A Viuvinha/XI
Seguiram pela rua do Ouvidor.
— Não sei que interesse, dizia o nosso negociante, continuando a conversa; não sei que interesse tens tu, Carlos, em resgatares aquela letra!
— É uma especulação que algum dia te explicarei, Henrique, e na qual espero ganhar.
— É possível, respondeu o outro, mas permitirás que duvide.
— Por quê?
— Ora, é boa! uma letra de um homem já falecido, de uma firma falida! Aposto que não sabias disto?
— Não; não sabia! disse Carlos, sorrindo amargamente.
— Pois então deixa contar-te a história.
— Em outra ocasião.
— Por que não agora? Reduzo-te isto a duas palavras, visto que não estás disposto a escutar-me.
— Mas...
— Trata-se de um negociante rico, que faleceu, deixando ao filho coisa de 300 contos de réis e algumas dívidas, na importância de um terço dessa quantia. O filho gastou o dinheiro e deixou que protestassem as letras aceitas pelo pai, o qual, apesar de morto, foi declarado falido.
Enquanto seu companheiro falava, Carlos se tinha tornado lívido; conhecia-se que uma emoção poderosa o dominava, apesar do esforço de vontade com que procurava reprimi-la.
— E esse filho... o que fez? perguntou com voz trêmula,
— O sujeito, depois de ter-se divertido à larga, quando se viu pobre e desonrado, enfastiou-se da vida e fez viagem para o outro mundo.
— Suicidou-se?
— É verdade; mas o interessante foi que na véspera de sua morte se tinha casado com uma menina lindíssima.
— Conheces?
— Ora! quem não conhece a Viuvinha no Rio de Janeiro? É a moça mais linda, a mais espirituosa e a mais “"coquette"” dos nossos salões.
A conversa foi interrompida, os dois amigos caminharam por algum tempo sem trocarem palavra.
Carlos ficara triste e pensativo; o seu rosto tinha neste momento uma expressão de dor e resignação que revelava um sofrimento profundo, mas habitual.
Quanto ao seu companheiro, fumava o seu charuto, olhando para todas as vidraças de lojas por onde passava e apreciando essa exposição constante de objetos de gosto, que já naquele tempo tornava a rua do Ouvidor o passeio habitual dos curiosos.
De repente soltou uma exclamação e apertou com força o braço de seu amigo.
— O que é? perguntou este. — Nada mais a propósito! Ainda há pouco falamos dela, e ei-la!
— Onde? exclamou Carlos, estremecendo.
— Não a viste entrar na loja do Wallerstein?
— Não; não vi ninguém.
— Pois verás.
Com efeito, uma moça vestida de preto, acompanhada por uma senhora já idosa, havia entrado na loja do Wallerstein.
A velha nada tinha de notável e que a distinguisse de uma outra qualquer velha; era uma boa senhora que fora jovem e bonita e que não sabia o que fazer do tempo que outrora levava a enfeitar-se.
A moça, porém, era um tipo de beleza e de elegância. As linhas do seu rosto tinham uma pureza admirável.
Nos seus olhos negros e brilhantes radiava o espírito da mulher cheio de vivacidade e de malícia. Nos seus lábios mimosos brincava um sorriso divino e fascinador.
Os cabelos castanhos, de reflexos dourados, coroavam sua fronte como um diadema, do qual se escapavam dois anéis, que deslizavam pelo seu colo soberbo.
Trajava um vestido de cetim preto, simples e elegante; não tinha um ornato, nem uma flor, nem outro enfeite, que não fosse dessa cor triste, que ela parecia amar.
Essa extrema simplicidade era o maior realce da sua beleza deslumbrante. Uma jóia, uma flor, um laço de fita, em vez de enfeitá-la, ocultariam uma das mil graças e mil perfeições que a natureza se esmerara em criar nela.
Os dois moços pararam à porta do Wallerstein; enquanto seu amigo olhava a moça com o desplante dos homens do tom, Carlos, através da vidraça, contemplava com um sentimento inexprimível aquela graciosa aparição.
Os caixeiros do Wallerstein desdobraram sobre o balcão todas as suas mais ricas e mais delicadas novidades, todas as invenções do luxo parisiense, verdadeiro demônio tentador das mulheres.
A cada um desses objetos de gosto, a cada uma das mimosas fantasias da moda, ela sorria com desdém e nem sequer as tocava com a sua alva mãozinha, delicada como a de uma menina.
As fascinações do luxo, as bonitas palavras dos caixeiros e as instâncias de sua mãe, tudo foi baldado. Ela recusou tudo e contentou-se com um simples vestido preto e algumas rendas da mesma cor, como se estivesse de luto, ou se preparasse para as festas da Semana Santa.
— Assim, depois de cinco anos, disse-lhe sua mãe em voz baixa, persistes em conservar este luto constante.
A Viuvinha sorriu.
— Não é luto, minha mãe: é gosto. Tenho paixão por esta cor; parece-me que ela veste melhor que as outras.
— Não digas isto, Carolina; pois o azul desta seda não te assenta perfeitamente?
— Já gostei do azul; hoje o aborreço! É uma cor sem significação, uma cor morta.
— E o preto?
— Oh! O preto é alegre!
— Alegre! exclamou um caixeiro, admirado dessa opinião original em matéria de cor.
— Eu pelo menos o acho, replicou a moça, tomando de repente um ar sério: é a cor que me sorri.
Esta conversa durou ainda alguns minutos.
Poucos instantes depois, as duas senhoras saíram e o carro que as esperava à porta desapareceu no fim da rua.
Carlos despediu-se do seu companheiro.
Então amanhã sem falta!
— Ah! Ainda insistes no negócio?
— Mais do que nunca!
— Bem. Já que assim o queres...
— Posso contar contigo?
— Como sempre.
— Obrigado.
Henrique continuou a arruar, fazendo horas para o jantar.
Carlos dobrou a rua dos Ourives e dirigiu-se a casa. Morava em um pequeno sótão de segundo andar no fim da rua da Misericórdia.