva do lobby até o bar, a bela senhorita quebra por um momento a formalidade e se dirige a Santós abrindo um largo sorriso enquanto segue falando em francês:

“É um prazer enorme tê-lo conosco Senhor Dumont”

Santos devolve-lhe o sorriso com um ar de admiração e honesta surpresa, passaram-se muitos anos desde que sua fama na França e no mundo tornavam-no uma figura que dificilmente entraria em um ambiente publico sem ser reconhecido. Agora os tempos são outros, seus cabelos brancos cedem espaço a calvície e o olhar senil pouco remete ao grande herói de tempos mais gloriosos.

“O prazer é todo meu por ser atendido por tão bela senhorita, pode me chamar de Santós” - disse referindo-se a forma carinhosa que o chamavam nas ruas de Paris. “Como me reconheceu?”

A jovem abre novamente um sorriso que parece ser recorrente durante toda a conversa para responder que sua mãe morava em um pensionato e Suresnes e era grande admiradora de Santos Dumont. Tinha diversas fotos e recortes espalhados pela casa.

Os dois sentaram-se no bar sem olharem-se um ao outro e tampouco à jovem, que se afastava. Um sorriso maroto começou a esboçar-se no rosto de ambos.

“Será que conheceu a mãe desta alma caridosa?” Pergunta Herbert com olhar malicioso. Ambos caem em gargalhada enquanto Santos tenta achar a reposta mais adequada. HG Wells começa a falar antes mesmo que Santós abra a boca para a resposta.

O Senhor iría dizer algo sobre a sua Balladeuse.

A sim, sim... continua a conversa a partir de onde pararam, foi sem duvida meu dirigível preferido, com ela fui capaz de me transformar em Robur de Julio Verne... .” Ainda pensativo com a interrupção da bela senhorita, Santos Dumont parece achar a resposta que procurava em sua mente. “Acho que agora me lembro deste pensionato em Surensnes e suas belas habitantes.

“Conte-me mais” responde Wells muito curioso, e mais aliviado, por não ter que inquirir sobre as estranhas circunstancias que levaram Santos-Dumont a conhecer a mãe da jovem.

“Após os diversos vôos que fiz de St Cloud a torre Eiffel em 1901, resolvi voltar em 1903 ao trajeto com minha Balladeuse. Em vôo noturno passava, despretensiosamente, pela janela do quarto de banho que sempre permanecia aberta no terceiro andar. No inicio do quarteirão desengatei o motor da Balladeuse e deixei que o vento favorável me guiasse. A luz daquele quarto parecia ter mais brilho que toda a cidade, conforme a nave se deslocava no ar, a imagem do interior do quarto foi se revelando até que a forma escultural de uma jovem morena desnuda se revelou.”

Neste ponto da conversa Herbert parecia ter os olhos azuis parados no ar como os de um manequim de loja, “ela percebeu sua presença?” pergunta como um adolescente que preza pela segurança do amigo atrevido.

“Não tinha como não perceber, o motor estava em marcha lenta e era bastante audível na silenciosa noite de Paris, no decorrer do meu trajeto Delphinette gentilmente cobriu seus seios com uma toalha.”

“Delphinette?” Interrompe Herbert, - “você sabia o seu nome?”

- Sim, minha popularidade no pensionato era há muito conhecida de toda Paris, certa vez a diretora de tal orfanato criou um concurso de acrósticos sobre o tema “À quoit rêvent lês jeunes filles” (Com quem sonham as moças) que foi publicado no Les tablettes du Vingtème Siècle. Oito moças daquele pensionato escreveram sobre mim.”

“Ela tem os mesmos olhos da mãe, jamais me esquecerei dos olhos de Delpohinette... ou seria Micheline?” Ambos se olharam com um ar de duvida e cariam na gargalhada.

“Parece que padecemos do mesmo problema” protestou H. G. Wells - "I was never a great amorist” (nunca fui um bom amante – H. G. Wells fora casado com sua prima Isabel Mary Wells, a deixou em 1894 para ficar com sua aluna Amy Catherine Robbins com quem se casou em 1895, porem, sempre manteve relações extra-conjugais). - Diga-me Santós, era seguro fazer vôos noturnos com sua Balladeuse?

- Sim, bastante seguro, com minha Balladeuse Aérienne eu já dominava bastante o manejo de dirigíveis, afinal foi o meu dirigível de numero nove, cada dia que acordava mal podia esperar para entrar em sua nacelle e decolar por sobre minha amada Paris. Certa vez, quando ainda estava descobrindo a manobrabilidade do número nove, mal conseguia dormir, a vontade de prosseguir com meus experimentos era enorme, e foi então que no dia 23 de junho de 1903 levantei-me as duas horas da madrugada, os mecânicos ainda dormiam, o número nove estava montado e pronto apenas aguardando a minha chegada.

Soltei as amarras, entrei na nacelle e sozinho pude erguer vôo, franquear o muro e transpor o rio antes que o dia clareasse.

Quando encontrava árvores, literalmente “saltava” por cima delas... Atingi a porta Dauphine e a entrada da grande avenida do Bosque de Bolonha que conduz diretamente ao Arco do Triunfo, esse lugar de encontro das elegâncias de tout-Paris. Então disse: Vou fazer o cabo pendente sobre a avenida do Bosque!”.

“O que é o cabo pendente?” Pergunta Herbert esperando que a resposta não seja tão longa a ponto de tirar o climax da estória.

“Cabo pendente nada mais é do que uma corda que fica pendurada a controle do navegador com o propósito de impedir a queda ou tornar a descida de um balão menos impactante. Esta corda que também e chamada de Guide-Rope é lançada do balão e ao tocar o chão, transfere parte do seu peso ao solo, facilitando em muito a descida”.


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“No caso deste vôo, minha balladeuse tinha tanta manobrabilidade que ao soltar o cabo pendente, conseguia manobrá-la com a mesma habilidade e precisão de um automóvel voador”.

“Conseguia manobrar tão bem assim?” Perguntou Herbert duvidando que em 1903 alguém pudesse ter tecnologia e habilidade.

“A liberdade e segurança era tanta que teria podido fazer o cabo pendente por baixo do Arco do triunfo; não me arrojei, porém a tanto. Tomei a direita do monumento, como exigiam os regulamentos automobilísticos da época.”

Herbert retorna a encostar-se na confortável poltrona em muita gargalhada “É muito divertido saber que mesmo envolvido em tal aventura consiga ainda observar as regras de transito”.

“Sou um cosmopolita” acrescentou Santós “meus inventos bem como minha conduta trazem a mim e aos povos as praticidades da vida de vanguarda em completa harmonia com as regras sociais estabelecidas para a convivência pacifica.”

“Também não gosto da idéia de desobedecer às regras de transito” afirma de forma irônica Herbert que pede a Santos que continue sua narrativa.

“Muito bem... após contornar o Arco apresentou-se um pequeno embaraço, Da aeronave, todas as avenidas que cruzavam na Étoile se assemelham, ao consultar novamente a posição do Arco do Triunfo, encontrei a avenida que levava ao meu apartamento. Estava com fome e resolvi tomar o café da manhã em minha casa”.

“Sem duvida trata-se de um feito genial.”

“Há um ditado que ensina “o gênio é uma grande paciência”; sem pretender ser gênio, teimei em ser um grande paciente. As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso, em que não deve haver lugar para o esmorecimento. Continuei com em meu trajeto, da aeronave, todas as avenidas que se cruzam a Étoile se assemelham, e só olhando para trás, para consultar o Arco do Triunfo, é que encontrei minha avenida, na esquina da rua Washington com a avenida Champs-Élysees enquanto a multidão aplaudia fui tomar um café em minha residência.

“Realmente facinante” exclama Herbert “acho que todos os homens civilizados deveriam ter uma balladeuse aérienne para se locomoverem nos centros urbanos”.

“Certamente” responde Santós aprovando totalmente a afirmação de Herbert “convencido de que a balladeuse era a solução ideal para a ocupada rotina urbana de Paris, procurei meu grande amigo Louis Blériot que rapidamente instalou um farol de grande potencia à proa de minha aeronave, e desta feita parti em mais vôos noturnos pelas ruas de Paris”.

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