A Penitência do Pulchério

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Há duas horas, as mãos cruzadas no peito, os olhos postos no chão, o Pulchério aguardava a sua vez para aproximar-se do padre Roberto. De três em três minutos, uma devota, maneiras humildes, ares compungidos, ajoelhava-se diante do confessionário, onde o vigário a escutava, a fisionomia doce, o coração transbordando bondade. Após uma, ia outra. E cada uma que se ajoelhava, erguia-se de rosto calmo, sereno, tranqüilo, na suave expressão de um desafogo.

Chegada a vez do Pulchério, este encaminhou-se, desconfiado, para o confessionário. Era um caboclo baixo, entroncado, olhos miúdos, tez cobreada, cabelo duro, limitando a testa pequena. Vestia calça e blusa de riscado grosseiro, e esborrachava no chão, enormes e largas, as duas tartarugas dos pés.

Retorcendo nas mãos o velho chapéu de carnaúba, ajoelhou-se em frente ao confessionário, benzeu-se, e, à ordem do padre Roberto, rompeu a balbuciar, atrapalhado, as orações da liturgia. Feito isso, principiou, propriamente, a confissão.

— Acuse-se, meu filho! — pediu, com doçura, padre Roberto.

Animado pela bondade do sacerdote, o Pulchério deu início à enumeração das suas culpas. Uma, principalmente, era assinalada por ele com interesse.

— Ah, senhor padre, eu cometi um furto, e quero que o senhor padre me dê uma penitência!

— Um furto, filho? — fez o sacerdote, escandalizado.

E após um instante:

— Que foi que você furtou?

O rosto baixo, a voz surda, o Pulchério começou:

— Eu furtei vinte e quatro galinhas do quintal de Dona Guilhermina, senhor padre. Há três noites eu vou lá, e todas as noites trago de lá seis galinhas.

— Vinte e quatro galinhas?... — fez o padre Roberto, estranhando aquela conta.

— Sim, senhor, sr. padre. Eu queria penitência para o furto das vinte e quatro galinhas de Dona Guilhermina.

— Mas, filho, — tornou padre Roberto, — três noites, furtando você seis galinhas cada noite, são apenas dezoito galinhas!

— Mas eu quero penitência para as vinte e quatro, senhor padre.

— ?...

— É que eu deixei lá marcadas outras seis, que vou buscar hoje de noite!