A Reforma da Natureza (12ª edição)/1ª parte/Capítulo 6

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CAPÍTULO VI

REFORMAS NA EUROPA E NAS PULGAS



DEPOIS FALARAM da viagem de Dona Benta à Europa. A Rã achou que ela não conseguiria nada porque os homens são errados de nascença. Emília discordou.

— Eu conheço as idéias de "vovó" — disse ela. — A primeira coisa que ela vai fazer na Conferência é transformar o mundo numa Confederação Universal. Todos os países ficarão fazendo parte dessa confederação, como os Estados dos Estados Unidos. E vai acabar com os exércitos e as marinhas, com os canhões e as metralhadoras.

A Rã, que entendia um pouco de política, achou que as grandes nações eram muito orgulhosas para se sujeitarem a ser simples Estados dum grande Estados Unidos.

— Pois se não se sujeitarem, pior para elas — declarou Emília. — Dona Benta acha que os homens devem formar no mundo uma coisa assim como as formigas. Elas são de muitas raças, ruivas, pretas, saúvas, sarassarás, quenquéns etc., mas vivem perfeitamente lado a lado umas das outras sem se guerrearem, sem se destruírem. Se as formigas conseguem isso, por que os homens não conseguirão o mesmo?

— Mas acha que os grandes de lá — os reis, os ditadores, os homens importantes vão seguir os conselhos de Dona Benta e tia Nastácia?

— E que remédio? — respondeu Emília. — Enquanto eles se guiaram pelas suas próprias cabeças, só saiu piolho: desgraças e mais desgraças, destruições sem fim. Eles devem estar convencidos de que, apesar de toda a importância, não passam duns tremendos pedaços de asnos.

A Ră concordou.

A noite, quando foram dormir, ficaram as duas na mesma cama conversando até tarde da noite. O assunto era sempre o mesmo: reformas e mais reformas. Em certo momento, uma pulga mordeu Emília. Ela acendeu a luz e pôs-se a caçá-la na brancura do lençol. Pegou-a, afinal. Enrolou-a bem enrolada entre os dedos e largou-a "para ver". E o que viu foi a pulga reviver e escapar aos pulos.

Emília danou.

— É sempre o que me acontece! Esfrego, enrolo as pulgas e elas se desesfregam, se desenrolam e saem pulando. Tenho também de reformar as pulgas.

— Como?

oderei fazê-las molinhas como qualquer môsca. Já reparou que para o tamanho que têm, as pulgas são a coisa mais rija que existe no mundo? Mais rijas que borracha... E também vou mudar a velocidade do pulo das pulgas. Faço pulos em câmara lenta, de modo que a gente possa pegá-las no ar com a maior facilidade, como estivéssemos colhendo uma bolotinha.

A Rã lembrou um "melhoramento" ainda melhor.

— E se cortássemos o pulo das pulgas pelo meio? — disse ela.

Emília não entendeu.

— Cortar, como?

— A pulga pula. Quando chega no ponto mais alto do pulo, pára. Fica paradinha no ar, como um ponto final. E a gente, sossegadamente, a pega e a estala entre as unhas. Gosto muito de ouvir o estalinho das pulgas. É o único inseto que tem essa habilidade.

— As baratas também sabem estalar — lembrou Emília. — Cada vez que Narizinho pisa numa, ela estala. É a linguagem das pulgas e das baratas. E também dos chicotes. Pedrinho tem um chicote que é mestre em estalos.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.