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A queimada (Paulo Setúbal)

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A Queimada! A Queimada! é uma fornalha!
A irara pula, a cascavel chocalha.
CASTRO ALVES.

Agôsto. Pôr de sol. Paisagem silenciosa.
A natureza inteira, aos poucos, adormece.
Triste e vago é o planger da hora vesperal.
De súbito, na mata, eleva-se, medrosa,
Crespa serpe de fogo. Aumenta. Engrossa. Cresce.
E expande-se, num surto, ao seco matagal!

É a queimada! a queimada! É a rubra carbonária
Que vem, de archote em punho, em meio à ramaria,
Desencadeando a fúria o ímpeto das chamas.
Conflagra. Ruge. Sobe aos troncos. E, incendiária,
Vomita fogo, enraiva as flamas, desvaria,
Os caules despenhando e calcinando as ramas!

Nada resiste, nada, ao seu furor sanhudo:
Perobas, guarantãs, jequitibás, paus-d'alho,
Belos troncos anciãos, troncos patriarcais,
Um século a ensombrar o mato verde e rudo,
Um século a florir os seus robustos galhos,
Onde cantaram sempre os ninhos e os casais,
Tudo flameja e rue ao vórtice nefando.
Os animais, fugindo, escondem-se trementes;
Voam, tontas no espaço, as aves com terror;
Um mar de cinza ulula, crepitando;
Estalam os cipós; chocalham as serpentes;
E estouram os bambus rachando com fragor.

O ar sufoca e pesa; a fumarada voa.
E a sublime beleza horrível da queimada,
Atinge o áureo esplendor de sua destruição.
Chispam fagulhas no ar; o grande incêndio atroa;
E a escampada planície esplende, iluminada,
Ao sombrio fulgor do vermelho clarão!

Ah! Quem pudesse ouvir, nessa soturna festa,
O que diria, ardendo, a alma da floresta!
Ah! Quem pudesse ouvir os íntimos gemidos,
As lágrimas, a dor, os uivos, os lamentos
Que soltaria então o coração das matas,
A sentir e a escutar os baques e estampidos
Das árvores, ruindo em tombos violentos,
Na voragem feroz das chamas escarlatas!

E a noite, a clara noite, ouvindo, constelada,
O ribeirão passar, águas negras, aos roncos.
Povoando a solidão de incompreendido choro,
Como para abençoar a sinistra queimada,
Por sobre aqueles mil cadáveres de troncos,
— Desenrolava o manto azul broslado de ouro....



Um ano após, dourando os campos, florescia
Bela roça de milho aos trilos dos casais.
Do seio bom da terra a vida ressurgia,
Na verde floração dos tenros milharais.

Cantando, novamente, os pássaros voavam;
Ao vento, que zunia, as hastes se encurvavam;
E dos ramos da flor, da clara luz do dia,
Dos cantos dos sabiás e das espigas louras,
Remontavam ao céu os ritmos de alegria
Que sobem das lavouras!



A Morte é assim como a queimada.
Brandindo a sua negra espada,
Esmigalha, passando, os altos potentados,
Os príncipes e reis, os sábios e oradores,
Os generais de gênio, os poetas aureolados,
— Fortes cerebrações de grandes pensadores.

Mas, por sobre os troféus que vai deixando a Morte,
Sobre os destroços bons da geração que passa,
Sobre o que cobre e tampa a brancura das lousas,
Uma outra geração ressurge inda mais forte,
Renasce, com mais vida, outra mais bela raça,
Na eterna evolução dos homens e das coisas...