A Mortalha de Alzira (1895)/Dedicatoria
Aqui entre nós, leitor idealista, dou-te este livro assim com o ar de quem te faz um obsequio, quando o verdadeiro obsequiado sou eu, pois que achei esta occasião de desabafar os contidos suspiros da minha velha alma romântica.
O livro que se abre agora defronte dos teus olhos tem para mim os effeitos de uma valvula de segurança. Recebe-o de bom coração e não supponhas que recolhes no teu regaço carinhoso alguma impura fancaria de especulador. Não! A obra que te dedico é sincera sob o ponto de vista da commoção, posto não seja honestamente e logicamente irmã das minhas outras filhas litterarias, que constitúem a honradissima familia de que sou chefe.
E’ um filho que não reconheci logo, nem baptisei com o meu nome, mas que, a despeito disso, não foi produzido com menos amor ou desejo. E’ o filho de uma illusão fugitiva, de uma loucura de amor bohemio; é um filho bastardo, mas é meu filho.
Nasceu fóra do meu casal, em noutes de amor e phantasia; pobres beijos trocados á luz de velhas estrellas que nunca mais se apagaram; sonhos embalsamados de passageiras flores que para sempre se extinguiram; mas eu o amo.
Segue pois o teu destino, meu querido peccado! Já não es um simples capricho de teu pae; és uma obra atirada ao publico.
Não te envergonhes de abraçal-o, leitor que tambem o amas. Beija-o, mas sem rumor; beija-o, mas cuidado que as irmãs não ouçam nem venham a sabel-o nunca! Não imaginas, meu bom amigo, os zelos, os ciumes que ellas têm dos teus carinhos!
Ahi o tens. Cuidado!