A expiação/IV

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Em casa de Luís. A sala do conhecido.


CENA I[editar]

Luís e Barão.

LUÍS – Imagina que noite horrível passou ela!... Agora está mais tranquila; porém ainda não quis ver a filha...

BARÃO – Maldita lembrança foi a minha de mandar a Helena para o tal pavilhão!

LUÍS – Não te aflijas, Araújo. Quando saí ontem da tua casa, vinha sucumbido; agora estou mais animado, achei o meio de remediar o mal.

BARÃO – Qual?

LUÍS – Verás; mandei chamar Lina e ela não deve tardar. Pobre menina! Seu desmaio que tanto nos assustou foi uma felicidade. Ela sabe apenas, que Frederico é seu irmão!

BARÃO – Esse pouco!...

LUÍS – É preciso porém que ela não veja mais o Frederico. A Helena contou tudo!...

BARÃO – Que tinha aquela bruxa de meter-se nisso. Há de ser ruim toda sua vida!

LUÍS – Coitada! Ficou tão fora de si ouvindo Lina falar em seu casamento com... o irmão!...

BARÃO – Viesse prevenir-me.

LUÍS – Nem tudo ocorre (sentindo passos.) Aí vem Lina. Julgas Araújo que um médico deva mentir para salvar o doente?...

BARAO – Homem... Se não há outro meio!

LUÍS – Então posso eu também mentir para salvar minha filha.


CENA II[editar]

Os precedentes e Lina.

BARÃO – Está melhor, Lina?

LINA – Já estou boa, meu padrinho.

BARÃO – Mas acho-a ainda tão abatida... Acabou de chorar!

LINA – Chorei à toa.

LUÍS – Minha filha, mandei te chamar para falarmos à respeito do que soubeste ontem sobre esse moço... o Frederico...

LINA – Para que papai; eu sofro tanto quando me lembro disso!... Minha vontade é esquecer tudo; mas não posso!

LUÍS – O amor de irmão é tão doce, Lina!

LINA – Oh! eu desejava bem ter um irmão; mas queria que fosse outro e não o Sr... o Sr. Ribeirinho!

LUÍS – É natural essa repugnância; com o tempo te habituarás... Mas devo-te revelar o segredo...

LINA – Não, papai! Não quero saber nada mais! Basta já o que mamãe tem sofrido! (espanto do barão.)

LUÍS – Tua mãe se agoniza por ver sua filha triste e chorosa!

LINA – Só?... Mas eu ficarei alegre; eu prometo! Vou dizer-lhe que não estou mais triste!

BARÃO – Espere, ouça primeiro a seu pai!

LINA – Não é preciso!

LUÍS – É muito; para que me possas perdoar o desgosto que te causei!

LINA – Papai?...

LUÍS – Sim. Antes de conhecer tua mãe tive a infelicidade de amar a uma senhora... a mãe de Frederico...

LINA – Então ele é...

LUÍS – Meu filho!

LINA – E por que não tem seu nome? E não vive em nossa casa?

LUÍS – Não podia lhe dar um nome e chamá-lo para minha companhia sem fazer a desgraça de sua mãe. Resignei-me a amá-lo de longe. Como poderia eu imaginar que sucedesse...

LINA – Bom papai!... Acabou-se?... Esqueça-se disso!

LUÍS – E tu me perdoas?

LINA – Onde é que já se viu um pai pedir perdão à sua filha?

LUÍS – Quando é culpado!

LINA – Eu não sei se é, nem quero saber!

BARÃO – Bravo, minha afilhada! Muito bem! Eu já sabia que você era uma menina de muito juízo; mas agora vejo que já é uma senhora!... Ora uma senhora precisa de uma mucama para sua companhia... Faço-lhe presente da Gertrudes!...

LINA – Mas, papai!...

LUÍS – O que é?

LINA – Por que mamãe ontem também me pediu perdão de joelhos?...

BARÃO – Não admito que se fale mais disso!

LINA – Eu quero saber.... Foi de tudo o que mais me afligiu!

LUÍS – Eu te digo, Lina. Quando nos encontramos a primeira vez com Frederico e que ele dançou contigo, eu quis te confessar; tua mãe se opôs. Ontem arrependeu-se.

LINA – Ah! meu bom pai!... (abraça-o.) Agora vou abraçar também a minha querida mamãe! Ainda hoje não a vi!

LUÍS – Ela está dormindo agora; passou mal a noite com o susto que teve do teu desmaio! Vai-te distrair; estudar a teu piano.

LINA – Hoje não tenho gosto!

LUÍS – Vai! (leva-a para o piano e volta ao barão) Então?

BARÃO – Muito bem!

LUÍS – Agora é necessário que o Ribeiro de seu lado nos ajude! Bem podias procurá-lo de minha parte.

BARÃO – Já, neste instante!

LUÍS – Compreendes bem? Silêncio do filho e...

BARÃO – Deixa ao meu cuidado! (Sai — Luís vai sair.)

LINA – Olha, papai!... Eu entrarei devagarinho, para não acordar mamãe. Quero só vê-la; sairei logo!

LUÍS – Espera um momento; eu te chamarei!


CENA III[editar]

Lina e Frederico.

(Lina tira uns arpejos frouxos do piano)

FREDERICO (entrando) – D. Lina!...

LINA (erguendo-se.) – Meu Deus!... Papai!

FREDERICO – Escute D. Lina! Não se assuste!

LINA – Eu não quero ver mais o senhor!

FREDERICO – Por quê?... ouça! Foi um engano daquela mulher!... Meu pai agora mesmo me contou tudo, e eu corri para lhe dar a notícia!... Veja como estou chorando de alegria.

LINA – Mas de quê? Que foi que seu pai lhe disse?

FREDERICO – Que eu não sou seu irmão, Lina!

LINA – É verdade, Sr. Frederico? Não está me enganando?

FREDERICO – Não sou capaz de lhe enganar!...

LINA – Me desculpe! Sou tão feliz, que duvido!...

FREDERICO – Eu lhe juro sobre a palavra de meu... daquele que eu amo e respeito como pai, porque é o seu D. Lina!

LINA – Que aflição, meu Deus! Não compreendo! Não posso... Meu pai agora mesmo me disse...

FREDERICO – De qual fala? Daquele que considera seu pai por ser marido de sua mãe, ou de seu verdadeiro pai, que me adotou e criou?...

LINA – Ah!...

FREDERICO – Que tem, D. Lina! Por compaixão!...

LINA – Então meu pai... o marido de minha mãe, não é meu... meu pai!... Responda, senhor!

FREDERICO – Pois não sabia? Sua mãe não lhe contou?

LINA – À mim?...

FREDERICO – A senhora não estava convencida que éramos irmãos?...

LINA – Meu pai me disse que o senhor é seu filho!

FREDERICO – Eu!...

LINA – Agora compreendo tudo!... Foi por isso que minha pobre mãe caiu de joelhos quando eu lhe perguntei, e desde ontem recusa me ver!

FREDERICO – Para que disse eu?

LINA – Não devia dizer. Nunca se diz mal de sua mãe a uma filha!

FREDERICO – Oh! me perdoe!...

LINA – Meu pai adivinhou o que eu havia de sofrer por minha mãe, sabendo... ocultou-me tudo... Disse-me que o senhor era seu filho... como eu. Acreditei na sua palavra e ainda acredito!

FREDERICO – Mas seu verdadeiro pai me assegurou...

LINA – Não o conheço!

FREDERICO – Ele não tarda!

LINA – Que vem fazer aqui?

FREDERICO – Pedir sua mão, D. Lina, para mim, seu filho adotivo.

LINA – Corra e lhe suplique de joelhos que não venha! Nós somos irmãos, filhos do mesmo pai! Ele me disse e eu creio nele como em Deus. Ele não mente!

FREDERICO – Mas pode enganar-se! Quer uma prova?...

LINA – Não! não!

FREDERICO – Leia esta carta que o Sr. Viana escreveu à seu pai na véspera de casar-se, exigindo que restituísse a senhora à sua mãe!

LINA – Não me compreendeu!... Nós somos irmãos! Assim é forçoso! Uma mãe não pode corar diante de sua filha. Eu devo esquecer e ignorar tudo quanto o senhor me disse!

FREDERICO – E nosso amor!

LINA – Seja eu desgraçada, Sr. Frederico; mas não aquela que me deu o ser.

FREDERICO – Ela não pode ser desgraçada vendo sua filha feliz!... Saiba que seu pai me adotou na esperança de casar-me com a senhora e de ter assim um dia o direito de tornar à chamá-la sua filha!...

LINA – Nunca!

FREDERICO – Não seja cruel, D. Lina!

LINA – Se esse homem que o senhor chama meu pai e que eu não conheço vier aqui e descobrir que não somos irmãos, juro-lhe que não o verei mais...

FREDERICO – D. Lina!

LINA – Não! Porque morrerei com minha mãe! (sai.)

FREDERICO – Que fatalidade, senhor! (sai.)


CENA IV[editar]

Sofia e Carolina.

SOFIA (na porta e para fora.) – Sim, meu pai. Passe na volta para me levar.

CAROLINA – Adeus, D. Sofia!

SOFIA – Oh! D. Carolina, não a tinha visto. E Lina?

CAROLINA – Passou melhor; mas ainda está muito abatida e nervosa. Fez bem em vir lhe fazer companhia. Ela é muito sua amiga!

SOFIA – E eu dela!

CAROLINA – Eu sei, e tenho muito prazer com isso. Lina pode perder sua mãe de um momento para outro... talvez mais cedo do que pensa... e então sempre é um consolo para mim saber que lhe fica uma irmã.

SOFIA – Não pense nisso, D. Carolina!

CAROLINA – A senhora será uma irmã para ela, me promete?

SOFIA – Já sou; mas deixe estas ideias tristes!

CAROLINA – Se ao menos Luís se tornasse a casar, ela teria uma segunda mãe... porém ele não há de querer, talvez por consideração a mim!...

SOFIA – Que prazer acha a senhora em estar a se afligir deste modo, sem causa.

CAROLINA – Não me aflige a ideia de morrer, não, D. Sofia. Morrer é descansar... Mas quando eu já não estiver neste mundo, lembre-se desta conversa que talvez seja a última...

SOFIA – A senhora me assusta.

CAROLINA – Se Luís tiver escrúpulos de casar-se outra vez, diga-lhe o que me ouviu, — “que minha alma o abençoará do outro mundo, se ele der a minha filha uma segunda mãe boa e virtuosa, como... como a Sr.a D. Sofia!”

SOFIA – D. Carolina!...

CAROLINA – Vá ver Lina; mas não lhe fale do que sucedeu ontem; ela está muito apreensiva; procure distraí-la.

SOFIA (saindo) – Sim, senhora.


CENA V[editar]

Meneses e Carolina.

MENESES – Por que se ergueu da cama, Carolina?

CAROLINA – É necessário!...

MENESES – Luís não devia ter consentido!

CAROLINA – Ele não me viu; pensa que estou deitada. Obteve as cartas?...

MENESES – Aqui estão, com um retrato!

CAROLINA – Ah! obrigado meu amigo. Acenda-me uma vela!...

MENESES – O tal Vieirinha custou à desistir da hipoteca que tinha sobre a D. Paulina!...

CAROLINA – Não zombe assim da honra de uma senhora, Meneses, ao menos diante de mim!...

MENESES – Desculpe, Carolina!

CAROLINA – Mas afinal como obteve que lhe entregasse?... E entregaria todas?... É capaz de ter ficado com algumas...

MENESES – Não tenha receio. Araújo possuía um autógrafo precioso do nosso comendador, o qual apresentado à polícia bastava para mandá-lo em 24 horas para a casa de correção e em 3 meses para Fernando de Noronha... (acende a vela) Munido dessa arma poderosa apresentei-me em casa do Vieirinha que se dignou abrir-me todas as gavetas e cômodas. Aí no seu grande arsenal de conquistador, achei entre flores secas, anéis de cabelos, retratos e epístolas, o que procurava.

CAROLINA – Outra vez obrigada, Meneses!... Já que não pude defender a minha, salvarei a honra dessa senhora! (Queima os papéis.)

MENESES – Custa caro à sociedade a honra de D. Paulina!

CAROLINA – Por quê?

MENESES – Demorou a punição de um tratante!


CENA VI[editar]

Os precedentes, D. Francisca e o afilhado.

D. FRANCISCA – Vou entrando, porque estou cansada de bater. (Cortesia seca aos dous.)

CAROLINA – Sabe que tem toda a liberdade nesta casa!

D. FRANCISCA – Preciso falar-lhe em particular, D. Carolina.

CAROLINA – Fale D. Francisca. O Meneses é nosso amigo velho e para ele não temos segredos.

D. FRANCISCA – Bem; era pela senhora! Cá por mim, pouco se me dá!

MENESES – Ia me retirar; mas como o segredo interessa à Carolina, fico. Pode falar sem susto, D. Francisca.

D. FRANCISCA – O senhor dirá se tenho razão. Ontem chegando em casa achei uma carta anônima, que eu não lhe devo mostrar porque traz cousas horríveis contra a senhora.

CAROLINA – Que mal faz? Deixe-a ver!

D. FRANCISCA – Não a trouxe, e nem lhe falaria dela se não fosse tocar em um ponto que me interessa, o futuro de minha filha. A carta diz que o Pinheiro... Não se zangue...

CAROLINA – Por que motivo? A senhora repete apenas o que leu.

D. FRANCISCA – Há certas cousas que custam repetir, mas enfim é preciso. A carta diz que a senhora aqui há anos teve relações com o Pinheiro e o arruinou... É verdade?...

MENESES – Senhora!... Bem fiz eu em ficar!

CAROLINA – Não se altere, meu amigo!

D. FRANCISCA – Queira perdoar! Eu suspeitei logo que houvesse aí alguma intriga; mas desejava ouvir isso mesmo da senhora... para meu sossego. Vejo agora que não passa de uma miserável calúnia!

CAROLINA – Não, D. Francisca. Tudo que lhe escreveram... é verdade!

D. FRANCISCA – A senhora confessa?

MENESES – Carolina!

CAROLINA – Não sei mentir!

D. FRANCISCA (erguendo-se) – Então muito agradecida pela peça que me pregou! O dote de Amélia é que devia pagar ao Pinheiro a sua dívida!

CAROLINA – Quando a senhora me pediu que arranjasse um casamento para sua filha, o que me disse? “Que desejava casá-la antes de tudo com um homem de bem, embora pobre e sem posição.” Não é exato?

D. FRANCISCA – A que vem isto agora?

CAROLINA – Eu conhecia um homem de bem, que tinha lutado corajosamente contra a miséria e aprendera na desgraça...

MENESES – Um exemplo que eu admiro no meio da corrupção atual.

CAROLINA – Lembrando-me dele para marido de D. Amélia referi tudo quanto eu sabia de sua vida, ocultando somente o nome da desgraçada que o tinha reduzido à miséria. Pensei que não fosse necessário curtir essa vergonha... Enganei-me; não devia subtrair-me a ela!...

D. FRANCISCA – Bem; eu não tenho mais que fazer aqui.

CAROLINA – É justo que me ouça! Se esse moço fosse arruinado por outra mulher eu teria o direito de o proteger e recomendar; mas como eu fui a própria autora de sua desgraça, não posso, não devo reparar o mal que lhe causei!... Seria uma indignidade, uma peça...

D. FRANCISCA – Não quis lhe ofender dizendo isto...

CAROLINA – O Pinheiro é um homem de bem e digno de pertencer à sua família; a senhora o provou com a estima em que o tem, sua filha com a afeição que lhe consagra!... Que importa o ente desprezível que serviu para os reunir?... Despreze-me embora, rebaixe-me na sua estima, porém não faça a infelicidade de duas criaturas que se amam!

D. FRANCISCA – Tem muita razão! Eu é que sou de um gênio meio arrebatado; não faça caso do que disse, D. Carolina. Suponha que nada houve entre nós!...

CAROLINA – Eu lhe agradeço... por eles!

MENESES – Agora permita-me também uma palavra, D. Francisca. Desconfio que essa carta anônima seja de um célebre comendador Vieira...

D. FRANCISCA – E não é de outro!

MENESES – Desejo vê-la!

D. FRANCISCA – Vá a minha casa. Eu lhe mostrarei!

MENESES – Será a última infâmia que ele pratique impunemente.

D. FRANCISCA – Adeus, D. Carolina, não posso demorar-me... Até outra vez, Sr. Meneses. (Sai)


CENA VII[editar]

Carolina e Meneses.

MENESES – Em que pensa, Carolina!

CAROLINA – No meu destino, Meneses. Preciso morrer!

MENESES – Abandone, semelhante ideia, Carolina. Eu lhe ordeno em nome do dever!

CAROLINA – É o dever que me condena. Você me conhece, Meneses; eu não era capaz de afligi-lo com essa triste notícia, se ela não lhe anunciasse uma resolução inabalável!

MENESES – Bem, Carolina!... Neste caso eu assumo a autoridade que me dá o meu título de homem honesto e amigo dedicado para impedir por todos os modos que você realize semelhante ingratidão!

CAROLINA – Pensa que eu pretendo suicidar-me?

MENESES – Suas palavras...

CAROLINA – Para morrer não careço de ferro, nem de veneno! Olhe para mim! Não vê que eu já trago a morte comigo, dentro deste corpo; sou mais que uma moribunda, sou uma defunta viva! O que ainda me sustenta é a vontade; quero viver algumas horas ainda! Quando essa vontade me abandonar, terei acabado de morrer!...

MENESES – Eu a desconheço, Carolina! Você tão forte e resignada com a desgraça, sucumbe agora que chegava ao fim de seus sofrimentos!

CAROLINA – Fui e sou forte para a minha própria desgraça; mas para a desgraça daqueles que amo, sou pusilânime e fraca! Sofri resignada a expiação do meu erro, porém não posso sofrer as dores de que sou causa infeliz! Minha filha me despreza. Luís já não me ama!

MENESES – Luís ainda não lhe confessou?... Ele a ama. Ele a adora! Teve um instante de loucura, uma vertigem, mas cairá de novo à seus pés confuso e envergonhado!

CAROLINA – Não é possível, meu Deus! Se fosse... ele me teria dito!...

MENESES – Teve medo de dizer; queria provar!

CAROLINA – Oh! não é necessário!


CENA VIII[editar]

MENESES – Vem, Luís, vem dizer a Carolina que é verdade que tu a amas?...

LUÍS (agitado) – Para que saiu do quarto? Viu Lina?...

CAROLINA – É verdade, Luís!

LUÍS – Eu não queria confessar-lhe, Carolina, senão depois que me tornasse digno do seu perdão!... Não bastava meu arrependimento, era necessário apagar em seu espírito à força de adoração, a lembrança de um crime!

CAROLINA – Está apagada, Luís. Creio que ela nunca aí esteve; o que eu tinha no coração era sim o pesar de o fazer infeliz!

LUÍS – Minha boa Carolina!... Ainda havemos de ser muito, muito felizes!

MENESES – Acredito! No seio da família que é onde está a verdadeira felicidade!

CAROLINA – Para mim não! Já não há felicidade neste mundo! Nem mesmo no berço para onde me apontaste outrora, Luís! Minha filha!... É preciso que eu morra por ela e para ela!...

LUÍS – Que desespero é esse, Carolina? Atenda!...

CAROLINA – Julga que eu possa viver, depois de confessar à Lina a minha vergonha! Porque é necessário que eu lhe confesse, que me arraste pelo chão à seus pés pedindo-lhe perdão... Seja este o maior e o último castigo, o suplício que de uma vez me acabe!...

LUÍS – Sossegue; Lina está tranquila e resignada!...

CAROLINA – Mas quando ela perguntar-me por que é irmã de...

LUÍS – Não lhe perguntará; ela já o sabe.

CAROLINA – Então!...

LUÍS – Ouça! Ela sabe que Frederico é meu filho! Eu lho disse; e o Ribeiro o confirmará. Lina está perfeitamente convencida. Quando voltei ao quarto para lhe prevenir, pareceu-me que você dormia, Carolina. E por isso me assustei encontrando-a aqui!

MENESES – Resolveste uma grave dificuldade!

CAROLINA – Mas tenho eu o direito de subtrair-me a este castigo do meu erro?

MENESES – Tem o dever de não amargurar o coração de sua filha!

CAROLINA – E se de um momento para outro ela vier a saber a verdade?...

LUÍS – Preveni tudo. Havemos de viver d’agora em diante mais encerrados na família e na verdadeira amizade; além disto amanhã voltaremos para a roça. Aí vive-se isolado do mundo, e por isso mais perto de si e dos seus!

MENESES – Antecipaste a minha lembrança.

CAROLINA – Acreditam então que ainda Deus me reserva sossego e ventura neste mundo?

MENESES – Decerto!...

LUÍS – Eu te juro, Carolina!

CAROLINA (assustada.) – Um carro!

LUÍS – Há de ser Araújo!

MENESES (na janela) – É o Ribeiro!

LUÍS – Que lembrança de Araújo, trazer aqui esse homem. Não lhe faz mal sua presença, Carolina?

CAROLINA – Oh! não Luís! Trata-se de tua e minha filha! Não sei que me diz o coração!...


CENA IX[editar]

Os precedentes, Barão e Ribeiro.

BARÃO (entrando) – Alegrem-se!... Uma com que ninguém contava.

LUÍS – O quê?

RIBEIRO – Frederico não é meu filho!

MENESES – Nesse caso Lina?...

RIBEIRO – Não é sua irmã.

CAROLINA – Ah!...

RIBEIRO (a Luís) – Quando o Sr. Viana exigiu de mim o sacrifício de restituir a filha à ternura de sua mãe, eu não podia deixar de acompanhá-la de longe com o meu amor. Por esse tempo faleceu na Europa meu irmão, deixando em Campos onde residia um filho órfão de sete anos; eu o adotei e trouxe para minha companhia. Quando partiu meu irmão, ele tinha apenas dous anos; disseram-lhe que seu pai ia chegar e ele me abraçou como tal.

LUÍS – Mas o Sr. Ribeiro devia ter refletido no inconveniente deste segredo quando seu filho frequentava uma sociedade na qual Lina aparecia!

RIBEIRO – Permita que lhe confesse uma franqueza minha. Adotando esse menino por meu filho, meu desejo era uni-lo algum dia aquela de quem me separei para sempre; e reivindicar assim o direito de chamá-la minha... filha.

LUÍS – Devia ter-me prevenido e consultado.

RIBEIRO – Preparava-me para isto; tinha ontem adquirido a certeza de que Frederico amava seriamente, quando sem esperarmos...

BARÃO – Felizmente tudo acaba bem! Vou chamar minha afilhada para dar-lhe a alegre notícia!...

CAROLINA – Chame-a, sim, Araújo. Seja ela feliz, embora eu morra de vergonha a seus pés!

MENESES – Espera (a Araújo). Que pretende você fazer Carolina? Confessar a Lina...

CAROLINA – Tudo, tudo, e neste instante!

LUÍS – Não consinto!

CAROLINA – Mas, Luís, meu coração não pode sofrer que Lina se julgue desgraçada nem mais um momento, quando a alegria e a felicidade lhe sorriem... Ela ama Frederico e está convencida que ele é seu irmão!...

MENESES – Talvez o melhor fosse não perturbar essa convicção, pelo menos já. Estes choques frequentes para uma jovem imaginação!...

RIBEIRO – Mas, Sr. Meneses, eles se amam... tanto; e Frederico que já sabe!...

LUÍS – Há um meio de arranjar tudo. Direi a Lina que o Sr. Ribeiro desfez o engano em que estávamos. Frederico não é o menino que eu julgava meu filho.

BARÃO – Aprovo.

RIBEIRO – Muito bem!

MENESES – Tomem o meu conselho!

CAROLINA – Deus condena a mentira!... A mãe culpada deve humilhar-se em face da filha, para sua punição! Eu não quero um dia, quando ela venha à saber, porque eu mesma não tenha mais força de lhe esconder... não quero juntar à vergonha de meu erro, a cobardia da mentira. Se até hoje meu silêncio para ela foi simples receio e pudor, daqui em diante será uma hipocrisia vil! De que serve enganá-la?... Minha filha há de ver no rubor de minhas faces, no tremor de minha voz, no remorso de minha alma a verdade terrível! Deixa-me, Luís, deixa-me ir lançar de uma vez a seus pés!...

LUÍS – Oponho-me com todas as forças!

CAROLINA – Seja ela feliz!...


CENA X[editar]

Os precedentes e Frederico.

FREDERICO (entrando com precipitação) – Meu pai!

RIBEIRO – Que tens, Frederico? Estás tão perturbado!

FREDERICO – Venha, não se demore! Eu lhe suplico...

RIBEIRO – Realmente tu me assustas. Não te lembras já do que me trouxe aqui?

FREDERICO – Por isso mesmo...

RIBEIRO – Estávamos justamente tratando de tua felicidade; chegaste à propósito...

FREDERICO – Todos já sabem?... E Lina também?...

RIBEIRO – Ela ainda não.

FREDERICO – Meu Deus... Estou perdido...

RIBEIRO – Por quê?

FREDERICO – Eu vinha mesmo para lhe pedir que nada dissesse... corri à casa e já não achei meu pai; soube que tinha saído com o Sr. barão... cheguei tarde... Ela não me perdoará!

CAROLINA – Ela quem?

FREDERICO – Lina!

RIBEIRO – Não te compreendo!... Lina te ama e não te perdoará quando souber que não é tua irmã, e pode ser tua esposa.

LUÍS – Realmente é incompreensível.

BARÃO – Há aqui algum mistério...

FREDERICO – Eu lhe rogo meu pai, e aos senhores, não declarem a Lina que eu não sou seu irmão. Ela morreria!... Depois, talvez!...

CAROLINA – Mas... o senhor esteve com a Lina hoje, já lhe falou?...

FREDERICO – Não sei, não me pergunte semelhante cousa.

CAROLINA – Ah!... Minha filha já sabe tudo! Ele lhe disse!...

FREDERICO – Não! não!...

MENESES – As suas reticências diante de uma mãe aflita são cruéis, senhor; diga-nos o que se passou e que debalde tenta ocultar; há no seu coração materno, como na amizade que o rodeia, bastante resignação e coragem para resistir à mais esse golpe que nos ameaça!

FREDERICO – Eu bem queria falar; mas não posso.

LUÍS – É escusado o silêncio!

CAROLINA – Meu coração já adivinhou!

MENESES – E Lina nos dirá o que aconteceu!

LUÍS – Vou chamá-la!

FREDERICO – Oh! Não a chame!... Eu contarei tudo, mas não mostrem à ela que o sabem... a senhora sobretudo!

CAROLINA – Fale por compaixão.

RIBEIRO – Eu te ordeno, Frederico!

FREDERICO – Quando meu pai declarou-me que eu não era irmão de Lina, fiquei tão fora de mim com a alegria dessa notícia, que corri até aqui para falar com o Sr. Viana! Achei Lina nesta sala...

CAROLINA – E disse-lhe tudo... tudo!...

FREDERICO – Eu pensei que ela já sabia...

CAROLINA – E minha filha... amaldiçoou-me?

FREDERICO – Ela?... Não quis acreditar-me... Seu pai lhe tinha dito que eu era seu filho, e seu pai não mentia... Devíamos ficar irmãos, para que sua mãe não sofresse!... Mandou-me que fosse lhe suplicar, meu pai, para que nada revelasse... Enfim...

CAROLINA – Acabe!...

FREDERICO – Jurou que se meu pai proferisse uma palavra, nunca mais eu a havia de ver... morreria com sua mãe!...

CAROLINA – Oh! minha filha!...

BARÃO – Ela aí vem! Quero abraçá-la!

FREDERICO – Silêncio, por piedade!...


CENA XI[editar]

Os precedentes e Lina.

LINA – Mamãe!

CAROLINA – Minha filha!... Tu sacrificavas a tua felicidade ao sossego de tua mãe!...

LINA (voltando-se para Frederico) – Nunca mais!... Eu o jurei!...

FREDERICO – Perdão!

CAROLINA – Ainda me amas, Lina?

LINA – Agora, mil vezes mais, porque sei quanto mamãe tem sofrido!

CAROLINA – Abençoada por minha filha!... Então posso viver, meu Deus!... Viverei para ser testemunha de tua felicidade!... Seremos agora três para te amar...

RIBEIRO – Três!...

CAROLINA – E ele também!

LUÍS – Sim!

LINA (com terror) – Não, mamãe. Esse homem, não!...

RIBEIRO – Meu castigo! Adeus, Frederico, sê feliz! (sai)

LINA (atirando-se aos braços de Luís.) – Meu pai!...

LUÍS – Anjo!

MENESES – Anjo, sim... (à Carolina) de perdão para a vítima; de maldição para o culpado.

FIM