A infanta D. Maria de Portugal e suas damas/Notas (1-329)
1 E' admiravel a arte com que o sempre practico Romano condensou, em seis palavras, todo um programma de economia domestica.
2 Damião de Froes Perim (anagramma de Frei João de S. Pedro), Theatro Heroino, abecedario historico e catalogo das mulheres illustres em armas, lettras, acções heroicas e artes litterarias, Lisboa, 1780.
3 Frei Luis dos Anjos, Jardim de Portugal, Coimbra, 1626.
4 Padre Manuel Tavares (servindo-se do nome de seu irmão Diogo Manuel Ayres de Azevedo), Portugal illustrado pelo sexo feminino, Noticia historica de muitas heroinas portuguesas que floresceram em virtudes, lettras e armas, Lisboa, 1735.
5 Antonio de Sousa de Macedo, Flores de España, Excellencias de Portugal, 1631 e 1737.
6 Retratos e Elogios dos Varões e Donas que illustraram a nação portugueza, 1806-1817. — Publicação promovida por Pedro José de Figueiredo (de cuja penna são as biographias na maior parte), em collaboração com Luis Duarte Villela da Silva, José da Cunha Taborda, e outros. — Cumpre-me citar ainda o Gynecæum Hispana Minerva sive de gentis nostra foeminis doctrina claris ad Bibliothecam Scriptorum, compilado por Nicolas Antonio e impresso no vol. II da Bibliotheca Hispana Nova (1672). Tambem são dignos de menção os capitulos que o consciencioso Desembargador Duarte Nunes de Leão dedicou ás mulheres lusitanas, na sua Descripçam de Portugal. No Cap. 88.o trata: Da honestidade e recolhimento das molheres portuguesas e de suas perfeições. No Cap. seguinte: Do valor e ensino das molheres portuguesas. No 90.o: Da habilidade das molheres portuguesas para as lettras e artes liberaes.
7 Ignoro, se estava destinado a retratar essas inspiradoras un trabalho do poeta Luis de Palmeirim sobre A Mulher Portuguesa, varias vezes annunciado, e, subvencionado pelo estado, se não me engano, mas que nunca sahiu á luz.
8 Plutarcho Portugues, Collecção de Retratos e Biographia dos principaes vultos historicos da civilisação portuguesa, Porto, 1882.
9 A Arte Portugueza (Lisboa 1895) teve de recolher, infelizmente, após seis clangorosos toques de rebate.
10 A lista dos auctores que se occuparam da Infanta é muito extensa. Citarei aqui apenas tres dos mais importantes, a que me refiro repetidas vezes neste estudo. O primeiro que emprehenden traçar o seu simile, ainda durante a sua vida, foi o historiador João de Barros num Panegyrico extensissimo, de 80 capitulos. Escripto quando D. João III a fez duquesa de Viseu, creio que em 1555, a obra sahiu ao cabo de um seculo, com as Noticias de Portugal de Severim de Faria (1655); novamente em 1675 (isto é intercalado na obra que consignarei em segundo logar), e ainda em 1740 e 1791. Com muito mais desenvolvimento tratou d'ella o historiador Frei Miguel Pacheco. O volume, amplamente documentado que lhe dedicou em castelhano — Vida de la Serenissima Infanta D. Maria (Lisboa, 1675) — consta de 204 folhas. — Nos nossos dias, o Conde de Villa-Franca publicou uns apontamentos que chama extractos de um estudo inedito, mas que a meu vêr constituem apenas um primeiro esboço de um livro projectado. Nelle ha alguma novidade, mas tambem muitas inexactidões. E' a Nota H do volume sobre D. João e a Alliança Ingleza, Lisboa, 1884. 11 Riquezas, que costuman apressar casamentos, impediram-os no caso da Infanta, com espanto do publico, não iniciado nas machinações politicas. Variis casibus innupta (o que, bem interpretado, quer dizer: solteira por força maior ou considerações machiavellicas) ― joven que nunca teve dita para casar, sendo grande senhora ― eis o estribilho repetido pelos poetas, durante a sua vida e depois da sua morte, conforme o leitor verá.
12 André de Resende, um dos admiradores mais enthusiasticos da sabia Infanta, chamou-a directamente animosa virago, em allocução solemne, perante a Academia reunida. Cf. Nota 59.
13 Luciano Cordeiro occupou-se de D. João da Silva na interessante monographia sobre Infanta D. Leonor, Uma sobrinha do Infante, Lisboa, 1894.
14 Confira-se p. 35 ― 44 d'esta monographia.
15 Por licença poetica, os que se occupam do grupo da Infanta, costumam aggregar-lhe D. Hortensia de Castro. Cf. p. 36.
16 A respeito dos pintores citados, importa recorrer á obra de Raczynski, Les Arts en Portugal, e aos Dialogos da Pintura, de Francisco de Hollanda, commentados por Joaquim de Vasconcellos, na primorosa edição de Vienna de Austria, 1899 (p. LIII s.) Cf. a nossa Nota 29.
17 A photographia é de Laurent: a reproducção é das officinas do Commercio do Porto.
18 O altar que o retabulo encima é hoje do S. Sacramento. Está no cruzeiro, do lado do Evangelho. Uma imagem de N. S. do Cabo, mencionada por Gabriel Pereira num artigo inserto na Revista Archeologica IV 186, só esteve temporariamente na Egreja da Luz.
19 No paragrapho segundo do seu Testamento, a Infanta havia ordenado o seguinte: «Mando que mi cuerpo sea llevado a la Capilla que aora hago en el Monasterio de N. S. da Luz» e no Codicillo: «y la Capilla mayor de N. S. de la Luz, que aora labro, si no quedare acabada, se acabará luego, conforme a la traça que está echa.» A capella-mór, principiada em sua vida, estava pronta em 1585. Mas os testamenteiros, pouco zelosos, não queriam saber de pressas. Só a 30 de junho de 1597. pouco antes de se finar. Felipe II, seu sobrinho e ex-noivo, mandou realizar a trasladação. ― Parece-me significativo que Frei Miguel Pacheco, não conhecesse o quadro da Egreja da Luz. Tudo quanto refere da execução do testamento (cap. XVIII), cujos encargos ao cabo de meio seculo ainda não se haviam cumprido, sendo encarregado d'elles o proprio auctor da Vida, leva-me a pôr em duvida que alguem se lembrasse logo a principio de dar ao seu retrato o logar de honra que lhe competia.
20 A construcção d'este convento para Commendadeiras de S. Bento de Aviz, tambem não se concluiu, e talvez nem mesmo se começasse, em vida da Infanta. Creio até que foi principiado depois de 1620. ― No § 15 do Testamento ella dizia: «Mando que se haga un Monasterio de Monjas, de la Orden de S. Benito en el sitio que al General y Padres de S. Benito... pareciere bien... La invocacion desta casa será N. S. de la Encarnacion...»
21 Semelhante, quanto à physiognomia, bem se vê.
22 A estampa é a 47, na ordem da publicação, cujo titulo deixei consignado na Nota 6.
23 A estampa entrou p. ex. na Collecção de Barbosa Machado, conforme se vê do Indice, publicado por Innocencio da Silva, vol. VII p. 102.
24 Eis o que diz a este respeito o Padre José de Figueiredo: «O retrato que desta Senhora offerecemos he copiado de um quadro do seu mesmo tempo, que a representa ao natural, com muito primor. Conserva-se no Real Mosteiro da Encarnação com grande veneração e devemos á Ex.a Commendadeira a generosa franqueza com que prestou seu consentimento para utilidade do publico.»
25 Conde de Villa Franca, p. 275 da obra citada na Nota 10.
26 Julio de Castilho, Lisboa Antiga, vol. VII, pag. 339. O Snr. Visconde tem o quadro na conta de antigo e da escola portugueza.
27 E' d'este e só d'este quadro que Frei Miguel Pacheco deu noticia na Vida (a fl. 101 v. e 108 v.), infelizmente sem indicar quando e por quem foi pintado. — Quanto á authenticidade, está, portanto, em condições um pouco mais vantajosas do que os quadros da Egreja da Luz e do Mosteiro da Encarnação. — Dos danos que todos estes edificios soffreram em 1755, e das restaurações modernas, nada digo.
28 A carta é de 2 de Março de 1542. Vid. Pacheco fl. 24 ss.
29 Não é impossivel que a taboa pequena, mandada a França, fosse obra de Francisco de Hollanda. O mesmo direi do original reproduzido nas tres pinturas que apontei como existindo em Lisboa, e que todas mostram a Infanta na idade de vinte annos! A data exacta em que o discipulo enthusiasta de Miguel Angelo voltou da Italia, para onde fora no anno de 1538, em viagem de estudo, continua incerta. As ultimas investigações deram apenas em resultado que já estava de regresso em 1545, e talvez em 1543, e que no intervallo entre Novembro de 1543 e Julho de 1545 tirou pelo natural o retrato de D. João III para a filha ausente, a princesa D. Maria. — Vid. Joaquim de Vasconcellos, Francisco de Hollanda, Quatro Dialogos da Pintura, Ed. Vienna de Austria, 1899 p. XXXIX s. — Assentemos a hypothese que depois da morte de D. Leonor, o quadro voltasse a Portugal, ao paço da Infanta, servindo mais tarde de modello aos copistas da Luz e da Encarnação. Mas estabeleçamos tambem o facto que nos tratados de Hollanda não subsiste observação alguma que auctorize essa conjectura. Nem uma só vez menciona a Infanta D. Maria. Portanto o que não é impossivel, figura-se-me pouco provavel. ― E' certo que antes da vinda de Moro, Sunches Coelho, Van der Straten, Christoph von Utrecht, retratistas de merito trabalharam na côrte portuguesa, embora desconheçamos seus nomes.
30 O tratado Do Tirar pelo Natural ainda não teve edição avulsa. Por ora só existe impresso no hebdomadario A Vida Moderna (Anno 1895).
31 O primeiro escritor português que nomeou Vittoria Colonna foi o grande reformador da poesia lyrica em sentido italiano. Ao trocar com D. Leonor de Mascarenhas uns versos á maneira antiga, num dos Serões Manoelinos (ou antes no acto de os copiar em 1551, a favor do Principe Real), Francisco de Sá de Miranda juntou ao nome d'essa dama do paço a nota seguinte: «polo d'ela que é cousa rara, pus aqui isto, porque se veja que tambem Portugal teve a sua Marqueza de Pescara». ― Vid. Poesias de Sá de Miranda, Ed. Carolina Michaelis de Vasconcellos, pag. 40 e 744. D. Leonor de Mascarenhas sahiu de Portugal em 1526 como dama da Imperatriz D. Isabel, meia-irman da nossa Infanta, vindo ser a primeira educadora de Felipe II e posteriormente a do infeliz principe D. Carlos. ― Mais tarde, outros escritores que cultivaram o ideal italiano, entre elles: Gaspar Barreiros, Frei Heitor Pinto, Duarte Nunes de Leão e Hollanda, seguiram o exemplo de Miranda. ― Eis o que disse de Vittoria Colonna o pintor português: «E' polo conseguinte a senhora Vittoria Colonna (Marqueza de Pescara e irman do senhor Ascanio Colonna) uma das illustres e famosas damas que ha em Italia e em toda a Europa, que é o mundo, casta e inda fremosa, latina e avisada e com todas as mais partes de virtude e clareza que numa femea se podem louvar. Esta, depois da morte de seu grão marido, tomou particular e humilde vida, contentando-se do que já em seu stado tinha vivido, e agora só Jesu-Christo e os bons stados amando, fazendo muito bem a proves mulheres, e dando fructo de verdadeira catolica». Dialogos, pag. 12.
32 Raczynski, ao fallar do retrato perdido ― por informação do Visconde de Juromenha ― confunde a nossa Infanta com a outra D. Maria, filha de D. João III, a que me referi numerosas vezes neste estudo. (Vid. pag. 13 e 43, e Notas 40, 41, 42, 50, 52 e 68.) Além d'isso parte de uma data inexacta (1532, em vez de 1552). Dictionnaire, pag. 152.
33 Os versos são do Dr. Manuel da Costa. As obras d'este varão appareceram em primeira edição em Lyon de França, no anno 1552. Ha outra de Salamanca 1584: Emanuelis Costa Lusitani Jurisconsulti Commentarii. E' d'ella que me sirvo. O original (a p. 492), diz:
Vidit Mariæ pictam Cytherea figuram
Abstulit et nato sic ait illa suo:
Scis ut consortem iam dudum fata laborent
Huic Mariæ, et dignum vix reperire queant?
Pro pharetra atque arcu solum hanc fer nate tabellam,
Accedet titulis gloria summa tuis,
Vnum etenim referes sed summum immane trophæum
Captiuo summi principis imperio.
34 Não creio que o monarca alludido fosse um dos Imperadores da Austria (Fernando II, Maximiliano I, ou Carlos V), comquanto os primeiros dois fossem, com efeito, temporariamente noivos de D. Maria, e o ultimo tambem appareça no rol dos pretendentes, tal qual historiadores modernos o elaboraram. Desconheço as provas da affirmação e julgo que se deixaram illudir por uma liberrima paraphrase de um poema latino de André de Resende, impresso na obra de Pacheco. No original uma phrase, relativa á Infanta, diz que seu excelso irmão a destinava ao imperio do globo e ás culminancias do poder ― frater quem maximus orbis destinat imperio ac rerum ad fastigia summa. O traductor substituiu essa proposição vaga pelas hyperbolicas asseverações seguintes:
La infanta augusta de quien ya predica
Dichoso vaticinio que el imperio
De todo el emisferio
Emperatriz la llama,
Que suena ya la trompa de la fama
Que Carlos Quinto esposa la destina
A la Infanta Maria su sobrina.
Confesso não perceber bem. Haverá erros de escrita? Será preciso lermos:
Que Carlos Quinto esposa ya destina
Al principe Felipe su sobrina?
35 João de Barros assim o exarou no seu Panegyrico § 45: «deixada a caça a que muitas princesas em outros reynos são inclinadas, Vossa Alteza... em lugar de cães que desassossegão... penetra a sagacidade e ligeireza de seu espirito os cavados das pedras, desencovando aquella formosa pomba de Salamão que he a graça do Espirito Santo e os sentidos da Escritura,.... e quando o tempo lhe não dá lugar a esta caça, porque em huma ha de semear e em outra ha de colher, gasta estes intervallos no exercicio da musica...». ― Que jogos florais, ou jogos malabares, de espirito!
36 De Tabella qua depicta fuit Serenissimi Joannis III Lusitanorum Regis Soror Maria Princeps Augustissima:
Expre ad viuum divinam Ollanda Mariam
Tentavit, raro dignum opus artifice.
Et talem expressit, qualis collata Dianæ est
A vate Alcinoí filia Mæonio.
Scintillare oculi stellata e fronte videntur,
Et micat in roseo viuidus ore decor.
Vultus maiestas est cui fastigia rerum
Deberi, iusta cum ratione putes.
Quod si Penelopes formam celeberrimus olim
Depinxit Zeuxis cum probitate simul,
Et felix manus Ollande 'monstrauit eadem
Augustæ mores Virginis in tabula.
Denique si posset mortali lumine cerni
Hac facie Virtus conspicienda foret.
Nec tamen ostendi potuit satis illa venustas.
Qua toto visum est gratius orbe nihil.
37 Pacheco reimprimiu os epigrammas e addicionou una versão de um vulto «de ingenio subido». Ainda assim não é boa nem fiel. O traductor suppõe p. ex. que o vocabulo Ollanda (deturpado em blanda!) significa a tela sobre a qual fora traçada a pintura. (Mais provavel é que fosse sobre taboa). Tão pouco percebeu quem eram o vate Meonio e a filha de Alcinoo. Por estas e outras deficiencias privou à poesia do capitoso aroma classico que a redacção latina exhala.
38 Resende trata de ruivos os seus cabellos (flavos), e ruivos, como os de todos os membros da casa reinante, são em todos os quadros lisbonenses. Os da mãe eram acastanhados.
39 No Catalogo de los Cuadros del Museo del Prado, D. Pedro de Madrazo dizia singelamente, tanto na edição de 1833 como na de 1850: «N.o 1376, Retrato de la infanta doña Maria, hija de don Manuel rey de Portugal. Posteriormente substituiu a forma affinnativa pela dubitativa, pondo: «Retrato de una dama joven desconocida. La tradicion la supone hija del Rey D. Manuel de Portugal, pero no hay fundamiento que la abone». (Ed. 1873, N. 1489). Na Revista de Archivos está em via de publicação um Catalogo de Retratos que talvez nos ministre esclarecimentos.
40 A filha de Carlos v viveu até 1603. Cf. Nota 198 205.
41 E' costume affirmar que Moro veio à peninsula em 1552. Todavia, se pintou ao natural a filha de Carlos V, na corte do pae, o pintor deve ter chegado a Madrid em 1551, a mais tardar. A Portugal é que passaria no anno immediato.
42 Para comprovar a alludida confusão entre a filha e a meia-irman de João III, remetto o leitor não só novamente á obra de Raczynski, mas tambem ao Diccionario Historico de Cean-Bermudez (III, 202). Ahi se affirma que Moro, tendo retratado em Madrid ao Principe Felipe, seguiu para Portugal a pintar la princesa D. Maria (o que pode ser exacto, tomando nós princesa em sentido generico) y primera muger de Felipe II (o que é impossivel, visto essa ter fallecido em 1545). Cf. p. 42 e. Nota 52.
43 Essa irman de Carlos v, que igualmente apparece na Vida da Infanta (a p. 23 e 41), chamava-se tambem D. Maria. E seu retrato, pintado por Moro, tambem lá estava no Pardo, até 1608.
43 A 22 de Setembro de 1552 a Rainha D. Catharina de Portugal mandou pagar a Moro a somma de 200 mil reis (500 cruzados) pelos retratos d'ella e de D. João III. Vid. Raczynski, Lettres, p. 255.
45 Vid. Cean-Bermudez, Diccionario III, pag. 204.
46 Nos retratos da Luz e da Encarnação nota-se todavia, numa bocca pequenina, uns beiços um pouco grossos que lembram os da casa de Austria, ou digamos os de D. Leonor. — E' uma differença que logo se impõe à primeira vista. O nariz tambem é differente, sendo mais bem talhado no quadro que reproduzimos.
47 Em 1882 Joaquim de Vasconcellos dizia a este respeito numa Nota sobre a proveniencia do Retrato publicado no Plutarcho: «A tradição é veridica e em abono d'ella citamos o seguinte documento, desconhecido de Madrazo. E' um quadro em taboa do sec. XVI, que appareceu na Exposição de Arte Ornamental em Lisboa em 1881 (N. 178 do Catalogo p. 201). Representa Nossa Senhora com o Menino, sob cujo manto se abriga de um lado o Papa Julio III (1550-1551) e a familia de D. João m: o rei, a rainha, D. Sebastião, sua mãe D. Joanna, e as irmãs del Rei D. Isabel e D. Maria, com os respectivos nomes. Do outro lado estão uns frades trinitarios, em oração. Pertence á Casa Pia de Lisboa. O retrato da Infanta D. Maria concorda, perfeitamente, com o de Madrid». Não o vi ainda. Estranho todavia ver figurar num quadro, pintado entre 1550 e 1551, ao lado de pessoas vivas, uma filha de D. Manuel, que sahindo de Portugal em 1526, morrera em 1538. E D. Sebastião? Como se vê, a questão dos retratos exige novos estudos in loco.
48 A descripção de Madrazo diz: «Está en pie: lleva trage negro, de cuello alto y una toca o velete de cujas puntas unidas al puño pende un joyel que tiene asido con la mano derecha. — Mas de media figura; tamaño natural. Decoraba el antigo Alcazar y Palacio de Madrid cuando occurrió el incendio de 1734. — F. L. (i. é Fotografia Laurent) Alto 1,07; ancho 0,83. (1873).
49 Prado N.o 1485 (ant. 124): Laurent 412. Da Collecção de Felipe II no Alcaçar de Madrid. Vid. Raczynski, Lettres 255. E' interessante comparar o luxuoso trage com a descripção, dada' por Jorge Ferreira de Vasconcellos, na obra citada na Nota 56.
50 Prado 1486 (ant. 1258); Laurent 213. Copia de Pantoja, mas sobre um original que parece ser de Moro (1554); classificado outr'ora como Infanta de Portugal. Da Collecção de Felipe II no Alcaçar de Madrid.
51 Prado 1488 (ant. 1792). Da Collecção de Felipe III no Palacio de Valladolid.
52 O retrato de D. Leonor é reproducção de uma formosa heliogravura, publicada numa revista alleman, de arte. (Zeitschrift für bildende Kunst XXI 322). O original, attribuido a François Clonet, mas tambem a Bernhard van Orley, pertence á collecção Minutoli (Liegnitz, na Silesia). Virada levemente para a esquerda, D. Leonor segura nas mãos uma carta sobrescritada A la cristianisima y mui golirosa (sic) siñora la Reyna mi siñora (sic). Cabello castanho, com fita de perolas e firmal; collar de pedraria no collo descoberto; corpo de bronze esverdeado; mangas de purpura com fios de prata, golpeadas de branco e com debrum de pelles. Fundo verde. E' obra de arte de alto valor. O busto parece de pessoa baixa. Quanto á physiognomia, repito que os beiços denunciam claramente a casa de Austria — muito mais do que nas effigies da filha. Uma certa contracção da testa ou depressão nas fontes, que parece indicar concentração dolorosa, é commum ao retrato de D. Leonor e ao de D. Maria no convento da Encarnação.
53 O retrato condiz com as descripções de D. Leonor, feitas por embaixadores estrangeiros. Um que D. Manoel havia enviado a Castella para contratar o seu terceiro casamento, formulou a sua impressão nas palavras; «nom he muy fermosa, nem lhe podem chamar feia; tem boa graça e bom despejo... nom tem bons dentes e he pequena de corpo». Corpo Chronologico I, Maço 21 N.° 26, apud. Villa Franca p. 276. Outro, de Veneza, opinava: «Non è brutta nè bella. A me pare sia molto buona. Non ha per alcun modo di quelle grandezze espane, ma è vera fiammenga.» — No Retrato da Misericordia de Lisboa parece alta e gentil. Creio que não foi feito in loco et tempore.
54 Miguel Bonello, mais conhecido como Cardeal Alexandrino, enviado do papa Pio V, cujo sobrinho era.
55 A descripção da viagem do cardeal, escrita pelo secretario Venturino, foi publicada por Herculano no Panorama, vol. v. (Opusculos VI p. 90).
56 Jorge Ferreira de Vasconcellos na Segunda Tavola Redonda cap. 47. A descripção do vestuario da Infanta é extensa e complicada; muito mais, porém, a das vestimentas da Rainha que só em anneis ostentava dez, de rubins e esmeraldas.
57 Manuel da Costa serviu-se da mesma figura rhetorica ao descrever o lucto da Rainha D. Catharina, no funeral de seu esposo. (Op. cit. p. 459). Ambos se lembraram de um famigerado quadro grego de Timante, imitado freqüentes vezes, p. ex. num fresco de certa casa de Pompeja, reproduzido em diversos Manuaes de arte e archeologia.
58 Panegyrico § 61.
59 Epistola ad D. Emmanuelis P. F. Invicti Filiam D. Joannes III Invicti Sororem Mariam principem eruditissimam. E' uma das producções em que a Infanta é equiparada ás deusas da mythologia grega, em especial á da sabedoria: Pallada crediderim — incessu dea maxima certe credi digna fuit-namque dearum esse aliquam dubitare nefas. Resende e os seus discipulos, muito cesaristas, divinisavam toda a familia reinante.
60 D. Leonor nascera em 1498.
61 E' erro muito repetido chamar filha posthuma á Infanta D. Maria, erro que como tantos outros provém da inaudita leviandade do aliás benemerito auctor do Epitome de Historia Portuguesa. — Vide Rimas de Camões, ed. Faria e Sousa, vol. I p. 164.
62 O quadro da Misericordia de Lisboa, representativo do casamento de D. Leonor com D. Manoel, a que já me referi, acha-se reproduzido na Arte Portuguesa (p. 110), acompanhado de um artigo de Gabriel Pereira.
63 Frei Luiz de Sousa, Annaes, Parte I. cap. 4.
64 Nas paginas do Conde de Villa Franca a caracterisação dos monarcas é incompleta e injusta.
65 Pacheco, Vida, f. 17 e Cap. xx. Documento 4: Sousa, Hist. Gen., Provas II 419. O tratado de Zaragoza de 22 de Maio 1518 foi ratificado posteriormente pelo proprio D. João III.
66 Francisco de Andrade, Chronica de D. João III, cap. 19.
67 Veja-se o Panegyrico de D. João, pelo mesmo João de Barros a quem devemos o Panegyrico de D. Maria (p. 150).
68 Conf. Nota 32.
69 Visconde de Santarem, Quadro Elementar, vol. III, p. 252.
70 Ib. III p. 275 e 282 e ss.
71 As clausulas do contrato de casamento não eram bem claras. Disputou-se longamente, se lhe competiam 200 ou 400 mil dobras de ouro, e tambem sobre o prazo em que havia de ser entregue o patrimonio de D. Manoel. O nascimento e fallecimento de um filho varão de D. Manoel e D. Leonor, o Infante D. Carlos, complicara o caso. Vid. Pacheco, cap. IX e Parte II, f. 186-204.
72 D. João III tambem deixou de satisfazer por inteiro a sua legitima paterna ao Infante D. Luiz.
73 Já alludi aos boatos indecisos, relativos a projectos de casamento entre Carlos V e a Infanta.
74 Entre os escriptores que alludiram entre 1545 e 1555 ás sempre baldadas tentativas de dar estado à Infanta, e ao seu intimo desejo de subir ao throno de Hespanha, contam-se André de Resende, Jeronymo Osorio, João de Barros, Manoel da Costa e Luisa Sigea. Esta, ao prometter-lhe um throno (em 1546), vaticinando, não deixou de accrescentar que sem a voz divina que lhe desvendara o futuro da Infanta, não lhe teria dado fé (ego qua Infantis causa dubitare solebam.) — E' significativo, não é verdade?
75 Vid. Pacheco I p. 46.
76 Quanto à impressão produzida pelo incidente, Pacheco cinge-se ás informações do insigne Dr. Martim Azpilcueta Navarro, testemunha de vista, pois vivia em Portugal desde 1537. Este erudito, theologo entre os juristas e jurista entre os theologos, patenteia a dolorosa suspensão dos que queriam bem à Infanta, quando declara que todos se accusavam lacrymosos das suas culpas e pediam continuamente a Deus para que não se esquecesse d'ella, nem permittisse que outra princesa estranha lhe fosse preferida!
77 Museu do Prado, N.o 1484 (1446).
78 D. Sancho de Cordova. Vid. Pacheco f. 58 e 59.
79 «Quien ponderare las palabras de estas cartas verá que aunque se acompañan del res- peto y cortesia con que suelen tratar-se entre si los Principes, tambien llevan mezcla de otras que insinuan agravios muy sensibles y que pestanean rompimento quando se falte al desagravio.» Pacheco f. 54.
80 São do mesmo embaixador as seguintes palavras, relativas a D. Leonor: «porque se apasiona mucho de ver las maneras que traen aqui para que no aya efecto lo que desea.» Pacheco f. 57.
81 Varios escriptores estrangeiros censuram esta resolução da Infanta, acoimando-a de filha pouco affectuosa. Desculpando-a, o Conde de Villa Franca cahe no exagero opposto, affirmando que D. Maria idolatrava a mãe. Se fez bem em cumprir a palavra dada, talvez teria feito melhor em não dar nenhuma, salvaguardando o seu livre arbitrio. Mas nesse caso, a nação teria, seguramente, desvirtuado as suas intenções, chamando-a ingrata, sem patriotismo, descaridosa com os seus pobres. E caso se rebellasse, seria apodada de virago emancipada. Na situação falsa em que as circumstancias a haviam collocado, qualquer resolução estava sujeita a interpretações malevolas. Victima em tudo, não chegou a ser heroina tragica.
82 Chronica de D. Manoel, Parte IV, cap. 68. No mesmo sentido se pronunciou Venturino, conforme já sabemos.
83 Ignoramos o que pensava sobre os planos de D. Sebastião. Apenas consta que, morrendo, contribuiu com 30:000 cruzados para a guerra contra os Infieis. A tradição falla de sonhos terrificantes da Infanta, cuja presaga mente prenunciou a catastrophe de Alcacer-Quebir.
84 Damião de Goes, Chronica de D. Manoel, Parte IV, cap. 68.
85 Ha instituições pias, fundadas ou favorecidas por ella durante a sua vida, não só em Lisboa, mas tambem em Evora e Villaviçosa e nos seus dominios em Viseu e Torres Vedras.
86 Sei apenas de uns pannos de ras (colgaduras de Tunes) que lhe haviam custado 20:000 cruzados, e que legou a D. Sebastião (Testamento § 35). Um Livro de Horas, ricamente illuminado e encadernado, que possuia, avaliado em 10 mil reales de plata (f. 108), era dadiva da mãe que o mandara fazer em Flandres.
87 A maior parte das instituições, fundadas pela Infanta, foi criada tarde, por decisão testamentaria. No respectivo documento reconhece-se certa magoa por não ter distribuido, em vida, com sufficiente largueza e desprendimento os bens de que dispunha — escrupulos sem duvida de uma alma torturada. Eis o que diz: «assi para descarga de mi alma como para disponer de los bienes que el Señor me dio en cosas de su servicio, porque ya que biviendo en esta vida con ellos no le servi como deviera, por lo menos despues de mi muerte se empleen y dispendan todos en su servicio.» Testamento § 1.
88 São desoladoramente significativas as palavras com que a Infanta pede aos ultimos sobreviventes da dynastia que teniendo respeto al grande provecho que a la corona destos reynos recrecio de yo nunca pretender otro modo de pagamento y satisfacion del patrimonio que el Rey mi padre me dexo que la que tuve», tomassem a peito obrigar os testamenteiros a cumprir inteiramente com muita diligencia as suas disposições, perguntando-lhe muitas vezes se o faziam, e mandando saber em segredo, se com efeito o executavam. Mas D. Sebastião morreu ao cabo de dez meses. D. Catharina havia-o precedido. D. Henrique lhe seguiu de perto. E depois...
89 A Infanta residiu primeiro modestamente na Alcaçova Velha; em seguida no campo de S. Clara; e finalmente com ostentação perto de Santos o Novo, no bairro aristocratico de Xabregas. (Pacheco f. 126). No tempo provavel dos Serões (1538 ou 1540 até 1555), o seu domicilio era no segundo dos paços citados.
90 Já sabemos que, obrigados por contrato a entregarem-lhe a sua legitima, quatro annos depois do fallecimento de D. Manoel, ou segundo outros aos dezaseis, os reinantes não haviam cumprido, e nunca cumpriram esse dever, sob varios pretextos, entre os quaes avultam o seu estado de filha adoptiva, a inconveniencia de a deixar sahir do paço, emquanto não estivesse casada, as duvidas àcerca da importancia da somma devida... e a falta de dinheiro.
91 Nos poemas e dramas, nas novellas, e nos romances historicos, dedicados a Camões, um logar proeminente é em geral concedido à Infanta. Sirva de exemplo, entre muitos, o drama de Cypriano Jardim, publicado por occasião do centenario.
92 Alguns costumes, quer delicados, quer primitivos, da corte portuguesa, como por ex. o de as damas não tomarem parte em banquetes, ou ainda o de não se sentarem em cadeiras altas, mas antes rente ao chão, em cadeiras e estrados baixos, são erroneamente considerados por alguns auctores como outros tantos indicios de reacção austera contra o esplendoroso mundanismo do Renascimento italiano.
93 Nem mesmo sabemos, ao certo, qual era a lingua materna de D. Maria. Filha de uma infanta castelhana, entregue aos cuidados de outra castelhana, que a confiou a aios da mesma naturalidade (D. Francisco de Guzman e sua esposa), é quasi certo que fallava castelhano muito cedo. Mas, portuguesa de nação, servia-se sem duvida, diariamente, tambem da lingua patria. Pacheco, que redigiu a sua obra em castelhano, não só allega, naturalmente, todos os seus ditos nesse idioma, mas mesmo o testamento, sem indicar, se o traduziu. Uma carta apenas está redigida em português. Por um acaso singular, essa é dirigida ao Imperador Carlos v. Acho estranhavel este procedimento, se realmente o castelhano lhe era absolutamente familiar.
94 O primeiro que a metteu na lista dos escritores portugueses foi Faria e Sousa. Sem provas, bem se vê. Nicolas Antonio seguiu o exemplo. E outros o repetiram.
95 Vejam o § 19 e 24 do Panegyrico cujas edições enunerei na Nota 10.
96 A' vista do documento, pelo qual o monarca concedeu à Infanta o senhorio de Viseu (e o titulo de duqueza?), deve ser facil apurar a data do Panegyrico, pois foi em celebração d'este acontecimento que João de Barros levantou a voz, conforme já indiquei na Nota 10. No admiravel Catalogo Chronologico de todos os Titulos que tem havido em Portugal até à occupação dos Filippes, o qual forma um avultado Appendice do Livro Segundo dos Brasões da Sala de Cintra de Anselmo Braamcamp Freire (Lisboa 1901) não encontro verba alguma relativa a esta nomeação.
97 A Ropica pneuma, um Colloquio erudito entre o Tempo e o Intendimento, a Vontade e a Razão, escripto em 1531, nada contém contra o dogma, embora fosse prohibido nos Indices.
98 Segundo elle, D. João III foi um maravilhoso reformador da religião christan! Panegyrico §18. Cf. § 26 e 33.
99 e 100 Ecloga IV, 6.
101 O leitor acha-as a p. 23 d'este estudo.
102 In humanitatis et eruditionis nec non virtutum antistitem.
103 Pacheco f. 132. Não consegui ver o original latino, impresso em Coimbra, no anno 1550. E' uma carta-prologo que acompanha o tratado do Jubileu: Commentarium De Anno Jubilaco et Indulgentiis omnibus.
104 De Rebus Emanuelis. P. IV, Livro XII.
105 Te totam summis labiis ita musis tradidisti ut eas non transeunter aut carptim ut pleræque solent libaveris sed eas ipsas penitus imbiberis.
106 Antonio de Castro, no Prologo que acompanha a edição das Obras Latinas de Cataldo Siculo, por elle promovida. Vid. Hist. Gen., Provas VI, 391.
107 Hispania Chronica, cap. IX, em Schott, Hispania Illustrata, vol. I.
107b Na livraria da Rainha D. Catharina havia uma grammatica portuguesa, manuscripta, totalmente desconhecida (Principios da lingua portuguesa), uma grammatica latina, tambem inedita (Vide Nota 127); um Abecedario em grego, datado de 1540; oito exemplares da Arte de Lebrija, comprados em 1541.
108 A scisão na alma e nos actos de D. João II começou cedo. Temos em 1536 a Bulla da Inquisição; em 1539 seu irmão, o Cardeal-Infante foi transformado em Inquisidor-Mór; em 1540 instaurou o primeiro Auto-da-Fé; a Companhia de Jesus veio no anno immediato; em 1542 a primeira procissão de penitencia inicia a era do zelotismo; em 1545 temos a iniqua revogação de Damião de Goes, sob pretexto de o nomearem mestre de letras do principe real, mas na verdade para o incriminarem como heterodoxo; em 1547 a Bulla da carne humana; em 1551 a abertura do Collegio dos Jesuitas em Evora; em 1555 a entrega da Universidade e todos os collegios á mesma ordem; em 1564 o Indice dos Livros Prohibidos. Lembrarei ainda no campo estrictamente politico o abandono de Safim e Azamor (1542); o de Arzilla e Alcacer (1549). — Outra ordem de acontecimentos de familia enlutava os reinantes e a nação: o fallecimento successivo de seis filhos de D. Manoel e oito de D. João III, a ponto de uma dynastia florescente ficar reduzida em 1557 a tres representantes: uma creança desequilibrada; um cardeal, senil antes do tempo; uma infanta innupta.
109 Na Nobreza Litteraria de F. A. Martins Bastos (Lisboa 1854), ha apontamentos a este respeito, nem sempre colhidos nas melhores fontes.
110 Wilhelm Storck, depois de ter vertido para allemão todas as obras de Camões, escreveu um estudo importantissimo, d'inquirição critica sobre a vida do poeta, a qual tentei nacionalizar: Vida e Obras de Luiz de Camões (Lisboa 1899).
111 Poesias de Sá de Miranda N.° 105. Essa carta a João Rodrigues de Sá e Menezes, um hymno ás letras humanas e divinas, está repleta de aphorismos agudos e de censuras á rudeza dos costumes antigos, ainda não extinctos, segundo os quaes
sangue e bens de fortuna
é tudo entre os portugueres.
112 A respeito da Mulher da Renascença consulte-se a obra classica de Jacob Burckhardt Die Cultur der Renaissance in Italien, 3. ed., Leipzig 1878. Na Peninsula não só as damas do mundo mas tambem as freiras liam enthusiasmadas, na sua clausura, ás escondidas, alguns Colloquios de Erasmo, de que 24:000 exemplares corriam de um extremo ao outro da Europa. Citemos o tratado Da Donsella que aborrece o Matrimonio (Misogamos), Da Virgem arrependida (sc. de ter professado) e o Da Mulher erudita. — Na Historia dos Heterodoxos, de Menendez y Pelayo, ha alguns esclarecimentos (vol. 1).
113 As mais nomeadas entre as fidalgas doutas que então brilharam na corte hespanhola eram filhas do duque de Tendilla (D. Mecia de Mendoza, marqueza de Zenete, e a Condessa de Monteagudo, D. Margarida Pacheco), e tres irmans de D. Juan de Zuñiga (D. Isabel, Duqueza de Alba, D. Elvira de Sotomayor e D. Maria de Estuñiga).
114 D. Francisca (ou Antonia) de Nebrixa, filha do grande reformador dos estudos, professava em Salamanca sobre rhetorica e poetica, em substituição do pae. D. Lucia de Medrano explanava textos latinos, segundo consta por relação de Lucio Marineo Siculo. Isabel de Vergara, irmandos famosos erasmistas Juan e Francisco, traduziu para romance alguns dos escritos do grande vulto de Rotterdam. — Juana de Contreras, a Sepulveda, linda doncella muy sabedora, e Anna de Cervaton lograram nomeada entre latinistas e hellenistas.
115 Essa comedia, intitulada Hispaniola, conta, segundo dizem os poucos que a leram, não sem graça, mas antes com pilheria plautina e facundia terenciana, varios casos e successos festivos de dois amantes. O auctor, chamado Juan Maldonado, veio a ser mais tarde um dos mais notaveis humanistas hespanhoes, da observancia erasmista. A obra, composta quando contava vinte e cinco annos, e divulgada contra sua vontade (prodiit lucem, nolente me) foi sumptuosamente enscenada e representada em presença da Rainha D. Leonor e todos os proceres da côrte: et apud Helionoram Gallia reginam qua tunc erat Portugallia non levi sumpta acta, spectante procerum caterva summoque senatu. Assim o conta o proprio Maldonado na impressão de 1535, queixando-se de que outra sahira subrepticiamente em Valladolid (1525). Vid. Gallardo, Ensaio s. v. Maldonado, vol, II, col. 605; Nicolas Antonio, Bibl. Nova I 557: Menendez y Pelayo, Antologia v 194 e Heterodoxos II 74.
116 Sirvam de exemplo uma obra astrologica de Frei Antonio de Beja Contra os Juisos dos Astrologos 1523; uns versos latinos de Antonio de Gouveia, o qual foi, como todos sabem, um dos principaes intermediarios entre a cultura francesa e a portuguesa e talvez o primeiro que tornou conhecidas em Portugal as poesias de Clement Marot (Vid. Antonii Goveani Epigrammata Brusderm Epistola quatuor, Lugduni 1540), e uma composição hespanhola de Francisco de Guzman. Bem intencionado e incansavel cultor da poesia ethica, sentenciosa e paremiologica, este capitão dedicou á Rainha uma Glosa sobre as Coplas de Jorge Manrique, o famoso Recuerde el alma dormida, que é a que maior numero de edições obteve (1. em Lyon de França em 4. got. s. a., ed. post. de 1558 e 1598). O nome do auctor infere-se de umas coplas acrosticas de arte maior que precedem a obra. Vid. Antologia VI, 144. — Os auctores portugueses formam em geral, ideia pouco adequada da terceira esposa de D. Manoel, interpretando como simpleza a candida bondade que a distinguia.
117 A Carta acha-se impressa na obra de Pacheco, Parte II Cap. 2.o, f. 88 v., e tambem na Hist. Gen., Provas II 741, N. 118. — O motivo porque a colloco entre 1535 e 1537 é que D. João III exigiu da propria filha que aos quinze annos fosse não só apta mas vezeira a fazer a sua correspondencia em latim, conforme indico no texto.
118 Esta segunda carta latina da Infanta tambem não é inteiramente desconhecida. O Visconde de Santarem, que possuia copia desde 1846, aproveitou-a no Quadro Elementar, vol. XV p. 86 (1854). Figanière, indicando o paradeiro, deu um extracto no seu Catalogo dos Manuscritos do Museu Britannico p. 123 (1853), noticiando ao mesmo tempo que fôra impressa numa collecção de cartas originaes, illustrativas da historia inglesa (Ellis, Original Letters illustrative of English History, vol. 11 da 2.a Serie a p. 247).
119 Como a obra inglesa, citada na Nota anterior, é pouco vulgar em Portugal, dou o treslado, directamente sobre o original, que faz parte de uma Miscellanea da Secção Cottoniana do Museu Britannico. (Cod. Vespasiano F. I f. 48.) A' sollicitude do incansavel bascologo e bascophilo E. Spencer Dodgson e aos bons serviços do photographo do Museu (E. Dosseter), devo uma excellente chapa em tamanho natural. A Carta consta de uma folha grande: 16 linhas no rosto e 6 no verso. Sem assignatura, que a epigraphe tornava desnecessaria, como em geral nas cartas latinas, está guarnecida de um sello em obreia com o escado da Infanta, bipartido, tendo as armas reaes de Portugal à esquerda, e o lado direito em branco. E diz:
«Maria Anglia Regina Sereniss: Maria Portugallia Infans Regis Emanuelis filia. S. P.
Cum primum de foelici rerum tuarum successu nuncius adlatus est, eam cepi animo voluptatem quã et ratio sanguinis postulabat et uero summi erga te amoris integritas exigebat. tum quod deus opti. Max. inter infelicium temporum concitatos motus illesam te, et uelut e mediis tempestatibus ereptaă ac seruatã, cui summam regni traderet, solam dignã esse judicauit: tum quod tali ac tam prudenti moderatrici populis tuis bene consultum esse voluit, et universo orbi christiano jucunditatem summā attulit qua in re incertum profecto nobis reliquit utrum tibi iure sanguinis, an potius clarissimarum virtutum (e, emendado para i) meritis, quibus inter huius temporis principes elluces, tam alta, et nobilis possesio (sic) debita sit: quã dum ego tibi cupio gratulari, quibus in tanto, et tam effuso meo gaudio verbis uti debeam, prorsus ignoro. Nec enim quisquam est (ut ex superioribus literis meis intelligere potuisti) quem magis laeserint (oe ligado, emendado para œ) aduerse tuæ res, nec cui magis ex animo cesserint prosperæ. Nam si mihi iucundissime literæ tuæ tam mirificam voluptatem olim attulerunt, ut eas, et in sinu gestare et manibus tenere et sæpius legere nunq[ua]m mihi fuerit satis; quata animum meum letitia oblato hoc summi gaudii argumento (o emendado), exhilaratum (u emendado) esse existimas, Quare te oratam uelim ut quãto maior ex hoc prospero tuarum rerum statu (estatu com e apagado) voluptas ad me peruenit, tanto crebriores literas quas avidissime expecto, de tua incolumitate in posterum ad me des. Interim a deo Opti.Ma: uotis omnibus contendam ut qui regni tui author extitit, idem tuam hanc felicitatem firmă et stabilem esse velit, ac te populis tuis in summa trãquillitate diu servet incolumem. Vale, Olyssippone 19 cal. octob. anno Dni 1553.»
P. S. — Como na imprensa faltassem algumas abreviaturas, tive que desdobrá-las.
120 Vid. Santarem, Quadro Elementar, vol. XV. O casamento de Felipe II com Maria Tudor realizou-se no anno immediato, a 25 de Julho.
121 Como viram, a Infanta refere-se na carta a outras missivas anteriores em que havia manifestado a sua afeição á pessoa e á causa da Rainha d'Inglaterra. — Quanto a esta soberana, parece que não lhe correspondia com affecto igual. Pelos extractos de Santarem, vemol-a agastada pelo desposorio de Felipe II com a Infanta, em razão do intimo parentesco dos nubentes. Mas isso não tolhe que as suas cartas fallassem a mesma linguagem superlativa, de urbanidade, usada entre todos os latinistas, coroados ou não coroados.
122 O mes de Outubro não tem 19 das calendas. A data deveria ser 18 Cal. Octob (14 de Sept.)
123 Figanière affirma ser toda do proprio punho da Infanta, sem indicar qual o autographo de que se serviu para fazer o confronto. — Até hoje os esforços de pessoas amigas, que amavelmente se offereceram a procurar na Torre do Tombo documentos com letra da Infanta, e tambem de Luisa Sigea e Joanna Vaz, não surtiram efeito. Averiguou-se apenas que entre as damas do paço ha duas, cuja calligraphia é muito parecida á da Carta da Infanta, e que a de Joanna Vaz era pessima. Eu, pela minha parte, posso affirmar que a de André de Resende era semilhante à da carta, a ponto de se poderem confundir. A da Rainha D. Catharina e tambem a de D. Leonor era difficillima de entender; a do Principe D. João, pelo contrario, era bella como a da Infanta e igual quasi á de seu mestre, Manoel Barata. (Vid. Faria e Sousa, Rimas de Camões vol. 1, 298). — A este respeito vejam-se as observações de Castilho no seu opulento estudo sobre Lisboa, vol. VII p. 414.
124 O Soneto (187) de Camões recommendava ao publico a Arte de escrever do illustre caligrapho (1572).
125 Estas tres obras, e mais um Dialogo da viciosa vergonha, foram impressas em 1539 e dedicadas pelo auctor das Decadas e do Clarimundo ao Principe D. Felipe de Portugal, que então era herdeiro da coroa. Mas o pequenino filho dos reis expirou, na tenra edade de seis annos, antes que sahissem dos prelos de Luis Rodrigues.
126 Esta obra foi impressa logo a seguir, nos ultimos dias do anno indicado e no immediato, pelo mesmo livreiro. Não é portanto impropria a hypothese que a principio esse Dialogo sobre moralidades fosse destinado igualmente ao fallecido.
P. S. — Cumpre registar aqui, em additamento à Nota precedente, um facto importante: Ha pouco que a Bibliotheca Nacional adquiriu uma Grammatica latina de João de Barros de que nunca ninguem tinha fallado, manuscripto em pergaminho com algumas illuminuras! Sei isso, mas só isso, por informação do Snr. Dr. Sousa Viterbo (por carta de 26 de Junho). Lamentando não a conhecer por ora de visu, prometto occupar-me d'ella na primeira occasião! Que surpresa agradavel, se ella incluisse uma Dedicatoria elucidativa!
127 Esse livrinho conserva-se na Bibliotheca Nacional de Madrid. Quanto ao auctor, apenas posso registar que no Catalogo, impresso no Ensaio de Gallardo (vol. I, Apendice p. 3 e 14), uma vez o chamam Martin Agreda de Perques, e outra vez Frei Juan Lopez de las Parras.
128 P. ex. por Th. Braga na Historia da Universidade, vol. I p. 287.
129 A respeito do Principe D. Felipe, mencionado nas Notas 125, 126 e 132, veja-se a Hist. Gen. vol. III p. 538. Como os mais filhos de D. João III, jaz em Belem.
130 Uma grammatica elementar em castelhano foi composta para o Principe por Juan Fernandez de Sevilha, e impressa em Coimbra no anno 1551.
131 Frei João Soares publicou uma Cartinha para ensinar a lér e escrever (1549 e 1554) como fazimento das Graças (1560). Mas anteriormente os seus manuscriptos poderiam ter servido na Casa real.
132 O proprio João de Barros não se enganava a este respeito. O dialogo linguistico entre Pae e Filho principia do modo seguinte: «Senhor, já sabe esta nova? — Qual? — Que o Principe Nosso Senhor começou ontem daprender a ler. — E quem o ensina? — O prégador del rey frey Joam Soares.. Que importa o meu trabalho, ao principe nosso senhor, pois tem preceitor de vida e leteras que lhe ordenará os principios, conformes à sua idade e magestade do seu sangue?
O biographo da Infanta, sabendo que esse prelado fôra mestre do Principe, assentou como muito provavel que tambem dirigisse os estudos superiores da Infanta, pelo menos em philosophia e theologia (Vida, II p. 90). Os posteros deram forma affirmativa á hypothese, por elle enunciada. A' vista dos assentos de João de Barros, ella parece-me fidedigna. Cf. Nobreza Litteraria p. 138 e 139.
133 Pacheco combate essa noticia, propagada por Garibay. Os argumentos que emprega são todavia inconsistentes. Diz que havendo na corte uma inestra como Luisa Sigea, os reis de Portugal a teriam, decerto, chamado para ensino das primeiras letras. Ao escrever isso, o douto varão esquecia que os Sigeos, vindos a Portugal em 1538, quando a Infanta contava 16 a 17 annos, já a encontraram adulta e bem ensinada. Se em logar de Luisa Sigea pusessemos o nome Joanna Vaz, a objecção seria mais justificada, como o leitor reconhecerá se tiver a paciencia de continuar com a leitura d'este opusculo.
134 Nobreza litteraria l. c.
135 Pelo que deixei apontado nas Notas 133, 149 e 157 fica provado quão inaceitavel é a affirmação de Diogo Sigeo ter sido o primeiro mestre de latim da Infanta.
136 O algarismo está fóra do seu logar. E' á linha 12.a da pag. 36 e não á 16.a que diz respeito esta nota. O discurso academico do qual extractei a passagem allegada, foi impresso em Julho de 1551: L. Andr. Resendii Oratio habita Conimbrica in Gymnasio Regio anniversario dedicationis eius die. Tem dedicatoria á Infanta: D. Emmanuelis P. Invicti filia D. Joannis III P. F. invicti Sorori Maria principi eruditissima, quasi igual á do Poema-Epistola, citado na Nota 59. Devo emendar aqui uma asserção inexacta, contida nessa Nota. Resende não teceu louvores a Angela Sigea. O unico entre os coevos que dedicou algumas palavras elogiosas á irman de Luisa, foi João Vaseu. — Uma emenda de redacção fez-me affirmar o que nunca pensei.
137 Fernão d'Oliveira, a quem os Portugueses devem a primeira grammatica em vernaculo (Cf. Nota 107b), havia ensinado antes de 1536 não só filhos-varões de alguns principaes da terra, mas tambem algumas damas. E como elle, houve indubitavelmente mais mestres, que seguindo o exemplo do Nebrissense, dos Giraldinos, de Marineo Siculo, longe de se negarem, se orgulhavam de ensinar fidalgas.
138 D. Leonor Coutinho, 4.a Condessa da Vidigueira e mãe do 1.o Marquês de Niza (1606), pertence à geração immediata. A Chronica do Imperador Beliandro e de D. Belindo (ou Belindor), ficou inedita, mas existe em varios treslados, em bibliothecas publicas e particulares.
139 D. Leonor de Noronha, filha do Marqués de Villareal, era, pelo contrario, da idade da mãe da Infanta. Não é estranhavel que Nicolas Antonio lhe désse o appellido de Meneses. — Nascida em 1488, em Evora, morreu em 1563. venerada pelas suas virtudes, conforme se lê no Agiologio Lusitano de Jorge Cardoso (1 454). Essa dama traduziu do latim a Chronica do Mundo de Marco Antonio Sabellico, chamada Enneadas por andar dividida em onze partes (e não Aeneidas ou Eneida!) O livro sahiu dedicado á Rainha D. Catharina (1550 e 1553). As duas partes que tratam do christianismo ou da Redempção, tiveram edição separada, a qual o editor João Barreira endereçou em 1570 à Infanta D. Maria. D'ahi a fama que D. Leonor pertencera á Academia da Infanta.
140 Falta-nos até hoje copia exacta e completa das listas dos moradores da Infanta. Quanto ao livro das moradias da casa de D. Catharina, tambem só possuimos extractos insufficientes. Na Hist. Gen. (Provas II e IV), nem mesmo estão consignados os nomes de Joanna Vaz e Luisa Sigea, que o Visconde de Juromenha descobriu nos originaes, com verba de latinas e 6$000 reis de ordenado. Vid. Obras de Camões I p. 31.
141 A Epistola poetica a que me refiro — o titulo está impresso na Nota 59 — foi a meu ver composta no mesmo anno de 1551, em que o Eborense recitou o seu discurso academico. Mas anteriormente a 9 de Junho, dia de annos do reinante, em que era praxe celebrarem a reforma da Universidade em commemoração solemne. Na Dedicatoria, anteposta ao Discurso, Resende affirma ter sido «outro dia» recebido pela augusta dama com muita affabilidade: qua me etiam in tuam fidem non gravate pridie adcepisti.
142 Ignoro se Joanna Vas (Nicolas Antonio, seguido de muitos outros, dá-lhe o nome de Anna) estava por ventura aparentada com a mãe de Resende. Essa chamava-se Angela Leonor Vaz, segundo consta do pathetico epitaphio que o grato filho inscreveu na sua lousa. Graças ás investigações de Barbosa Machado sabemos apenas que o pae de Joanna era licenciado (João Vaz) e o irmão, conego e doutor (Antonio Vaz).
143 D. Manoel de Salinas y Lizana, Preposito e Conego da Catedral de Huesca, no reino de Aragão.
144 Quem, abrindo a Vida da Infanta se der ao trabalho de estudar as folhas 135 a 143 ficará surprehendido ao ver attribuido a Achiles Estaço o poema que eu lhe apresentei como obra de Resende. Não sei explicar o erro de Pacheco, que já passou para livros de consulta como o Catalogo de Salvá (n. 3484). Apenas posso affirmar que o douto frade se enganou e que sou eu quem lhe diz a verdade. Possuo o rarissimo folheto que o Eborense mandou imprimir em Coimbra, nos prelos de João Barreira e João Alvares, em Junho de 1551 (Quarto Calendas Julii) a fim de offertar á Infanta a Oração, a Dedicatoria, o Poema, e ainda uns versos a Christo Crucificado. — Salinas y Lizana illustrou as obras de Gracian com uma versão dos Epigrammas de Marcial, e contribuiu com rimas para varios certamens celebrados na segunda metade do seculo XVII.
145 João de Barros principiou a redacção do Espelho de Casados em 1529, coucluindo-a no anno 1540, que é o da impressão. Ha edição moderna (Porto, 1846). — De passagem seja dicto que o historiador designa como patria sua a cidade de Viseu no § 32 do Panegyrico da Infanta.
146 Eis o teor literal do trecho em que Barros quer demonstrar a these que as mulheres são em sciencia tão habeis e tão «sabedoras» como os homens. «Mas acabo este conto, com quem fora razam hir mais cedo, que he Joana Vaz, natural de Coimbra, criada da Rainha Nossa Senhora, por suas virtudes e doctrinas muy aceita a ella nas lettras latinas e outras artes humanas mui docta, de quem vi algumas cartas por que bem se pode provar esta noticia que dou della».
147 Fernan Nunes de Guzman, Comendador da Ordem de Santiago (1553), é mais conhecido por esse titulo, que os coevos lhe deram-distinguindo assim o varão que em Alcalá e Salamanca era o mais profundo conhecedor do idioma de Homero. Hoje estimamo'-lo especialmente como collector de 6:000 proverbios peninsulares.
148 Os versos dirigidos a Joanna Vaz formam parte de um livrinho raro e precioso: Arii Barbosa Lusitani Anti-Moria, Coimbra, Santa Cruz, 1536.— Vid. p. XXXVI: Ad Johannam Vaas.
149 Calculo que ella entraria em 1530 no paço da Rainha e que nesse anno começaram os estudos de latim da Infanta D. Maria. — Do Cardeal-Infante D. Affonso sabemos que gastou sete annos nesse estudo, com mestres competentissimos como Ayres Barbosa. — E' este erudito que assim o confessa na Introducção ao livro acima citado, que dedicou ao discipulo: Hoc alterum laboris nostri munus septennio absoluimus in quo & loquendi & orandi & disserendi artem didicisti cum ceteris humanitatis munditiis. Com respeito a Joanna Vaz, ainda o seguinte: No Poema de Resende ha uma passagem que parece estar em contradicção com as phrases sobre a sua idade, pois diz, gabando os seus bons costumes, que até então passou sem culpas a sua juventude (ut sileam mores inculpateque iuventam hactenus exactam). Não seria, comtudo, inexacto traduzirmos: toda a sua juventude.
P. S. — Graças ás inquirições a que procedeu o distincto paleographo a que já alludi ao fallar da letra da Infanta, sei agora (a 28 de maio de 1901) que não me enganei nos meus calculos. O 1.o livro de Moradias da Casa da Rainha em que aparece Joanna Vaz, é de 1530.
Sei mais (em data de 27 de junho) que a Joanna Vaz estavam entregues e confiados em 1534 os codices e livros da Rainha D. Catharina. Vid. a laboriosa e muito interessante Memoria de Sousa Viterbo sobre A Livraria Real, especialmente no reinado de D. Manuel (p. 37), que acaba de sahir dos prelos da Academia (Lisboa, 1901).
150 Para fallar de Joanna Vaz explorei todas as fontes indicadas por Barbosa Machado, menos duas que não pude compulsar, e são: Frei Luis de S. Francisco, Prologo ás Linguas Sanctas e C. J. Imbonati, Bibliotheca Latino-Hebraica. Acho pouco provavel que estes auctores soubessem da illustre portuguesa mais do que os conterraneos e coevos. Ainda assim deixo em aberto, se por acaso apurariam noticias que desconheço sobre os seus estudos hebraicos. A este respeito lembrarei que Frei Fortunato de S. Boaventura, não satisfeito de repetir as informações de Barbosa Machado, avança no caminho das affirmações não provadas, dando por mestre a Joanna Vaz o pae da Sigea. Como Diogo Sigeo sabia e ensinava o hebraico (em Toledo pertencera ao circulo dos que trabalharam na Biblia Polyglotta de Cisneros) não é impossivel que o ensinasse a Joanna e Luisa, juntas. Tambem póde ser que de mestre figurasse Frei Francisco Foreiro, o qual, sendo conhecedor eminente das linguas semiticas, era muito do agrado dos Reis e da Infanta.
151 Escrito em tempo de D. João V (Pro epistola nuncupatoria) o Enthusiasmus foi publicado no tomo I do Corpus Illustrium Poetarum Lusitanorum. Alli diz:
Vasia prima sedet Lysix clarissimus Aulæ
Splendor, operta comas lauri viridante corona,
Plectra canora manu feriens sic dulciter, immo.
Posset ut e pelago melius Delphinas in auras
Vellere quam vulsit quondam Citharaedus Arion
In sua damna fera cum vidit surgere nautas.
João de Sousa Caría, ao verter em 1731 para português as exagerações encomiasticas do Padre Antonio dos Reis, foi muito mais além na demasia dos louvores, traduzindo p. ex. splendor pela palavra portento, conforme já foi indicado por Silvestre Ribeiro na biographia da Sigea, que mais abaixo terei de citar.
152 No Poema de Resende vemos applicado a Joanna Vaz a expressão carminibus tibi nota suis isto é, «conhecida a ti, Resende, pelos seus canticos». Infelizmente, nas Obras do Eborense (1551 e 1600) lê-se: tuis. A meu vêr é erro, que os posteros emendaram com toda a razão.
153 Primeiramente aqui não significa «antes de ninguem». Não foi Nicot quem lhe conferiu o nome romantico de Aloysia. Nem tão pouco João Vaseu, que o usou no seu Chronicon (Hispania Illustrata, I, 593). Inventor do termo foi o papa Paulo III em 1556, ou antes um dos seus secretarios. Bembo? ou Sadoleto? — Ainda assim, os latinistas peninsulares, não podendo ter conhecimento do Breve do pontifice, utilizaram até 1566 as formas Loysa, Luisia e Ludovica.
154 O poema Sintra foi impresso em 1546 (?) 1566, 1781, 1862 e 1880. O titulo completo vae na Nota 181.°
155 Modernamente um erudito musicographo castelhano, F. Asenjo Barbieri, tentou impugnar a origem francesa dos Sigeos, por causa do apellido Toletenus que viu apposto ao nome Diogo Sigeo num rarissimo opusculo sobre acentos musicaes, impresso em Lisboa (1560) e dedicado ao Cardeal-Infante D. Henrique. Satisfeitissimo por assim restituir á Hespanha um varão illustre, esqueceu chamar á auctoria os contemporaneos de Diogo e a propria Luisa. Aliás, teria encontrado entre os primeiros um conhecido que em vida do pae o chamou francês de nação. Fallo do celebre erasmista palentino, o Arcediago de Alcor, Alonso Fernandez de Madrid que se occupou da gentil Luisa, o «monstruo da natureza», na sua Historia de Palencia. Quanto a essa, ha em uma das cartas d'ella uma passagem em que se caracteriza a si propria de «toledana de nação, portuguêsa pela criação, e oriunda de França» (quum patria essem Toletana, nutrita tamen apud Lusitanos, ac e Gallis oriunda). A essa carta, dirigida a Felipe II, ninguem poderá negar valor documental. — Conhecendo estes pormenores é facil avaliar com quanto direito uns dão a Luisa o titulo de toledana, emquanto que outros, sabendo unicamente dos louros que colheu em Portugal, a tratam de foemina lusitana. — Mais estranhavel do que a precipitação de Barbieri (Boletin Historico, 1, 53) é a de Silvestre Ribeiro, que propagou a novidade na Revolução de Setembro (N. 11:234), sem recordar-se dos trechos que acabo de explicar e fazem parte da extensa monographia, por elle proprio dedicada á gentil Aloysia Toletana. Vide Nota 185.
156 A mãe chamava-se D. Francisca de Velasco, segundo informação de Carvalho, na Corografia Portuguesa III 284. E' pois com justo motivo que muitos auctores lhe dão o nome Luisa Sigea Velasco. Parece mesmo que ella assignava assim em cartas intimas. Cf. Nota 158. Ignoro se a mãe estava viva em 1543 e acompanhou as filhas. Segundo Carvalho (III 284), tem jazigo commum com o marido, no Carmo de Torres Novas, circumstancia que, a ser veridica, fallaria a favor da hypothese.
157 Graças a apontamentos seus e alheios, sabe-se ao certo que, nascida em 1530, veio a Portugal na idade e no anno que indiquei. Bastará lembrar mais uma vez o que em 1551 Resende dizia d'ella Contando apenas tres vezes sete annos, compulsa indefessa, de dia e de noite, codices latinos, gregos, hebraicos e arabes:
Nam quum septenæ vix dum trieterides annos
Computet, indefessa, dies noctesque, Latinas
Voluere non cessat chartas, non cessat Achæas,
Moseaque & Solymos rimatur sedula vates.
Muitos auctores portugueses trocaram os papeis, caracterizando Joanna Vaz como menina-prodigio e Luisa Sigea como matrona, e professora d'aquella! Outro erro é o de representarem ambas como alumnas da Infanta. Trabalhando no seu paço, consultando a sua bibliotheca, lendo com ella escritos de poetas e historiadores, ambas fariam progressos notaveis. Tambem é possivel que assistissem ás prelecções, dadas à Infanta por summidades scientificas. Mas de lá a tratá-las de discipulas da propria Infanta ― ainda ha distancia!
158 (P. 39 1. 14, e não 16). O pae fóra principal preceptor d'ella, segundo declaração da propria Luisa (patre quo in plurimis usa sum praeceptore), fazendo-a tomar parte nas lições de um irmão mais velho, do qual diz: paribus mecum auspiciis in linguarum varietate est institutus. Mas outros mestres o haviam secundado (et latina lingua, graeca, hebrea, chaldea, nec non arabica mediocriter a patre meo caeterisque praeceptoribus erudita). Entre elles tem o primeiro logar o castelhano Alvaro Gonaez de Castro, elegantissimo humanista toledano, e o melhor biographo do Cardeal Cisneros. Outro conhecido seu que talvez ajudou a instrui-la era Alonso Garcia Matamoros. Ignoro quem se interessou em Portugal pelos seus progressos. André de Resende? Frei Francisco Foreiro?
159 Numa carta infantil que deve ser das primeiras que escreveu, ainda em Toledo, a pequena epistolographa agradece um ramo de violetas e herva cidreira que o mestre e amigo paternal havia colhido para ella no seu jardim. Muito lhe agradara o aroma. Mais suaves lhe foram todavia as flores do ingenho de Alvaro Gomez que acompanhavam o ramalhete.
160 Tambem neste caso é ella quem assevera haver-se occupado de tantas linguas, já antes de ter sido chamada a Portugal (quum tot linguarum atque aliarum artium studiis a teneris annis desudarin ac deinde in regum avla adscita fuerim). Sem isso, quem nos prestaria fé? — O chaldaïco é evidentemente a lingua semitica fallada na Syria, e não o idioma turaniano, cujos caracteres cuneiformes ainda não eram no seculo XVI objecto de estudo. Erroneamente alguns biographos da Sigea fallam do syriaco e chaldaico como se se tratasse de dois idiomas diversos!
160b (P. 59 1. 26). D'esta primeira carta ao Pontifice, ainda não procurada nos Archivos do Vaticano, sabemos pela 2.a. Não verifiquei quem é o egregio poeta-philosopho Britonius ahi nomeado, que fora em 1540 portador ou expedidor da primeira carta e persuadiu a Sigea a dirigir a segunda a Paulo III. Seria um hespanhol chamado Breton? um francês Lebreton? Ou por ventura o Eusebio, residente em Coimbra, ao qual Nicolas Antonio se refere?
161 Diogo Sigeo assignava de Toledo em vernaculo; Toletanus em obras latinas, até morrer, em 1562, ou pouco depois. Nesse anno dirigia uma carta latina a Miguel Cabedo, que o curioso encontra nas Antiguidades Lusitanicas (Ed. Roma de 1597, p. 514). A epigraphe diz: D. Sigeus Toletanus Michaeli Cabedio Regio Senatori Salutem. — E' datada de Lisboa: 4 Id. Febr. ann. salut. 1562. Desconheço ulteriores sinaes de vida.
162 Entre os seus discipulos, os mais notorios são o Principe real, D. Theodosio de Bragança e os irmãos d'est'ultimo. — Da sua actividade como mestre dos moços-fidalgos existem provas abundantes. Vejam p. ex. a Hist. Gen., Provas II 381, 382, 67; v 384, VI 620 (O Doutor Mestre Diogo).
163 A principibus rogato ac potius coarcto patre. Estou persuadida, repito-o, que foi D. Leonor quem instigou Carlos V a recommendar as pequenas latinas e o pae, aos monarcas portuguêses, sempre com o intuito de beneficiar a Infanta, sua filha.
164 Creio que admittida no paço, permaneceu entre as meninas até 1546, embora logo vencesse ordenado de dama. A pouca idade excluia a possibilidade de immediatamente lhe darem honras de mestra. E' assim que deveremos entender as palavras do flamengo Vaseu, amigo de Clenardo e relacionado com Sigeu, que «Luisa foi educada no paço regio durante muitos annos.» (Vid. Schott, Hispania Illustrata I, 593). Quanto à erudição, embora nenhuma no paço podesse concorrer com ella quanto à vastidão do saber linguistico, é quasi certo que em latinidades, incluindo composições epistolares, a Infanta e Joanna Vaz não lhe ficavam atras, e por muito que soubesse, muito mais lhe restava aprender!
P. S. — Nos livros de Moradia, Luisa figura desde 1543. E' quanto o Snr. General Brito Rebello apurou até hoje.
165 O francês e o castelhano deviam ser-lhe familiares desde a meninice. Igualmente o português, ao cabo de curto prazo. Quanto ao italiano, temos o testemunho de Resende que affirma no Epicedio, em que chorou a sua morte, ter ella fallado com grande pureza a lingua de Dante (o tusco ou etrusco), e a francesa com tal naturalidade que todos a tomavam por francesa. Os que a chamaram perita em cinco linguas contavam apenas as linguas antigas classicas e orientaes — como p. ex. seu fiel amigo, o velho Resende, na composição de 1551! Perita em nove linguas seria mais exacto.
166 Retrato de pura phantasia, abstrahido das noticias soltas, espalhadas nas obras que me servem de fonte.
167 As redacções eram cinco, como fôra de esperar, e não tres como por engano foi affirmado. O proprio papa assim o expõe na memoravel resposta de 6 de janeiro do 1547, com que a distinguiu, dizendo: Delectati valde sumus in Domino ex tuis litteris quas ad nos latine, graece, hebraico, syriace, atque arabice scriptas dedisti. — E' natural que apenas se publicasse o texto em latim (1566, 1862 e 1880). Mas para nós, os philologos, formarmos ideia dos conhecimentos positivos de Luisa seria muito para desejar que em Roma procurassem as outras versões, principalmente a arabe. Em vista das sérias difficuldades com que teve de luctar Nicolau Clenardo, para travar relações com arahistas doutos, bom era apurar quanto a Sigea sabia.
168 O curioso encontra o Breve do Papa e a Carta de Luisa na Memoria de Silvestre Ribeiro (a p. 25 e 37), cujo titulo indico na Nota 183. As outras impressões são rarissimas.
169 Em testemunho de que realmente foi mestra da Infanta, basta citar uma passagem da carta de queixumes e sollicitações que a propria Luisa dirigiu em 1558 a Felipe 11. Diz ella: «não sem gloria desempenhei as minhas funcções como preceptora da Serenissima Infanta D. Maria» (erga Mariam Infantem Serenissimam praeceptoris munere non infeliciter usa. — Vaseu, dirigindo ao Cardeal-Infante D. Henrique a sua Chronica Rerum Memorabilium Hispaniae, metteu entre os louvores tributados aos Sigeos a sentença: in familia est Ser. Maria principis primariæ. O Arcediano só pode repetir o que constava a todos: «el padre la puso en palacio en servicio de la Princesa Maria». Deante do seu tumulo, Resende perguntava: Quem teria sido mais apto a servir de mestra da Infanta?
Ecqua autem Maria divino principis ortu
aptius a studiis danda ministra fuit?
170 Enuma epistola intima a seu cunhado Alonso de Cuevas que se lêem as expressões citadas.
171 De varias cartas transpira a consciencia que tinha da sua nobreza scientifica, a qual obriga tanto como a do sangue. Para todos os seus requer aquella condição que convém aos irmãos e ao esposo de Sigea, a Polyglotta..
172 Vid. Nota 170.
173 De dois irmãos seus, o mais velho, educado com ella, havia estudado theologia em Alcalá e Coimbra; o mais novo estava em Roma, em companhia de Gaspar Barreiros, desejoso de alcançar um emprego, junto da curia.
174 Enganam-se os que crêem destinada a Paulo III (Farnese) a carta escrita em Julho de 1557. Este morreu em 1549. Paulo IV (Caraffa) occupou a Santa Sé de 1555 a 1559.
175 Na sentida inscripção tumular do marido não ha data. Tão pouco no epitaphio do francês Claude Monseau, nem na que foi elaborada em Portugal por André de Resende. As que indico acham-se exaradas no epitaphio litterario, composto por Juan de Merlo (port. Mello, lat. Merulus), coevo, patricio e amigo de Diogo Sigeu. (Vid. Nic. Ant. e Gallardo, Ensaio N.° 1494). Alguns auctores pensam que Luisa morreu em 1561, fiados nas palavras do Arcediano de Alcor, que a deu por viva ainda nesse anno. O facto de as homenagens funebres de Resende terem sahido em 1561 não é decisivo para a data 1560. O robusto ancião trabalhava com desembaraço tal, e a sua veneração pela Heloisa portuguesa era tão férvida que, sabendo do seu passamento em principios de Novembro, o resto do anno chegava para elle compor e fazer imprimir a sua concisa commemoração (quatro folhas apenas): Ludovica Sigaa Tumulus L. Andrea Resendio Auctore. Apud Hæredes Germani Galiardi, An. M. DLXI. Olyssippone. Venalis apud Iohnnem de Borgo. Regium Bibliopolam in vico novo. Nicot as reimprimiu em 1566.
176 O algarismo está fóra do seu logar. As palavras «rica em trabalhos e em encomios» é que se refere esta minha glosa sobre as riquezas de Luisa. Lá fóra não quiseram acreditar que em Portugal os governantes lhe faltaram com a justa remuneração. João de Mello, o de Toledo, citado em a Nota anterior, — auctor de uma collecção de proverbios — rematou o seu epitaphio com a sentença: «Toledo lhe deu a vida; a Lusitania honras e riquezas (Lusitania honores et divitias dedit); Burgos o marido, a filha, o coval.» E essa fama voou. Vejo-a assentada p. ex. na Italia et Hispania Orientalis de Paulo Coloma (1730), que affirma: non modicas opes ex regali munificentia sibi paravit.
177 Nem todos os panegyristas se conformaram com este titulo. — E' curiosa a opposição de Resende. No dithyrambo sincero em que exalta os meritos da Sigea, são as nove Musas que choram o seu fim prematuro. Mais ainda porém, o facto... de não a poderem admittir no seu côro virginal! Para que tambem se lembrou ella de casar? Tres vezes entoam o estribilho:
Et nisi virgineum thalamus violasset honorem
Hac ultra noster cresceret ordo novem!
178 Eis o epitaphio expressivo, gravado em doze linhas de estylo lapidar na sepultura de Luisa pela mão do esposo: D. O. M. | Loisia Sigaa Foemina | Incomparabili | Cujus Pudicitia cum Eruditione | Linguarum | Qua in ea ad miraculum | Usque fuit Ex aquo certabat | Franciscus Cuevas Moerentiss. | Conjugi B. M. P. Vale Beata Animula. Conjugi | Dum vivet |Perpetua lachryma.
179 Varios estão colligidos. Outros continuam ineditos. Tenaionava publicar aqui a Elegia de Pedro Lainez, que principia:
Si de triste licor tan larga vena,
Musa llorosa mia, has derramado,
segundo os Mss. Paris. 598 f. 99 e 603, f. 135. Sabendo todavia á ultima hora que um douto hespanhol havia encommendado um treslado, afim de o publicar na Revue Hispanique VII, desisti do meu intento. Falta-me descobrir um soneto de uma dama italiana, mencionado por Faria e Sousa, sem informações que facilitem a procura.
180 O melhor de todos é o de Resende. Traduzido diz: Aqui jaz Sigea. Isto basta. Quem ignora o resto, necessitando explicações, é barbaro, avesso ás boas artes. Quanto ao logar onde jaz, mal se pode duvidar que seja Burgos. A lenda conta que Luisa desejou dormir em terra portuguesa e que a familia a tresladou para o Carmo de Torres Novas. Essa lenda nasceu a meu ver do facto que entre os descendentes de Angela houve outra Luisa Sigea, ahi enterrada no jazigo dos Mellos. — Cf. Carvalho, Corografia Portuguesa III 284 e 287.
181 Syntra Aloisia Sigaa Toletana aliaque eiusdem ac nonnullarum praeterea virorum ad eandem epigrammata quibus accessit Pauli III P. M. epistola de singularis eius doctrina ac ingenii præstantia. Tumulus eiusdem ab Andrea Resendio et Claudio Moncello concinnatus. — Parisiis M. DLVI. — Silvestre Ribeiro reimprimiu o poema. Suspeito que em 1546 a propria Luisa havia mandado compor alguns exemplares, perdidos hoje, para a Infanta, e os amigos e admiradores, visto que na carta a Paulo III, nomeando a sua composição, a caracteriza do modo seguinte: in gratiam Maria Portugallia Infantis Serenissima editam, cui nostras operas eo libentius locamus quod quemadmodum cum Caesare ac reliquis monarchis sanguinis splendorem sic cum Musis rationem studiorum habet coniunctissimam.
182 De Arcanis Amoris et Veneris Aloysia Sigaa Toletana Satyra Sotadica. O verdadeiro auctor é, na opinião geral, Nicolas Chorier; e não Meursio, ao qual em França quiseram impôr a responsabilidade do nefando crime.
183 Alvaro Gomez de Castro, fiel ao culto de amizade que lhe consagrou, foi guardando as cartas de Luisa, e alguns versos d'ella. — O seu espolio veio ter á Bibliotheca do Conde-Duque de Olivares, e posteriormente ao Convento del Angel, de carmelitas descalços de Sevilha. No catalogo respectivo, extractado por Gallardo no Ensayo, vol. IV sob N.° 4541, vejo registadas 1.°) Algumas cartas y poesias de Luisa Sigea de Velasco na Caixa D. N.° 11 f. 72 ss. (col. 1509); 2.° Quatro cartas mui doutas a um seu amigo (ib. col. 1494); 3.° Cartas d'ella a Alvar Gomes; Caja 1, N.° 10 da Miscellanea X das que juntara o sabio toledano. (ib. col. 1508). — Pacheco (f. 96), viu um maço de cartas suas em poder de um tartaraneto de Luisa, D. José Ronquillo, Visconde del Villar, gentil-homem da camara de D. Juan de Austria. — Nicolas Antonio (Bibl. Hisp. Nova II, p. 57 e 346) possuia copia, de letra de Pellicer; e tão curiosas as achou que resolvera publicá-las em Appendice á Bibliotheca — plano que não se realizou. Francisco Cerdá y Rico, que as teve entre mãos, prometteu supprir esse esquecimento; mas tambem não chegou a desempenhar-se da sua promessa. — Algumas, que pertencem ao Museu Britannico, serão publicadas em breve, juntamente com a Elegia a que já me referi, por Adolpho Bonilla y San Martin, na Revue Hispanique, segundo teve a bondade de informar-me o illustre director d'essa publicação, R. Foulché Delbosc.
184 O já citado Arcediano de Alcor, que viu o Dialogo autographo, exalta-o muito na sua Historia de Palencia. Silvestre Ribeiro attribue a Luisa ainda uma Arte Poetica. Mas erradamente. Poetica eius quædam de Nicolas Antonio significa alguns versos d'ella e refere-se aos papeis de Alvar Gomez, guardados na livraria olivarense.
185 As fontes para a Vida de Luisa Sigea são, além dos seus escritos, os apontamentos de Resende (1551 e 1561); os de Vaseu (1555), os de Alonso Garcia Matamoros, no escripto De Academiis et doctis viris Hispania (1558); Alonso Fernandez Madrid (1561); Nicot (1566); Nicolas Antonio. Os melhores estudos modernos são os seguintes: Allut, Aloysia Sigea et Nicolas Chorier, Lyon 1862, opusculo bastante raro, de tiragem restricta (112 ex.); J. Silvestre Ribeiro, Luiza Sigea, Breves apontamentos historico-litterarios, Lisboa 1880. — Como fiz com respeito a D. Maria, supprimi tambem a lista extensa das obras nacionaes e estrangeiras que encerram apontamentos derivados sobre Luisa.
186 Hispania Chronicon, em Schott, Hispania Illustrata 1 593. Fallando de Diogo Sigeo e de Luisa continua: sed alteram quoque filiam Angelam Graece Latineque pro ætate et sexu non mediocriter eruditam, tam exacta Musices scientia curavit perdocendam, ut cum praestantissimis illius artis professoribus contendere posse putem.»
187 Já citei o paragrapho do Panegyrico de Barros, dedicado aos exercicios musicaes da Infanta.
188 A respeito dos Sigeos de Velasco e Mello, de Torres Novas, e do retrato das duas irmans, consulte-se a Chorogr. Port. III 289 ss.
189 A familia do marido tinha jazigo na egreja parochial de Santiago.
190 cancioneiro de todas as obras de seu pac, para o qual obteve privilegio em vida de D. João III, foi afinal publicado por Luis Vicente, irmão de Paula que serviu de moço ao Principe e subiu depois a escudeiro e cavalleiro (1594).
191 Vid. o estudo do Visconde de Sanches de Baena sobre Gil Vicente, Lisboa 1890.
192 O primeiro que a comparou à mulher de Luciano, fallando da sua collaboração na obra do pae, foi o auctor do Enthusiasmo Poetico.
193 Vid. Juromenha, Obras de Camões 1, 30; Visconde Sanches de Baena, p. 6 e 55, Documento VIII; Silvestre Ribeiro 49, e Th. Braga, Gil Vicente, ed. 1898, obra na qual ha reflexões judiciosas acerca de Paula, no mesmo sentido restrictivo que aqui advogo (p. 146, 174, 181, 269 e 273).
194 O grande zelo religioso da Rainha D. Catharina só poderá ser estranhado por quem não se lembrar das tristissimas scenas que presenciara na sua juventude. Filha posthuma de Felipe o Bello, nasceu em Torquemada, durante o phantastico cortejo funebre com que a viuva levou a Granada o corpo do defunto rei. E viveu sempre em severa reclusão, ao pé da mãe, em Tordesilhas, d'onde sahiu directamente para occupar o throno portuguez (1524).
194b Nas Notas Addiccionaes 107b 149b já me referi à copiosa livraria da Rainha D. Catharina e aos importantes subsidios para a sua physiognomia intellectual, recentemente desenterrados por Sousa Viterbo. Nos codices 160, 161 e 163 da Torre do Tombo (da antiga Casa da Corôa) em que se descreve a despeza da Rainha, ha verbas importantes relativas aos seus livreiros, encadernadores e impressores; longas listas de volumes entregues á camareira ou a Joanna Vaz; sommas para livros da Infanta (sua filha). A maior parte dos livros que mandou comprar versava sobre assumptos devotos e ethicos. Já mencionei as grammaticas que adquiriu. Entre os textos profanos, ha muitos de historia antiga e moderna: Plutarco, Julio Cesar, Quinto Curcio, Josepho; Cronicas de Hespanha, Aragão, Navarra; as do Condestavel, Rey D. Pedro, Juan de Castella; a Cronica fabulosa del Rey Rodrigo, a Cronica Troyana, a dos Nueve de la Fama. Não desprezou de modo algum a poesia. Ao lado do Cancioneiro Portugués estava o Castelhano, o de Juan del Enzina, o de Jorge Manrique, as poesias de Mena e Santilhana, e o Mingo Revulgo.
195 Este Senhor D. Duarte, filho de D. João III, nascido antes do casamento com D. Catharina, destinado para Arcebispo de Braga; era muito afeiçoado ás letras, e documentou essa sua inclinação em um tratado, repleto de citações e allusões eruditas. (Hist. Gen., Provas III 40). Os mestres e condiscipulos enalteceram-no como um portento de sabedoria. Mas nem mesmo este rebento-espurio do tronco regio medrou. Ao cabo de quatro lustros, definhou, extinguindo-se em 1543.
196 D. Antonio, o infeliz Prior do Crato, de caracter e actos tão problematicos e controversos, fora educado em S. Cruz.
197 Veja-se p. 34 e Nota 126.
198 Hist. Gen., Provas 11 436-438; Bibl. Eborense, Cod. CIII — 2 — 26 f. 70, 72 e 309. — Rivara, no Catalogo da Bibliotheca, vol. III 179, attribuiu erroneamente à filha de D. Manoel essas cartas infantis, confundindo as duas Marias, como tantos outros auctores nacionaes e estrangeiros. Escritas em português, são dirigidas ao noivo (D. Felipe), á cunhada (D. Juana) e ao Imperador (Carlos V). Falta a carta ao pae, a cuja resposta me refiro no texto e na Nota que segue.
199 Hist. Gen., Provas II 438. O «fosse» é accrescento meu.
200 Recibimiento de D. Maria, muger de Felipe II. — Bibl. Nac. de Madrid, Ms. P. 47.
201 Trovas que se fizeram quando el-rei D. João III casou a Infanta D. Maria sua filha com Filippe, filho do Imperador Carlos V, Rei de Espanha, e dizem que as fez o Infante D. Luis seu irmão. Conheço-as, directamente, de uma Miscellanea da Bibl. do Porto, já explorada por Camillo Castello Branco (Jornal da Manhã 1890 N.° 172) e tambem por Fernando Palha no Catalogo da sua Livraria (N.° 4570). — Outros restos da actividade litteraria do Infante estão ineditos: cartas, aphorismos, trovas sentenciosas. Alguns Sonetos sacros, de sentimento profundo, e forma polida, andam encorporados nas obras lyricas de Camões.
202 Esta composição talvez represente a estreia poetica de Jorge de Montemór. O curioso encontra-a no Catalogo Rasonado de D. Garcia Perez (p. 393), copiada sobre o unico exemplar conhecido da edição original, resguardado na Bibl. Nac. de Lisboa. — Desconheço os motivos porque o auctor as dedicou ao esclarecido Regedor das Justiças de Portugal, D. João da Silva. Apenas tenho vagas suspeitas a que darei vasão no fim d'este estudo, ao fallar dos Silvas.
203 Ignatii Moralis in Interitu Principis Joannis Elegia dua 1554. Joannes Princeps recenti fatu functus et Maria eius soror in Olympo colloquuntur.
204 In obitum D. Joannis III Lusit. regis conquestio, v. 37 ss.
205 Barbosa Machado II 336 (s. v. Gaspar Barreiros) regista uma Carta Consolatoria, escrita em Roma a 4 de Dez. de 1563 (sic) á Infanta D. Maria ácerca da morte do Infante D. Duarte seu irmão; e uma Egloga pastoril em louvor da Infanta D. Maria. Não discuto neste logar os pontos duvidosos, que são tres: a identidade do Infante D. Duarte, a da Infanta D. Maria, as datas das viagens de Barreiros a Roma.
Tocando pela ultima vez na confusão entre as varias Marias, estabeleço apenas que a Infanta á qual Jorge de Montemór offertou no anno 1548 a Exposicion Moral sobre o Psalmo 86, não é nenhuma princesa portuguesa, mas sim a filha de Carlos V, e que é esta mesma que vemos nomeada no Canto de Orfeo, na primeira das estrophes laudatorias, ainda com precedencia a D. Juana, sua irman:
Los ojos levantad, mirando aquella
Que en la suprema silla está sentada,
El cetro y la corona junto à ella,
Y de otra parte la fortuna airada:
Esta es la luz de España y clara estrella,
Con cuya ausencia está tan eclipsada.
Su nombre; oh ninfas! es doña Maria,
Gran reina de Bohemia, Austria, y Hungria.
La otra junto à ella es doña Juana,
De Portugal princesa y de Castilla,
Infanta á quien quitó fortuna insana
El cetro, la corona y alta silla,
Y á quien la muerte fue tan inhumana
Que aun ella á si se espanta y maravilla
De ver cuan presto ensangrentó sus manos
En quien fue espejo y luz de lusitanos. (Estr. 4 e 5).
A explicação é simples. Jorge de Montemór, embora português de nação, era devedor de fervorosos agradecimentos ás filhas de Carlos v porque o haviam admittido como cantor da sua capella. Na viagem a Portugal acompanhou a Princesa D. Juana como seu aposentador (1553-1554).
206 Epithalamium in laudem nuptiarum Alexandri et Maria principum Purma es Placentia.
207 Esse Templo de Gloria, ou Conto de Orfeo, acha-se no Livro Quarto do Romance Pastoril.
208 Estancia 6. — A allusão à morte de D. Leonor serve para determinarmos a data 1558 como termo a quo da conclusão e publicação da Diana.
209 Estancia 7.- Confira-se a descripção das filhas de D. Duarte na Egloga III de Caminha.
210 Epithalamin ao casamento da Senhora D. Maria. Do mesmo Ferreira ha uma carta e uma Ode ao Senhor D. Duarte.
211 As Poesias Ineditas de Pedro de Andrade Caminha, publicadas pelo Dr. Joseph Priebsch (Halle 1898) e por elle illustradas com Notas elucidativas e uma judiciosa Introducção, dão ideia cabal da bem merecida veneração que a esse Senhor D. Duarte (1540-1576) e a suas irmans dedicavam todos os servidores da sua casa, e dos Braganças.
212 Essa prosa devota foi, por ordem de D. Catharina de Bragança — filha da auctora — entregue em 1633 ao Inquisidor D. Manoel de Valle de Moura, que a achou digna de sahir a lume. A familia preferiu, porém, deixá-la sepultada no esquecimento, na Bibliotheca Brigantina, onde talvez pereceu em 1755.
213 Ignoro, se o tratado subsiste, ou não.
214 Museu é nome dado ao gabinete de estudo das doutas Senhoras por Andrade Caminha num dos seus Epigrammas, por signal muito insulso (N. 469 das Poesias Ineditas). Ahi só falla de sciencias e virtudes, omittindo as artes, que exalta todavia em outras composições.
Neste real Museu a ociosidade
Nunca tem tempo; cabe aqui sómente
Onra e preço, e saber e auctoridade,
Letras, contino estudo e diligente,
Santissimos costumes, gram bondade,
Maravilhas d'ingenho alto e prudente:
Tudo em dous reaes espiritos, dous estremos,
E em graça e fermosura dois estremos. (sic.)
215 Vejam, além do Epithalamio de Ferreira, a Egloga Protheo de Caminha; e as suas Epistolas 13 e 15.
215b (P. 47, 1. 5). Recapitulando, indicarei a chronologia das damas quinhentistas, illustres por letras, de que me occupei, ou occuparei:
D. Leonor de Noronha nasceu em 1488.
Joanna Vaz, certamente antes de 1510.
Isabel de Bragança, antes de 1512.
Paula Vicente, no anno 1513.
A Infanta D. Maria, 1521.
A Princesa D. Maria, 1527.
Luisa Sigea, 1530.
Angela Sigea, 1531. (?)
A Senhora D. Maria de Parma, 1538.
A Senhora D. Catharina de Bragança, 1540 (casou em dez. de 1563 e morreu em 1614).
Hortensia de Castro, 1548.
D. Leonor Coutinho, entre 1570 e 1580.
216 Entre muitos nomeio Th. Braga, Gil Vicente, 2.a ed., p. 273, e Ramalho Ortigão, Vida de Camões, 1880 p. 59.
217 Sá de Miranda, Poesias N.° 251, 127.
218 Francisco da Silveira, filho de Fernão da Silveira, e neto do famoso Coudel-mór do Cancioneiro de Resende.
219 Wilhelm Storck: Vida e Obras de Luis de Camões, Primeira Parte; Versão do Original Allemão, Annotada por Carolina Michaëlis de Vasconcellos, Lisboa, Typ. Acad. Real das Sciencias 1898.
Copio o principio do § 139: «Será verdade que a Infanta D. Maria foi protectora e fautora de Camões, quer fosse cerca de 1540, ou mais tarde, depois de 1570? Respondo que não. Não hesito um instante em assentar que o Poeta nunca entrou na Academia litteraria da Princesa. Porque? Simplesmente porque era um homem; e aquelle conventiculo era exclusivamente de damas. O caracter um pouco austero e devoto da Infanta não admitte a hypothese contraria. A virtude era para ella a verdadeira e unica sabedoria, e a suprema virtude resumia-se a seus olhos na santa castidade. As sensações e paixões mundanas eram-lhe estranhas e indifferentes. As bellas e hobres feições do seu rosto revelam grande placidez e uma seriedade um tanto fria.»
220 Na Arte de Galanteria — livro que na opinião de Francisco Manoel de Mello merecia que por elle estudassem todos os galantes — ha, como sabem, uma pragmatica inteira a respeito de poesias dirigidas ás damas da corte. Tão impertinente era essa pragmatica que um discreto chegou a maldizer das Cabeças de Motes por causa das muitas mãos que corriam, e o desasseio com que che gavam ás vezes, «con aquella obligacion de que no se quede ninguna sin la dispensacion de la Camarera mayor, aquella dallos a un Mayordomo, que los dé a la dama a que van encaminados, y ella llevarlos a la Reina que los abra y luego mandar que respondan... Mas ceremonias solian tener, que el tiempo lo fue quitando como impertinencias.»
221 Juromenha, Camões I p. 30.
222 Herculano, Opusculos VI 113.
223. Ib. p. 74 e 76.
224 Pacheco f. 92.
225 Ib. f. 180 (225). No Codicillo do Testamento recommenda aos reinantes, as suas damas, especializando duas, que não teve tempo de casar.
225b (P. 52 1. 3). O bobo mais festejado de D. João III era um preto crioulo, chamado João de Sá, por alcunha Panasco, engraçado a ponto de o monarca lhe outorgar entre frouxos de riso, o habito de Santiago. Outro, Joanne de Braga, velho parvo que sabia alegrar a pessoa mais «malenconizada», a quem seu empresario, o christão-novo Duarte da Paz levava ora a el Rey, ora á Rainha, ora aos Infantes, recebeu o distinctivo Dom. Nomearei ainda João Nunes, tambem do mesmo reinado, e certo Felippe de Brito, como chocarreiros do Infante D. Duarte; o Coyto, como gracioso de D. Sebastião, que provava a sua fidalguia, mentindo, não pagando a ninguem e em ser amigo de doce; Manoel Cosme, da casa Cadaval; Don Francês, bobo de Carlos v; o Morata, de Felipe II.
226 Na admiravel Ode III, em lyras, escripta no desterro de Ceuta, o poeta, lembrado dos felizes tempos, passados no paço, exclama, fallando ás Tagides:
A ser como sola
Pudera levantar vossos louvores;
Vós, minha hierarchia,
Ouvireis meus amores
Qu'exemplo são ao mundo já de dôres.
Em seguida bemdiz a sorte de Orpheo, que commoveu a Rainha infernal, e nessa occasião apostropha D. Catharina com vehemencia:
Oh crua, esquiva e fera,
duro peito, cruel e empedernido,
d'alguma tigre fera
lá na Hircania nascido,
ou d'entre as duras rochas produzido.
227 Receo de Louvor N.o 301 das Poesias Ineditas de Caminha. Cf. N.o 338.
228 Sá de Miranda N. 135 e p. 446. Nas obras d'este quinhentista, o nome da dama está errado (Silveira, por Silve), erro que me fez desacertar no meu commentario.
229 Um Livro inteiro do Cancioneiro de Caminha é dedicado a essa dama, honra e gloria do real sangue e nome d'Aragão. A ella devemos uma das mais bellas Odes de Camões. Na sua vista soberana Que nadie quien la vee dexa con vida penso cada vez que me acho em frente dum magnifico retrato anonymo (n. 192 do cat. de 1868 do Museu das Janellas Verdes, reproduzido por Laurent, N. 728). A respeito d'ella consulte-se Priebsch p. XXXIII e Sanchez Moguel, Reparaciones Historicas p. 226. Em uma carta de 1875, D. Juan de Borja delineou o seguinte retrato de sua desposada «D. Francisca de Aragon es hija de Nuno Rodrigues Barreto y de D. Leonor de Milan. Hase criado desde muy pequeña en casa de la Reyna de Portugal. Es la mas valida dama que S. A. ha tenido y mas estimada assi por su entendimiento y valor como por su bien parecer. Es la persona de que mas gusto muestra tener la Reyna. Sirve le la copa y viste y toca S. A. y en todo el tiempo en que la camarera mayor y las damas van a comer y cenar, queda ella sola con la Reyna, assi por ser su officio como por lo mucho que S. A. gusta de su entretenimiento y conversacion por tenerla muy buena y facil. Es tenida por la muger que mejor ha sabido hacer el officio de dama que ha havido en nuestros tiempos en Portugal y cierto entiendo que podria poner escuela desta facultad, segun lo bien que sabe servir a su Reyna y ha sabido ser servida como dama.»
230 Uma Epistola de Mendoza a D. Simão (VI) principia: Doña Guiomar Enriques sea loada e conclue:
Doña Guiomar, debria tu deidad
Hacer algun regalo a don Simon
Pues lo merece bien su voluntad.
Em 1566 uma D. Guiomar Henriques entrou como dama no paço da Infanta, conforme noticia Francisco de Andrade na epigraphe de um Soneto que lhe dedicou nessa occasião. Ignoro, se realmente se trata da Dama da Rainha, celebrada por D. Simão e D. Diego (filha de Simão Freire) ou de outra diversa, cujo pae era o 2.° Conde da Feira. — O Soneto (Fermosura do ceo a nos descida) foi por Faria e Sousa recolhido entre as Rimas de Camões. Vid. Storck, Vida § 156 Nota 4.
231 Storck, Vida § 165.
232 Quasi todas estas anecdotas acham-se aproveitadas na Arte de Galanteria, de onde passaram para a collecção de Apophtegmas de Suppico.
233 J. de Sousa Monteiro, trasmudando-se em espirito ao tempo de D. Manoel, ideou com muita habilidade Um Serão Real, no jornal O Reporter (8 de outubro de 1888). — Mais acima mencionei os Saraos celebrados em 1536 por occasião do casamento de D. Isabel de Bragança, filha de D. Jaime, com o Infante D. Duarte.
234 Jorge Ferreira de Vasconcellos, Memorial dos Cavalleiros da Tavola Redonda p. 350.
235 Caminha, Ed. Priebsch N.° 406 e 407; Cancioneiro Juromenha; Prosas Ineditas de Soropita.
236 Hist. Gen., Provas VI p. 64.
237 Juromenha I p. 30.
238 Conde de Villa Franca, Alliança Ingleza p. 276.
239 Panegyrico § 39 e 45.
240 Caminha, N.o 318; Hist. Gen., Provas VI 626. No anno 1578, Leonor da Costa era moça da camara da Rainha.
241 Ib. 376 e 377. Confiram os Epigrammas 220 e 221 da Ed. Acad.: Ouvindo cantar uma rara fermosura e N.° 222 e 223 Pretendendo ouvir cantar.
242 Vid. Priebsch p. 550 e Hist. Gen., Provas IV 401. Na Introducção de Joaquim de Vasconcellos ao Catalogo de Musica de D. João IV, ha uma Carta (IX) escrita por Manoel Corrêa del Campo, onde fallando das melhores vozes do tempo diz: «he oydo las mejores musicas que huvo en la Anunciada, Sta. Clara y Odivelas, conventos ilustres y reales de Lisboa, y otras excelentes vozes, particularmente en la corte del serenissimo duque de Bragança y en singular alli a Cosma Orfea, portento del arte, y a Maria de Parma, milagro de la naturaleza.»
243 Caminha N. 486, 488, 508, 509, 519.
244 Ib. 484, 485, 491, 498, 507.
245 Ib. 499, 501 e 510.
246 Ib. 503.
247 Ib. 483.
248 Ib. 481, 482, 514, 517, 520, 521 e 522. Além do Cancioneiro de Caminha, destinado a D. Francisca de Aragão, resta um Cancioneiro mixto que foi de D. Cecilia de Portugal.
249 Montemór dedicou homenagens não só ás Princesas mas tambem a duas damas da familia dos Manueis (D. Leonor e D. Maria); e a algumas da familia de Aragão (D. Francisca, D. Anna, D. Maria, D. Magdalena).
250 Caminha N.° 360: Quando a Rainha se queria ir para Castela, com trovas á Senhora D. Ana de Aragão, D. Catherina d'Eça, D. Leonor Anriquez, D. Violante de Noronha, D. Madalena d'Alcaçova, D. Joana de Castro, D. Ana d'Athaide, D. Maria de Noronha, D. Francisca de Aragão.
250b Caminha N.° 301.
251 Ib. N.° 338, conforme já deixei exarado na Nota 227.
252 Ib. N.° 339.
353 Digo: fingiu de repentista porque, se a pequena scena não fôr de pura phantasia, como suspeito, a dama-inspiradora e o cavalleiro-trovador reproduziram livremente versos alheios, pre-existentes. Já dei a prova d'isso em outra parte (Revista Española de Litteratura, Historia y Arte, vol. I p. 227), artigo de que não me foram enviadas provas e que por isso sahiu um horror e uma vergonha, obrigando-me a publicá-lo novamente no Annuario da Sociedade Nacional Camoniana.
Aqui bastará o treslado do original, i. é da 4.a estrophe de uma composição afamada, escripta cerca de 1460 pelo fidalgo castelhano Juan Alvarez Gato d un romero tollido que iba a pedir limosna en cas de una señora a quien el servia, e principia:
Tu, pobrecico romero,
que vas a ver á mi Dios
(ou tambem:
á quien tu pides por Dios).
Eis a estrophe, talqual se acha impressa no Cancioneiro General (N.o 246 da ed. dos Bibliofilos Españoles):
Tiene altas condiciones
de divina gracia llenas;
son tan bellas sus facciones
que sanaron mis pasiones
y me dieron nueva[s] pena[s].
y aslo d'entender así:
yo vivia enamorado
y en el punto en que la vi
tanto suyo me senti
que olvidé y desconosci
todas cuantas he mirado.
Exemplo typico e muito curioso da arte de improvisar, não é verdade?
254 Para não injuriar o leitor, dando ao mesmo tempo prova de pedantismo, supprimo as referencias ao logar onde é que se acham impressos os versos de Camões.
255 Abrindo à toa o volume das Redondilhas de Camões, «maravilhosas» no dizer do grande Lope de Vega, encontramos a cada passo versos dirigidos a damas sem nome: Carta a uma dama — A uma dama doente — A uma dama vestida de dó — A uma senhora que estava resando — A uma senhora que lhe mandou pedir obras suns — A uma dama que lhe virou o rosto — A uma que lhe deu uma penna, etc., etc. Quasi todas são decididamente palacianas e pertencem ao curto periodo aulico do poeta. Outras, bem diversas, levianas e estouvadas, de linguagem menos culta, foram, parece, escriptas quando, depois da grande crise da sua vida, banido do paço, procurava aturdir as magoas do coração, embriagando-se sensualmente em amores faceis.
256 Caminha, N.° 513.
257 Sá de Miranda, N.° 51 e 52: Ás Damas, estando ahi dona Lianor Mascarenhas. Cf. Nota 31.
258 «La señora D. Maria de Portugal que igualó en lo mas la virtud y el entendimiento — que solo es discreta quien es santa — excelentissimamente dixo: Se soubera etc.» — Arte de Galanteria p. 30. — Como se vê, é numa mesma oração que D. Francisco de Portugal nos transmittiu sentenciosa formula do ideal feminino dos Portugueses e a anecdota relativa á Infanta erudita.
259 Memorias Ineditas de Frei João de S. Joseph p. 55. 260 Arte de Galanteria p. 71.
261 Tambem lá está em muito boa companhia, e fidalga, ao lado de seus meios-irmãos, os Infantes D. Luis, D. Affonso e D. Duarte, e do Duque de Aveiro, Conde do Vimioso, Conde do Redondo, etc.
262 Refiro-me novamente á preciosa Miscellanea da Bibliotheca Municipal do Porto (do espolio do Conde de Azevedo) em que correm as Trovas do Infante D. Luis, mencionadas mais acima.
263 O auctor anonymo d'essa Volta e o Conde do Vimioso podiam ser a mesma pessoa. Mas neste caso, D. Francisco de Portugal (1549), que figura com varias poesias no Cancioneiro d'Evora (onde a colhi) a escreveu em nome de uma dama, malfadada como a Infanta. E' o que as rimas entristecida vida revelam de modo irrefutavel. Nunca encontrei, porém, volta alguma ao mote Já não posso ser contente, com attribuição áquelle discreto fidalgo. Barbosa Machado affirma, todavia, que as compôs (II 227 e 249), não sem commetter um erro singular. Trocando os papeis apresenta como primeiro inventor do Mote ao Conde de Mattosinhos, Francisco de Sá e Meneses (1585), e como glosador ao Conde do Vimioso, erro de que já tratei num artigo critico sobre a publicação defeituosissima de Hardung (na Zeitschrift VII 97).
Faço seguir em edição critica as restantes paraphrases que conheço, sem repetir sempre de novo o Mote alheio, o qual diverge apenas no vocabulo perdida da linha 3.a, mudado de proposito para perdido, e na forma verbal morro (pelo archaico mouro).
E' a que vae no texto.
A tudo quanto desejo
acho atalhadas as vias;
em tentos e fantasias
mui mao caminho me vejo.
Se do passado e presente
o por-vir se pode crer,
já não ha que pretender:
já não posso ser contente.
Que de tudo quanto quero
chego a tão triste estremo,
que vejo tudo o que temo
e nem sombra do que espero.
Desengano-me da vida
e fiz nella tal mudança
que até de ter esperança
tenho a esperança perdida.
Cuidei um tempo que havia
na fortuna o que buscava,
e postoque o não dava,
o mesmo tempo o daria.
Achei tudo differente,
fiquei desencaminhado;
e como em despovoado
ando perdido entre a gente.
De que farei fundamento
pois em nada acho firmeza
e pago sempre em tristeza
os sonhos do pensamento?
Abrande esta dor crescida,
vivendo em pena da morte,
e eu por não mudar a sorte
não mouro nem tenho vido.
Depois que meu cruel fado
destruiu uma esperança
em que me vi levantado,
no mal fiquei sem mudança
e do bem desesperado.
O coração que isto sente
à sua dor não resiste
porque vê mui claramente
que pois nasci para triste
já não posso ser contente.
Por isso, contentamentos,
fugi de quem vos despreza!
já fiz outros fundamentos,
já fiz senhora a tristeza
de todos os meus pensamentos.
O menos que lh'entreguei
foi esta cansada vida.
Cuido que nisso acertei
porque de quanto esperei
tenho a esperança perdida.
Gostos de mudanças cheios,
não me busqueis, não vos quero;
tenho-vos por tão alheios
que do bem que não espero
inda me ficam receios.
De vós desejo esconder-me
e de mim principalmente
onde ninguem possa ver-me;
que pois me ganho em perder-me
ando perdido entre a gente.
Acabar de me perder
fora já muito melhor:
tivera fim esta dor
que não podendo mór ser
cada vez a sinto mór.
Em tormento tão esquivo,
em pena tão sem medida
que moura ninguem duvida,
mas eu, se mouro, ou se vivo,
nem mouro nem tenho vida.
Inverti as quintilhas 5 e 7, assim como os versos 35 e 36 por o conteúdo e a rima o exigir assim. Nas Flores do Lima, a ordem não está perturbada. As variantes que notei sSo: derrubou (2); desconfiado (5); pera (9); cansam (25); acabar-me (41); por acabar uma dôr (43).
Os últimos dois versos do Mote occorrem na Carta escripta d’Africa a um amigo (estr. 17), a qual, a meu vêr, é apocrypha.
Prazeres que tenho visto,
onde se foram? qu’é d’elles?
Fôra-se a vida co’elles!
Não me vira agora nisto!
Vejo-me andar entr’a gente
Como cousa esquecida:
Eu triste, outrem contente,
Eu sem vida, outrem com vida.
Vieram os desenganos,
acabaram os receios:
Agora choro meus danos
e mais choro bens alheios:
passou o tempo contente,
e passou tão de corrida
que me deixou entr′ a gente
sem esperança de vida.
Depois que ando transformado
num cuidado que me obriga
a viver sempre enleado,
náo posso achar quem me diga
se sou perdido ou ganhado.
Nem por fé se me consente
que saiba parte de mim;
quem me tem, nega, e não mente,
que depois que me perdi
ando perdido entre a gente.
A alma que buscou lugar
que amor por seu fim lhe ordena,
bem se queria empregar,
mas ficou presa no ar
aonde anima e onde pena.
Nem ganhada nem perdida
posso d’ella saber nada,
nem de mi se alguem duvida
quem me dá vida emprestada,
nem morro nem tenho vida.
Não vês que estou desterrado
da vista de Alfea ausente?
e que vejo claramente
que estando d'ella apartado
já não posso ser contente?
Ques que arrecee morrer
como se sei que na vida
contente não posso ser,
e de Alfea me querer
tenho a esperança perdida!
Coração, põe cobro em ti,
e minha morte consente!
pois ves que depois que a vi
sem saber parte de mi
ando perdido entre a gente.
E pois vês meu mal esquivo
ter só na morte guarida,
venha com mortal ferida!
que vivendo como vivo
nem morro nem tenho vida.
264 Sonetos e Oitavas epigrammaticas em dialogo estavam muito em voga, principalmente em assumptos funebres. — Nas Obras de Camões ha varios:
Que esperaes, esperança? — Desespero.
Qu'estilla a arvore sacra? — Um licor santo.
Quem jaz no gram sepulcro que descreve.
Confiram os Sonetos:
Chorae, Nymphas, os fados poderosos (161)
— Ah minha Dynamene (172)
Debaixo d'esta pedra sepulcral (265)
e principalmente o inedito que publico na Nota 271.
265 Epigramma XXI da Ed. Academica, tambem em dialogo.
266 Impresso nas Poesias de Sá de Miranda N.° 122. Confira-se p. 420 e 841, Nota 9.
267 Talvez se lembrasse da Oitava de Montemór: Mirad, ninfas, la gran doña Maria.
268 As variantes do texto de Faria e Sousa, comparado com os impressos antigos e manuscriptos existentes, teem todo o caracter de emendas arbitrarias. Na 2.a quarteta relevou, como era de esperar, a pergunta: Como ficou sua luz? referindo-a ao convento e hospital da Luz!
269 No seu Panegyrico §75. João de Barros havia utilizado a mesma lembrança.
270 Arte de Galanteria p. 83. — Cf. Nota 220.
270b Para não sonegar argumento algum favoravel á interpretação de Faria e Sousa, registo aqui o facto que ha um Soneto inedito, attribuido a Camões, A' Morte da Princesa de Portugal, em dialogo como o que nos occupa.
Que gritos são os que ouço? — De tristeza.
Quem é a causa d'ella? — A morte só.
Tam grande mal nos fez? — Quebrou um nó.
Que nó? a quem atava? — A gentileza.
Era mais que fermosa? — Era Alteza.
Desfez-se em ouro? — Não! em terra, em pó!
Tambem é como nós? — Tambem! mas oh...!
Que gemes? — De perder a tal princesa.
Não ves que tudo é mundo? — Bem-no entendo.
Pois não te agastes! — Não m'o sofre a alma.
Que te consola aqui? — Na Vida vê-la!
Tam boa foi? — O reino o está dizendo.
Pois sabe que se cá levou a palma
Que lá terá tambem a palma d'ella.
(No verso 7, oh por só é emenda minha).
Mas o caso é diverso. A epigraphe falla claro. O texto tambem encerra indicações positivas (allesa, princesa). D. Juana, viuva do Principe de Portugal, morreu pouco depois da publicação dos Lusiadas (1573), quando o Poeta estava relativamente bem, graças à tença que D. Sebastião, filho da finada, lhe havia concedido. Tambem mal se pode duvidar conhecesse pessoalmente a mãe do seu bemfeitor, pois que a ella e ao Principe D. João, idolo de 1550 a 1553 dos poetas aulicos, havia dedicado a afectuosissima Egloga I.
272 O Cortigiano, emprestado em manuscripto a Vittoria Colonna, sahiu das mãos da illustre dama e foi espalhado em numerosas copias, contra a vontade do auctor que ainda não o dera por acabado. Sem insidia, bem se vê; unicamente em tributo de admiração e em virtude do incoercivel desejo de provocar os applausos dos amigos.
273 Confira se a Nota 115.
274 Com relação ao Poema de Santa Ursula consultem Storck, Vida § 139 e Sämtliche Gedichte vol. III, 362 ss.
275 Ed. 1595 N. 34. No Cancioneiro Juromenha ha uma epigraphe certamente secundaria, pois não indica o nome da destinataria: Soneto de Luis de Camões a uma senhora que por desastre se ateou o foguo de uma vella a sua face ou testa.
276 Vid. Pacheco f. 92 v. — Com respeito à filiação de D. Guiomar consulte-se a Hist. Gen. X 68 e Couto, Decada VII, 10, 17. D. Guiomar casou com D. Simão de Meneses, senhor de Louriçal. Sua irman D. Juana de Gusman, consorciou-se com Ruy Gonçalves da Camara, 1. Conde de Villafranca; a terceira, D. Isabel Henriques, com D. Affonso de Lencastre. — A respeito dos paes, D. Maria de Blaesvelt e D. Francisco Coutinho, 3.o Conde do Redondo, vid. Braamcamp, Brasões II 461. D. Luisa de Guzman, irman de D. Maria, casara com D. Affonso de Portugal, 2.° Conde do Vimioso (ib. 462).
277 Conde cujo illustre peito — Que diabo é tão danado — Vossa Senhoria creia.
278 Muito sou meu inimigo.
279 Ode VIII: Aquelle unico exemplo.
280 As indicações de Faria e Sousa nas Rimas 187 são inexactas e teem até hoje enganado todos os commentadores e biographos.
281 Hist. Gen, Provas II 615 e Resende, Vida do Infante D. Duarte Cap. 13.
282 A 10 de dezembro de 1541 Moraes mandava de Melun ao Conde de Linhares uma interessante carta, que o curioso encontra impressa nas Questões de Litteratura e Arte de Th. Braga, p. 254.
283 Visconde de Santarem, Quadro El-mentar III 283 e 304. Provavelmente regressou entre Dezembro de 1543 e Junho de 1544, voltando todavia a França no anno 1546, e em terceira viagem em 1549.
284 Em cartas intimas aos Condes de Linhares — ou antes ao primogenito dos Condes (D. Ignacio de Noronha) — o auctor do Palmeirim descrevia desassombradamente o que presenciava na Côrte francesa. E embora essas cartas não fossem lidas pelos reinantes, mais de um pormenor transpirou de certo e era commentado desvantajosamente, fazendo recrescer cada vez mais a antipathia de D. João II contra o que chamava «as facilidades da Côrte francesa». — Já mencionei a missiva de 10 de Dezembro de 1541, impressa por Th. Braga. Estão ineditas: a Relação das festas celebradas por occasião do desposorio de Jeanne d'Albret com Guilherme de Cleve (1541) e a das Exequias e Enterro de Francisco I (1546), e mais outra sobre assumpto português, o Torneio de Xabregas (1553) em que havia tomado parte o neto do 1.o Conde de Linhares, o joven D. Antonio de Noronha, discipulo e amigo de Camões, e outros mancebos nobres dos circulos freqüentados por Moraes, Caminha e Camões. Basta nomearmos João Lopes Leitão, Fernão da Silva, Gomes Freire e Francisco de Moura.
285 Romania XI 619.
286 Cap. 137 a 148: Da aventura que nestes dias houve no reino de França.
287 Impressa pela primeira vez em 1634.
288 Hoje não se conhece exemplar algum d'essa supposta edição, anterior a 1547, anno em que appareceu a versão castelhana.
289 A epistola-dedicatoria encontra-se na edição de 1592: « Prologo de Francisco de Moraes, auctor do livro, dirigido à Ill.ma e muito esclarecida Princeza D. Maria Infanta de Portugal, filha del Rey dom Manoel que santa gloria aja, e irmãs del Rey Nosso Senhor.» — Eis os louvores que tributa á joven filha de D. Manoel: « V. A., muy esclarecida Princesa, assi entre os grandes como na gente do geral estado nã será posta em esquecimento, que de tal calidade sam vossas virtudes que com igual afeição se pregoã. Isto nã sómente acontece aos naturaes de este reyno de que vós sois filha (a que por ventura o amor da natureza e del Rey Nosso Senhor e vosso irmão porá esta obrigação) mas ainda nos reynos estranhos e mais remotos de nossa conversação e uso tendes o mesmo nome e a mesma fama. Porém como louvar vossos costumes seja cousa tamanha que enfraquece o ingenho a quem nisso mete mão, desculpa seria se quisesse proseguir materia tam alta e perderme no começo, mas a obrigação em que estou a V. A. por filha da Raynha Christianissima de França, vossa may, de que já recebi merces, me faz algum tanto passar os limites de que a minha auctoridade em tal caso pode ter, e desejar fazer algum serviço a V. A., tal que quando no corresponder a vossa grandeza, seja igual ao que eu posso. » — Conta como se lembrou de compor o Palmeirim e de o dedicar à Infanta » « cousa que alguns ouverão por erro, affirmando que historias vias não hão de ter seu assento tam alto. » — « traduzi-a em português assi por me parecer que sastifaria vossa inclinação. »
290 Estas expressões encontram-se de facto no Palmeirim. Mas tambem em outros textos, como p. ex. na Menina e Moça de Bernardim Ribeiro.
291 Palmeirim, Cap. 109.
292 Ib., Cap. 53.
293 Nos textos camonianos, esses versos vão encabeçados apenas das palavras Tenção de Miraguarda, que poucos leitores modernos interpretarão desde logo de maneira plausivel. Afim de as esclarecer, extracto do romance de Francisco de Moraes as passagens seguintes: «e indo contra a porta do castello a achou cerrada de todo, e no alto della, qu'era de pedraria, viu hum escudo de marmore encaixado na mesma pedra, e posta nelle em campo huma imagem de molher, tirada pelo natural da que vira no campo, tanto ao proprio que nam soube fazer nenhuma deferença d'huma a outra. Tinha no regaço humas letras brancas que deziam: Miraguarda. E bem lhe pareceo que aquelle seria seu proprio nome, e bem conheceo que o nome dezia verdade, que a senhora era muito pera ver e muito mais pera se guardarem della. Mas a tençam porque as letras alli se poseram nam era esta, se nam porque se guardassem do gigante Almourol, senhor d'aquelle castello, de quem depois tomou o nome; que ele as pos ali para mostrar que a ymagem do escudo era pera a verem, e elle pera se guardarem delle» (I c. 53). «Senhora, disse Daliarte, o nome he Miraguarda, e o seu parecer tal que quem bem o sentir olha-lo ha para ver o que nunca vio e goardar se-ha por nam cahir nos perigos que dahi lhe podem nacer» (c. 50) «Miraguarda, he senhora, vosso nome: quem vollo assi pos, ou naceo coa vontade livre, ou teve o juyzo fraco pera sentir o que disse, que nam sei quem vos veja que depois se queira guardar de vos ver (ou se quizer nam sey se poderá) (c. 51). Vid. C. M. de Vasconcellos, Versuch über den Ritter-romon Palmeirim de Inglaterra, Halle 1883 (p. 29).
294 Se Natercia não era a destinataria, devemos suppor que a artificiosa glosa foi composta antes da fatidica sexta-feira santa de 1544. No fervor da sua paixão ideal por D. Catharina de Ataide, o Poeta mal podia ter fallado a outra Tagide do modo seguinte, jurando
Que mór bem me possa vir
Que servir-vos, não o sei.
Pois que mais quero eu pedir,
Se quanto mais vos servir
tanto mais vos deverei?
295 Não sei de Salva alguma com representações do Palmeirim, mas de varias com scenas do Cavalleiro do Cirne, da Celestina e outras figuras evidentemente de cavallaria, mas que não é facil interpretar.
296 Tambem ha colchas figuradas com reminiscencias da Idade-media e antiguidade. Uma conheço eu que creio bordada nas salas de lavor da Infanta, sobre esboços ou indicações de Francisco de Hollanda. Vi-a em tempos no paço das Necessidades, entre as preciosidades de D. Fernando.
297 Entre essas obras citarei, por ser pouco conhecido, o Poema del Alma, i. é o lindo conto de Apuleio, nacionalizado por Juan de Mal Lara, e dirigido al alma de España, i. è á la muy alta y muy poderosa Señora D. Junna, Infanta de las Españas y Princesa de Portugal, com elogios á eximia belleza e pudicicia da sua psyche. — Só as obras offertadas a D. João III, D. Catharina, os Infantes D. Luis, D. Affonso, D. Duarte, D, Henrique, o Senhor D. Duarte, o Principe D. João, D. Juana e D. Sebastião constituem uma valiosa collecção.
298 Não percamos a esperança de um dia apparecerem os roes das despesas da Infanta com noticias sobre a sua livraria, tão valiosas como as que Sousa Viterbo publicou com relação à Rainha.
299 Obras de João de Barros, Resende, Montemór, Jorge Ferreira de Vasconcellos, Francisco de Moraes, Bernardes, Gaspar Barreiros (?), Azpilcueta Navarro, Manoel da Costa, Ignacio de Moraes, Luisa Sigea.
300 E o auctor do Jardim de Portugal quem assim o affirma (p. 476), e na sua pista varios escriptores modernos, como p. ex. o Conde de Villa-Franca. Não consegui vêr exemplar algum da 1.a, nem tão pouco da de 1566. Por isso nada posso accrescentar.
301 A data 1572 (que não é apenas a da impressão, mas tambem da Carta-Prologo), mostra claramente que a destinataria era filha de D. Manoel.
302 Hist. Gen., Provas VI, 391 e II 197. Entre os magnates que Antonio de Castro ensinou, avultam o Duque de Coimbra, D. Pedro de Meneses e D. João Manuel.
303 Gregorii Baetici Illiberitani Episcopi De Trinitate et Fide. — Cf. Pacheco f. 135 e Nic. Ant. 1 3. — Quanto ao Poema latino, que o biographo da Infanta lhe attribue erroneamente, veja-se Barbosa Machado 1, 9 e 11 414. Para caracterisar a extrema liberdade com que o traductor castelhano tratou o original latino, direi que num dos troços introduziu o nome do pseudo-auctor. Caliope, vendo que o poeta não reconhece a Infanta, dirige-lhe a allocução seguinte:
Tan rustico poeta, disse, oh Estacio
Tu entre poetas celebrado Aquiles,
En la flor de tus años jubeniles
Eres que de tu patria peregrino,
El astro mas luziente de palacio
No conoces con rostro tan divino?
O original dizia apenas: satis tu rusticus inquit Es vates, patria ignarus, patrique decoris.
304 Já deixei citada a obra de Luciano Cordeiro na Nota 13.
305 Sanchez Moguel dedicou um estudo a S. Francisco de Borja; o Visconde Sanches de Baena outro a Bernardim Ribeiro.
306 Visconde de Juromenha, unico auctor, que remette ao Nobiliario, não affirma ser do sec. XVI, o que me parece significativo. Apenas regista o facto que em fev. de 1649 o Prior do Hospital do Beato João de Deus de Montemór entregou ao Chantre Manoel Severim de Faria a Genealogia dos Silvas, em que se lia a Lenda de Jorge da Silva.
307 Os que com mais acerto trataram dos Silvas desconheceram ou desprezaram a anecdota. Citarei apenas Salazar (Casa de Silva VIII, 7), Anselmo Braamcamp Freire (Brasões de Cintra) e um Nobiliario dos Silvas, ms. de fins do sec. XVI ou principios do sec. XVII, que possuo. Sobrio e em geral exacto, constitue excepção á regra de o genealogista ser mentiroso por indole e officio ou por vaidade e parvo geralmente de nascença — regra antiga com muita graça resuscitada pelo Cicerone da Sala de Cintra.
308 Juromenha IV 452. De lá passou para a Historia de Camões, de Th. Braga, 125 ss.; para as obras de Wilhelm Storck Vida § 138 e 165; id. Obras Completas de Camões, vol. I 381 e 399, sem lhes merecer reparos. Creio ter sido a unica que levantou duvidas sobre a sua veracidade na Zeitschrift VIII p. 13.
309 Hoje o antigo proverbio é citado em geral na variante: Papagaio perdeu a pena; não ha mal que lhe não chegue. Conheço mais tres variantes: Quando ao gavião lhe cae a pena, tambem the caem as asas; Oliveira não tem folha, o pavão lha comeu toda, e O' pavão cahiu-lhe a pena, não ha mal que lhe não venha. Mulher do povo que cite est'ultima, á vista de qualquer ave de Juno em muda, costuma entoar logo a quadra:
Coa pena do pavão
E sangue de minhas veias
Hei de escrever ao meu amor
Que anda em terras alheias.
As Oitavas VII sobre uma infeliz, presa no Limoeiro, contêem uma Petição ao Regedor, escripta provavelmente em 1572. N'esse anno quem exercia o cargo era um sobrinho de Jorge: Lourenço da Silva, primogenito de seu irmão mais velho, Diogo da Silva. Cf. Nota 313.
310 O primeiro Conde de Linhares (1551) casara com D. Joanna da Silva, filha do primeiro Conde de Portalegre; e Camões era servidor d'esses titulares.
311 Na Carta da India ha outro pequeno e singelo improviso sobre o mesmo mote, mais sentido que o primeiro. Creio que se refere, entre lagrimas brincando, ás tristezas do proprio poeta:
Em um mal outro começa
Que nunca vem só nenhum,
E o triste que tem um
A sofrer outro se ofreça!
E só pelo ter conheça
Que basta um só que tenha
Para que outro lhe venha!
Estas Trovas andam intercaladas entre una poesia humoristica a João Lopes Leitão e os versos galantes a D. Guiomar de Blasfé.
312 E' escusado insistir no facto que fidalgo tão illustre teve mil occasiões de se aproximar da Infanta. Um irmão de Jorge, Ruy Pereira da Silva, em 1549 guarda-mór do Principe, teve um filho Fernando, o qual era da casa da Infanta. Vid. Andrade, Chronica de D. João III, Parte IV, cap. 381 e Pacheco f. 91. Provavelmente depois da morte do Principe, cujo pagem fôra.
313 cargo, hereditario na familia, costumava passar de pae a filho. O Regedor João da Silva morreu em 1557, um anno após seu primogenito Diogo da Silva, que era considerado herdeiro do cargo. O filho d'este, Lourenço da Silva, chefe natural da casa de Vagos, entendia que o cargo tambem lhe pertencia de direito. Teve todavia que disputá-lo em longa demanda a Jorge, que apoiado pela Rainha, entendeu que o fallecimento de Diogo, antes do avô, lhe dava a elle, Jorge, a preferencia, por ser filho segundo do Regedor. Lourenço venceu porém o pleito, no reinado de D. Sebastião (1568), e provou pelo acerto e inteireza do seu proceder que tambem era digno das elevadas funcções tradicionaes na familia. Vid. Joaquim de Vasconcellos, O Convento de S. Marcos em Rev. de Guimarães XIV, p. 69. — Jorge era, segundo o parecer de uns, filho segundo; no de outros Ruy Pereira o precedeu em idade. Neste caso a razão porque esse não reclamava o posto seria falta de estudos juridicos?
314 Andrade, Chronica IV cap. 38.
315 Ver os Chronistas de D. Sebastião, como p. ex. D. Manoel de Meneses, p. 45 e os especialistas da Jornada de Africa. Tão velho, fraco e doente estava que era transportado numa liteira, a historica liteira em que o corpo del-rei foi levado do campo de batalha. Mesmo o Regedor Lourenço, seu sobrinho, que tambem ficou no campo de honra, com tres ou quatro irmãos, já era na occasião de veneravel presença.
316 Acerca da igreja e do convento veja-se o estudo supra-citado de Joaquim de Vasconcellos e outro do mesmo na publicação A Arte e a Natureza em Portugal, Porto 1901, N.o 2.
317 E' o que dizem os historiadores. Em 1557 Jorge desempenhava as funcções de Regedor. A' morte de D. Manoel fôra presente o Regedor João. Creio que o ceremonial exigia essa presença do magistrado supremo das Justiças.
318 Innocencio da Silva IV 176 e XII 184; Canc. d'Evora 56. — Falcão de Resende dedicou-lhe um Soneto, mandando-lhe os versos de S. Bernardo.
319 Andrade, 1. c.: «De Jorge da Silva, filho do mesmo regedor João da Silva, hum dos tres primeyros no serviço do Principe, se não tratou por então, por elle ter tomado hum modo de vida com que parecia que tinha renunciado a tudo o que da corte se podia esperar.» Outros auctores especializam, narrando que naquella epoca punha todo o seu desvelo em soccorrer diariamente os desvalidos com largos donativos.
320 Os seus escritos sahiram de 1552 a 1557. Não sei se erro, calculando a epoca de maior fervor religioso de 1548 a 1556.
321 Barbosa Machado falla de dois casamentos. Enganam-se os que consideram D. Luis de Barros como filha do historiador. A esposa d'este não se chamou Filipa de Mello; mas antes Maria de Almeida, dos Almeidas de Pombal e Linhares. Cf. Nota 326.
322 Pelos dados que nos ministram os historiadores (incluindo Frei Luis de Sousa, nos Annaes e na Hist. de S. Domingos) e auctores genealogicos como Salazar (VIII c. 7 e 9), fallando unanimes da sua velhice e tratando-o de ancião muito virtuoso e santo, calculei que nasceria em 1508, pouco mais ou menos, e assim o apontei na Zeitschrift 1. c. (O pae viveu de 1482 a 1557). Manuscriptos relativos ao Convento de S. Marcos indicam todavia, indirectamente, data um tanto posterior. Exarando 1511 como anno do nascimento do primogenito do Regedor, e 1517 como o do 4.o filho João Gomes da Silva (fall. em 1543, na idade de 26) obrigam-nos a collocar os principios de Jorge em 1513, se foi filho 2.°, ou em 1515, a terem razão os que lhe dão o terceiro logar.
323 Outro, ou outros. Além dos dois citados, conheço um Jorge da Silva, filho de Ruy Pereira, e outro, filho de Lourenço, o qual, captivo na batalha de Alcacere, falleceu depois em Africa. Vid. Hist. Gen., XI, 719 e 924; XII, 97; S. Marcos, 70.