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A Menina do Narizinho Arrebitado/VII

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O CASTIGO



LOGO ao clarear do dia Narizinho pulou da cama, afflicta por saber o que tinha acontecido, e soube o seguinte. O principe, assim que a menina se recolheu, tomou as armas e dirigiu-se ao corpo da guarda,

pé ante pé. E pelo buraco da fechadura descobriu o capitão em conferencia com dois grillos trahidores.

— Vocês, dizia elle, vão agora ao palacio, sobem pela janella, entram no quarto do principe e amarram-no á cama, emquanto eu vou combinar com o Escorpião o resto da festa. Vamos! Toda a cautela é pouca!..

Nem bem o principe ouviu aquillo e já voltou correndo para o seu quarto. Entreabriu a janella por onde os trahidores haviam de entrar e collocou em baixo uma gaiola de alçapão, de modo que quem pulasse para dentro cahiria prisioneiro. E ficou esperando. D'ahi ha pouco ouviu vozes abafadas do lado de fóra e logo em seguida tres cabeças que assomavam á janella, muito resabiadas. Os conspiraores pararam um momento á escuta. Depois, certos de que o principe dormia bem a dormir, saltaram para dentro e... cahiram presos na gaiola!

O principe incotinente agarrou um cadeado e trancou bem trancadinha a porta da gaiola. Os grillos, de tão assombrados, estavam de bocca aberta sem poder falar. O principe não disse nada. Sahiu do quarto e foi acordar um grillo fiel, dizendo-lhe:

— Vá procurar o capitão da guarda e diga-lhe baixinho ao ouvido: — "Os tres emissarios te mandam dizer que o "negocio" está feito, mas que precisam da tua presença no quarto do principe". Diga isso baixinho e suma-se !

O grillo recadeiro lá foi em procura do capitão e encontrou-o rondando o carcere do monstro. Approximou-se e repetiu-lhe no ouvido o recado. O capitão quiz perguntar mais coisas, mas quando abriu a bocca já o mensageiro tinha sumido.

— Muito bem! exclamou elle. O tyranno já está seguro! Vou lá agora e com as minhas proprias unhas arranco-lhe os figados. E esfregando as mãos foi correndo para o palacio. Viu a janella do quarto do principe aberta e subiu pela escada que os outros haviam deixado. Chegando ao ultimo degráo pulou para dentro do quarto. Mas antes de alcançar o chão sentiu uma dôr no peito. Ai! ai! gritou. Era o principe que o tinha varado no ar com a sua terrivel espada.

— Miseravel! Toma, para justo castigo da tua deslealdade! disse o principe cortando-lhe a cabeça com um novo golpe de espada. O corpo do capitão pererecou no tapete uns instantes, ao lado da cabeça, em cujo olhos estava gravado o espanto pelo imprevisto desenlace da conspiração.

O principe, embainhando a espada, chamou alguns soldados fieis para que levassem dalli a gaiola com os tres trahidores.

— Ponham dentro, junto com estes trahidores, o Escorpião, amarrem em cima da gaiola uma grande pedra e lancem-na ao lago.

Os guardas assim fizeram e o monstro, em vez de casar com Narizinho e subir a um throno, foi morrer afogado no fundo da lagôa...

— Bem feito! disse a menina quando soube do castigo. Assim morra toda a raça dos trahidores! E foi correndo dar parabens ao principe victorioso, que a abraçou e a beijou na testa, commovido.

— Salvaste o meu reino. Em recompensa vaes receber e corôa de princeza e sentar-te no throno, ao meu lado, como a mais adorada das esposas, disse pondo-lhe no dedo o annel de noiva.

Narizinho sentiu uma alegria immensa e, toda perturbada, ia responder, quando uma voz conhecida a despertou:

— Narizinho, vovó está chamando!

A menina sentou-se na relva, esfregou os olhos, viu o ribeirão a deslisar como sempre e lá na porteira a tia velha de lenço amarrado na cabeça.

Que pena! Tudo aquillo não passara dum lindo sonho...