A escrava Isaura/XII
Agora os leitores já sabem, se é que ha mais tempo não adivinhárão, que a supposta Elvira não é mais do que a escrava Isaura, assim como Anselmo não passa do feitor Daniel[1], ambos os quaes são já nossos conhecidos antigos. Como tambem sabem, que Isaura não só era dotada de espirito superior, como tambem recebera a mais fina e esmerada educação, não lhe estranharão a distincção das maneiras, a elegancia e elevação da linguagem, e outros dotes, que fazião, com que essa escrava excepcional pudesse apparecer e mesmo brilhar no meio da mais luzida e aristocratica sociedade.
Foi a situação desesperada, em que via sua querida filha, que inspirou a Daniel[1] o expediente extremo de uma fuga precipitada, exposta a mil azares, e perigos. Lembrava-se elle com horror do miserando destino, de que em iguaes circumstancias fôra victima a mãe de Isaura, e bem sabia, que Leoncio, tão desalmado como o pae, e ainda mais corrupto e libertino, era capaz de excessos e attentados ainda maiores. Tendo perdido a esperança de libertar a filha, entendeo que podia utilizar-se da somma, que para esse fim tinha agenciado, empregando-a em arrancar a pobre victima das mãos do algoz, por qualquer meio que fosse. Bem via, que aos olhos do mundo tirar uma escrava da casa de seos senhores, e proteger-lhe a fuga, além de ser um crime, era um acto desairoso e indigno de um homem de bem; mas a escrava era uma filha idolatrada, e uma pérola de pureza, prestes a ser polluida ou esmagada pela mão de um senhor verdugo, e esta consideração o justificava aos olhos da propria consciencia.
Bem se lembrára o infeliz pae de dar denuncia do facto ás autoridades, implorando a protecção das leis em favor de sua filha, para que não fosse victima das violencias e sevicias de seo dissoluto e brutal senhor. Mas todos a quem consultava, respondião-lhe a uma voz: — Não se metta em tal; é tempo perdido. As autoridades nada tem que ver com o que se passa no interior da casa dos ricos. Não caia nessa; muito feliz será, se sómente tiver de pagar as custas, e não lhe arrumarem por cima algum processo, com que tenha de ir dar com os costados na cadeia. — Onde se vio o pobre ter razão contra o rico, o fraco contra o forte?...
Daniel[1] entretinha relações occultas com alguns dos antigos escravos da fazenda de Leoncio, os quaes, lembrando-se ainda com saudades do tempo de sua boa administração, conservavão-lhe o mesmo respeito e affeição, e por meio delles tinha exacta informação do que se passava na fazenda. Sabendo dos crueis apuros, a que sua filha se achava reduzida depois da morte do commendador, não hesitou mais um instante, e tratou de tomar todas as providencias e medidas de segurança para roubar a filha, e pôl-a fóra do alcance de seo barbaro senhor. Na mesma madrugada, que seguio-se á tarde, em que a raptou, fazia-se de véla com Isaura para as provincias do norte em um navio negreiro, de que era capitão um portuguez, antigo e dedicado amigo seo. Este chegando ás alturas de Pernambuco, como dahi tinha de singrar para a costa da Africa, largou-os no Recife, promettendo-lhes, que dentro em tres ou quatro mezes estaria de volta e pronto a conduzil-os para onde quizessem. Daniel[1], que em sua profissão de jardineiro ou de feitor havia passado a vida desde a infancia, dentro de um horizonte acanhado e em circulo mui limitado de relações, tinha pouco conhecimento e nenhuma experiencia do mundo, e portanto não podia calcular todas as consequencias da difficil posição, em que ia collocar a si e a sua filha. Durante os longos annos, que esteve feitorando a fazenda do commendador e de outros, não se déra senão uma ou outra fuga insignificante de escravos, por poucos dias e para alguma fazenda vizinha, e portanto não é para admirar, que elle quasi completamente ignorasse a amplitude dos direitos, que tem um senhor sobre o escravo, e os infinitos meios e recursos de que pode lançar mão para captural-os em caso de fuga. Entendeo pois, que em Pernambuco poderia viver com sua filha em plena seguridade, ao menos por tres ou quatro mezes, uma vez que se afastassem da sociedade o mais que pudessem, e procurassem esconder sua vida na mais completa obscuridade.
Isaura tambem, se bem que tivesse o espirito mais atilado e esclarecido, longe do objecto principal de seo terror e aversão, não deixava de sentir-se tranquilla, e até certo ponto descuidosa dos perigos a que vivia exposta. Mas essa tal ou qual tranquillidade só durou até o dia, em que pela primeira vez vio Alvaro. Amou-o com esse amor exaltado das almas elevadas, que amão pela primeira e unica vez, e esse amor, como bem se comprehende, veio tornar ainda mais critica e angustiosa a sua já tão precaria e misera situação.
Alvaro tinha na physionomia, nas maneiras, na voz e no gesto, um não sei quê de nobre, de amavel e profundamente sympathico, que avassalava todos os corações. O que não seria elle para aquella, que unica até ali lhe soubera conquistar o amor. Isaura não poude resistir a tão prestigiosa seducção; amou-o com o ardor e enthusiasmo de um coração virgem; e com a inprevidencia e cegueira de uma alma de artista, embora não visse nesse amor mais do que uma nova fonte de lagrimas e torturas para seo coração.
Medindo o abysmo, que a separava de Alvaro, bem sabia que de nenhuma esperança podia alimentar-se aquella paixão funesta, que deveria ficar para sempre sepultada no intimo do coração, como um cancro a devoral-o eternamente.
No seo calix de amarguras, já quasi a transbordar, tinha de receber da mão do destino mais aquelle travo cruel, que lhe devia queimar os labios e envenenar-lhe a existencia.
Já bastante lhe pezava andar enganando a sociedade a respeito de sua verdadeira condição; alma sincera e escrupulosa, envergonhava-se comsigo mesma de impor ás poucas pessoas, que com ella tratavão de perto, um respeito e consideração a que nenhum direito podia ter. Mas considerando que de tal disfarce nenhum grande mal podia resultar á sociedade, conformava-se com sua sorte. Deveria porém ella, ou poderia sem inconveniente manter o seo amante na mesma illusão? Com seo silencio, conservando-o na ignorancia de sua condição de escrava, deveria deixar alimentar-se e crescer profunda e energica paixão, que o moço por ella concebera?.. não seria isto um vil embuste, uma indignidade, uma traição infame? não teria elle o direito, ao saber da verdade, de acabrunhal-a de amargas exprobrações, de desprezal-a, de calcal-a aos pés, de tratal-a emfim como escrava abjeta e vil, que ficaria sendo?
— Oh! isto para mim seria mais horrivel que mil mortes! — exclamava ella no meio do angustioso embate de idéas, que se lhe agitavão no espirito. — Não, não devo illudil-o; isto seria uma infamia... vou-lhe descobrir tudo; é esse o meo dever, e hei-de cumpril-o. Ficará sabendo, que não pode, que não deve amar-me; porém ao menos não ficará com o direito de desprezar-me.. uma escrava, que procede com lisura e lealdade, pode ao menos ser estimada.
Não; não devo enganal-o; hei de revelar-lhe tudo.
Esta era a resolução que lhe inspiravão seo natural pundonor e lealdade, e os dictames de uma consciencia recta e delicada, mas quando chegava o momento de pôl-a em pratica fraqueava-lhe o coração, e Isaura ia differindo de dia para dia a execução de seo proposito.
Fallecia-lhe de todo a coragem para quebrar por suas proprias mãos a doce chiméra, que tão deliciosamente a embalava, e em que ás vezes conseguia esquecer por longo tempo sua misera condição, para lembrar-se sómente que amava e era amada.
— Deixemos durar mais um dia — reflectia ella comsigo, — esta illusoria, mas ineffavel ventura. Sou uma condenada, que arrancão da masmorra para subir ao palco e fazer por momentos o papel de rainha feliz e poderosa; quando descer, serei de novo sepultada em minha masmorra para nunca mais sahir. Prolonguemos estes instantes; não será licito deixar passar ao menos em sonhos uma hora de felicidade sobre a fronte do infeliz condenado?... sempre será tempo de quebrar esta fragil cadeia de ouro, que me prende ao céo, e baquear de novo no inferno de meos soffrimentos.
Nesta indecisão, nesta lucta interna, em que sempre a voz da paixão abafava os dictames da razão e da consciencia, passarão-se alguns dias até áquelle, em que Alvaro os induzio por meios quasi violentos a acceitarem convite para um baile. Desde então Isaura entendeo que seria uma deslealdade, uma infamia inqualificavel, conservar por mais tempo o seo amante na illusão a respeito de sua condição, e que não havia mais meio de prolongar, sem desdouro para elles, tão falsa e precaria situação.
Era muito abusar da ignorancia do nobre e generoso mancebo! uma escrava fugida apresentar-se em um baile, e apavonar-se em seo braço á face da mais brilhante e distincta classe de uma importante capital!.. era pagar com a mais feia ingratidão e a mais degradante deslealdade os serviços, que com tanta delicadeza e amabilidade lhe havia prestado. Isto repugnava absolutamente aos escrupulos, da melindrosa consciencia de Isaura. E’ verdade, que Miguel atterrado pelas considerações, que Alvaro lhe fizéra, vio-se forçado a annuir ao seo gracioso convite; Isaura porém guardára absoluto silencio, o que ambos tomárão por um signal de aquiescencia.
Enganavão-se. Isaura recolhida ao silencio não fazia mais do que tentar esforços supremos para sacudir o fardo daquelle disfarce, que tanto lhe pesava sobre a consciencia, rasgando resolutamente o véo, que encobria aos olhos do amante sua verdadeira condição. Por mais porém que invocasse toda a sua energia e resolução, no momento decisivo a coragem a abandonava. Já a palavra lhe pairava pelos labios entre-abertos, já tinha o passo formado para ir prostrar-se aos pés de Alvaro, mas encontrando pousado sobre ella o olhar meigo e apaixonado do mancebo, ficava como que fascinada; a palavra não ousava romper os labios paralysados e refluia ao coração, e os pés recusavão-se ao movimento como se estivessem pregados no chão. Isaura estava como o desgraçado a quem circunstancias fataes arrastão ao suicidio, mas que ao chegar á borda do precipicio medonho em que deseja arrojar-se, recua espavorido.
— Fraca e covarde creatura que eu sou! — pensou ella por fim esmorecida: — que miseria! nem tenho coragem para cumprir um dever! não importa; para tudo ha remedio; cumpre que elle ouça da boca de meo pae, o que eu não tenho animo de dizer-lhe.
Esta idéa luzio-lhe no espirito como uma taboa salvadora; agarrou-se a ella com sofreguidão, e antes que de novo lhe fraqueasse o animo, tratou de pôl-a em execução.
— Meo pae, — disse ella resolutamente, apenas Alvaro transpoz o portão do pequeno jardim, — declaro-lhe, que não vou a esse baile; não quero, nem devo por forma nenhuma lá me apresentar.
— Não váis?! — exclamou Miguel attonito. — E por que não disseste isto ha mais tempo, quando o senhor Alvaro ainda aqui se achava? agora que já démos nossa palavra...
— Para tudo ha remedio, meo pae, — atalhou a filha com febril vivacidade — e para este caso elle é bem simples. Vá meo pae depressa á casa desse moço, e diga-lhe o que eu não tive animo de dizer-lhe; declare-lhe quem eu sou, e está tudo acabado.
Dizendo isto, Isaura estava palida, fallava com precipitação, os labios descorados lhe tremião, e as palavras proferidas com voz convulsa e estridente, parecia que lhe erão arrancadas a custo do coração. Era o resultado do extremo esforço que fazia, para levar a effeito tão penivel resolução. O pai olhava para ella com assombro e consternação.
— Que estás a dizer, minha filha! — replicou-lhe elle — estás tão palida e alterada!.. parece-me que tens febre... soffres alguma cousa?
— Nada soffro, meo pae; não se inquiete pela minha saúde. O que eu estou lhe dizendo é que é absolutamente necessario, que meo pae vá procurar esse moço e confessar-lhe tudo...
— Isso nunca!.. estás louca, menina?.. queres que eu te veja encerrada em uma cadeia, conduzida em ferros para a tua provincia, entregue a teo senhor, e por fim ver-te morrer entre tormentos nas garras daquelle monstro! oh! Isaura, por quem és, não me falles mais nisso. Emquanto o sangue me girar nestas veias, emquanto me restar o mais pequenino recurso, hei-de lançar mão delle para te salvar....
— Salvar-me por meio de uma indignidade, de uma infamia, meo pae!.. retorquio a moça com exaltação. — Como posso eu, sem commetter a mais vil deslealdade, apparecer apresentada por elle como uma senhora livre em uma sala de baile?... Quando esse senhor e tantas outras illustres pessoas souberem que hombreou com ellas, e a par dellas dançou uma miseravel escrava fugida...
— Cala-te, menina! — interrompeo o velho, incommodado com a exaltação da filha. — Não falles assim tão alto... tranquilliza-te; elles nunca saberão de nada. O mais breve que puder ser deixaremos esta terra; ámanhã mesmo, se for possivel. Embarcaremos em qualquer paquete, e iremos para bem longe, para os Estados-Unidos, por exemplo. Lá, segundo me consta, poderemos ficar fóra do alcance de qualquer perseguição. Eu com o meo trabalho, e tu com as tuas prendas e habilitações, podemos viver sem soffrer necessidades em qualquer canto do mundo.
— Ah! meo pae! essa idéa de irmos para tão longe, sem esperança de um dia podermos voltar, me opprime o coração.
— Que remedio, minha filha!.. já agora, ainda que tenhamos de ir parar ao fim do mundo, nos é forçoso fugir ás garras do monstro.
— Mas esse moço, que tanto se interessa por nós, o senhor Alvaro, nobre e generoso como é, sabendo da minha verdadeira condição, e das terriveis circumstancias que nos obrigão a andar assim fugitivos e disfarçados pelo mundo, talvez queira e possa nos amparar e valer contra as perseguições..
— E quem nos affiança isso?... o mais certo é elle entregar-te ao desprezo, logo que saiba que não passas de uma escrava fugida, se despeitado com o logro que levou, não for o primeiro a denunciar-te á policia. No transe em que nos achamos, é de absoluta necessidade enganar a elle e a todos; se revelarmos a quem quer que seja o segredo de nossa posição, estamos perdidos. Toma coragem, e vamos ao baile, minha filha; é um sacrificio cruel, mas passageiro, a que devemos nos sujeitar a bem de nossa segurança. Em breve estaremos longe, e se algum dia souberem quem tu eras, que nos importa? nunca mais nos verão o rosto, nem ouvirão nossos nomes. Tens a consciencia escrupulosa em demasia. Se ignorão quem tu és, a tua companhia em nada os pode infamar. Com isso não fazes mal a ninguem; é uma medida de salvação, que todos te perdoarião.
— Meo pae parece que tem razão; mas não sei por que, repugna-me absolutamente ao coração dar esse passo.
— Mas é preciso dal-o, minha filha, se não queres para nós ambos a desgraça e a morte. Se não formos a esse baile, e desapparecermos de um dia para outro, como nos é forçoso, então as suspeitas que começamos a despertar, tomarão muito maior vulto, e a policia pôr-se-há á nossa pista, e nos perseguirá por toda parte. E’ um sacrificio na verdade, mas não será elle muito mais suave do que as perseguições da policia, a prisão, as torturas e a morte, que é o que podes esperar em casa de teo senhor?...
Isaura não respondeo; seo espirito agitava-se entre as mais pungentes e amargas reflexões.
As palavras de seo pae a tinhão abismado em glacial e profundo desalento. Aturdida por tantos golpes, sua alma debatia-se em um mar de duvidas e perplexidades, como fragil barca em meio de um oceano irritado, sacudida aos boléos por vagalhões desencontrados.
O grito de sua consciencia escrupulosa e delicada, a lisura e sinceridade de seo coração, que não podia accomodar-se com o embuste e a mentira, e uma especie de vago presentimento que lhe pesava sobre o espirito, a desviavão daquelle baile, e por momentos parecião fixar definitivamente a sua resolução; e firme neste proposito dizia comsigo mesma: — não, não irei.
Por outro lado as considerações de seo pae, que parecião tão razoaveis e sensatas, bem como o desejo de ver Alvaro ainda uma vez, de gozar por algumas horas a sua presença, fazião-lhe de novo fluctuar o espirito no mar das irresoluções. A lembrança de que em breve, talvez no dia seguinte, tinha de deixar aquella terra e separar-se de Alvaro, sem esperança alguma de jámais tornar a vel-o, sem poder dizer-lhe um adeos, sem que elle pudesse saber quem ella era, nem para onde ia, dilacerava-lhe o coração. Partir sem ter um ente a quem apertar nos braços na hora da despedida, nem ter um seio onde verter as lagrimas da mais pungente saudade; partir para levar uma vida errante e fugitiva, sem esperança nem consolação alguma, atravéz de mil trabalhos e perigos, para terminal-a talvez entre os tormentos da mais atroz escravidão, oh!.. isto era pavoroso! — e, entretanto, era esse o unico futuro, que a pobre Isaura tinha diante dos olhos. Mas não; tinha ainda diante de si uma noite inteira de prazer e de ventura, uma noite esplendida de baile e regozijo de seo amante, respirando o mesmo ar, inebriando-se de sua voz, bebendo o seo halito, recolhendo dentro d’alma seos olhares apaixonados, sentindo na sua a pressão daquella mão adorada, contando as pulsações daquelle coração, que só por ella palpitava. Oh! uma noite assim valia bem uma eternidade, viessem depois embora as angustias e perigos, a escravidão e a morte!
Candida e modesta como era, nem por isso Isaura deixava de ter consciencia do quanto valia. Vendo-se o objeto do amor de um jovem de espirito elevado, e dotado de tão nobres e brilhantes qualidades como Alvaro, ainda mais se confirmou na idéa que de si mesma fazia.
Com sua natural perspicacia e penetração, bem depressa convenceo-se, de que o affecto que o mancebo lhe consagrava, não era simples e superficial homenagem rendida a seos encantos e talentos, nem tão pouco passageiro capricho de mocidade, mas verdadeira paixão, sincera, energica e profunda. Era isto para ella motivo de um orgulho intimo, que a elevava a seos proprios olhos, e por momentos a fazia esquecer-se que era uma escrava.
— Estou convencida de que sou digna do amor de Alvaro, se não, elle não me amaria; e se sou digna de seo amor, por que não o serei de me apresentar no seio da mais brilhante sociedade? A perversidade dos homens pode acaso destruir o que ha de bom e de bello na feitura do creador? Assim reflectia Isaura, e exaltada com estas ideas e com a seductora perspectiva de algumas horas de ineffavel ventura em companhia do amante, exclamava dentro d’alma. — Hei de ir, hei de ir ao baile! —
Emquanto Isaura, silenciosa e com a face na mão, se embebia em suas cismas, procurando firmar-se em uma resolução, o pae não menos inquieto e preoccupado, passeava distrahido entre os canteiros do jardim, aguardando com anciedade uma resposta definitiva de sua filha.
— Irei, meo pae, irei ao baile, — disse ella por fim levantando-se, mas vou preparar-me para elle como a victima que tem de ser conduzida ao sacrificio entre canticos e flores. Tenho um cruel presentimento, que me acabrunha...
— Presentimento de que, Isaura?..
— Não sei, meo pae; de alguma desgraça.
— Pois quanto a mim, Isaura, o coração como que está-me adivinhando, que de ir a esse baile resultará a nossa salvação.