Espumas Flutuantes (1913)/A uma taça feita de um craneo humano
Não recues! De mim não foi-se o espirito...
Em mira verás — pobre caveira fria —
Unico craneo, que ao envez dos vivos,
Só derrama alegria.
Vivi! amei! bebi qual tu. Na morte
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.
Mais val guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
— Taça — levar dos deuses a bebida,
Que o pasto do reptil.
Que este vaso, onde o espirito brilhava,
Vá nos outros o espirito accender.
Ai! Quando um craneo já não tem mais cerebro,
Podeis de vinho o encher!
Bebe, emquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Póde do abraço te livrar da terra,
E ebria folgando profanar teus ossos.
E por que não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dôr ahi repousar?
É bom, fugindo á podridão do lodo,
Servir na morte emfim p′ra alguma cousa!...
Bahia, 15 de Dezembro de 1869.