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A Moça Mais Bonita do Rio de Janeiro/IV

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Agora, a explicação do fenômeno:

O barão Moreira tinha vindo para o escritório mais cedo que nos outros dias, e entretinha-se a conversar com o seu amigo Pimenta, que de vez em quando o procurava para palestrar com ele, recordando juntos os bons tempos em que ambos freqüentavam o Colégio Vitório.

O Pimenta abraçara também a carreira comercial, mas não foi tão feliz como o seu condiscípulo. Percorrera, durante muitos anos, um grande número de casas, e em nenhuma delas encontrou a fortuna a que lhe dava direito a sua prodigiosa atividade. Aos trinta e tantos anos ainda não tinha no comércio uma posição definida, mas, enfim, sempre se arranjava como corretor de mercadorias, cujas vendas, feitas por seu intermédio, lhe deixavam pingues porcentagens.

A sua longa passagem por um grande armarinho da rua do Ouvidor, de onde ao cabo de quinze anos de sonhos e esperanças, saíra irritado contra os patrões, e com uma mão atrás e outra adiante, valeu-lhe duas qualidades excepcionais: conhecer como ninguém aquele gênero de negócio e ser a crônica viva de toda a população carioca. Não havia fato, escandaloso ou não, que o Pimenta não armazenasse na memória e não glosasse no momento oportuno.

Era má língua, e, sem esse defeito, estaria talvez rico e independente como o barão de Moreira, escusado de andar acima e abaixo, de porta em porta, suando as estopinhas, munido de amostras, faturas e conhecimentos. Uns diziam: - O Pimenta não é mau sujeito, mas tem uma língua que o perde - e outros: - É muito vivo, muito esperto, mas não há maior caipora. Entretanto, como se conservava solteiro e não tinha obrigações de família, o Pimenta suportava de cara alegre o seu caiporismo, ganhando o preciso para viver sem ser pesado aos amigos.

Naquele dia ele aparecera, como já dissemos, no escritório do barão de Moreira para dar dois dedos de palestra ao amigo de infância e talvez papar-lhe o almoço.

Conversavam ambos, quando o Alexandre entrou no escritório para participar ao barão ter recebido naquele instante a notícia que seu pai falecera repentinamente, e pedir-lhe alguns dias de dispensa.

O barão, que era de uma altivez de autocrata para com os empregados da sua casa, observou, sem levantar os olhos:

— Isso é com o senhor Motta; já lhe falou?

— O senhor Motta não está.

— Pois pode ir.

E o Alexandre saiu sem receber uma palavra de condolência.

— Conheces este teu empregado? - perguntou o Pimenta ao barão.

— Não; quem o admitiu foi o meu sócio, o Motta; creio ser esta a primeira vez que lhe falo; bem sabes que tenho por sistema ligar pouca importância aos caixeiros...

— Foi por isso que te perguntei se o conhecias.

Houve uma pausa.

— Nesse caso não conheceste o pai, o Raposo, que acaba de falecer repentinamente?

— Não.

— E não sabes que o teu caixeiro é irmão da moça mais bonita do Rio de Janeiro?

— Não!

— É singular! Nunca ouviste falar da Fadinha do Engenho Novo?

— Tenho idéia...

— Pois é ela!

— E é realmente bonita?

— Se é bonita! É formosa! É linda!... Não há reputação mais merecida!

— Que diabo! Estás me aguçando a curiosidade! Como poderei vê-la?

— Muito simplesmente: vai a missa do sétimo dia. Como o irmão é empregado em tua casa, procura esse pretexto para oferecer, mesmo na igreja, os teus serviços à família, e terás ocasião de vê-la bem de perto.

— Lembras bem. Só assim iria eu à missa do pai do senhor... como se chama o rapaz?

— Alexandre.

E ali está por que o barão de Moreira compareceu a missa: mera curiosidade sacrílega.

Quando o titular voltou da igreja, encontrou no escritório o Pimenta à sua espera.

— Então? Que tal?

— Meu amigo, aquela não é a moça mais bonita do Rio de Janeiro, é a mulher mais bela do mundo!...