Abrindo féretros (grafia de 1898)

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Agora, que deixei para lá, na plebéa rua, a philaucia e a mordacidadesinha do inquallificavel cretino; agora, que consigo sacudir-me á vontade da poeira da frivolidade dos caminhos; que já estou, afinal, longe dos perturbadores, vampiricos contacto execrandos, posso, talvez, fechando-me nos meus secretos isolamentos, nas minhas solemnes abstracções, concentrando-me, afinal, penetrar serenamente no Além, debruçar-me transfigarado no Mysterio.

Sinto mesmo que o Mysterio chama-me, elle chama-me, atravéssa-me com os seus subtis e poderosos philtros.

Dilue-se na aitmosphéra do meu ser uma luz doce, dolente, meiga tristeza de leves nuanças violaceas que deve ser melancolia...

Aceendem-se e ficam crepitando, ardendo, todos os altos cyrios sagrados da velada capella

da minh'alma onde, o meu passado e morto
Amor, como o Santissimo Sacramento, está exposto.

Lampada por lampada vae tambem se accendendo o langue, unctuoso luar das lampadas, como nas azuladas e scintillantes arcarias da Via-Lactea estrella por estrella.

E, neste tom do Angelus da minh'alma, nesta surdina vesperal, coméçam as litanias vagas, as preces desoladas por Apparições que só a vara mágica da contricta saudade e da espiritualidade pura sabe fazer desencantar e resurgir nimbadas de transfulgentes lagrimas e luzes...

Sinto-me afinado por uma musica de luar e lyrios, por uma etherificação de beijos celestes.

E, a meu pezar, sáe da minha bocca, como de uma cova do esquecimento, este doloroso, ancioso clamôr:

— Ó mármore impenetrável do Sepulchro! palpita! canta! abre-te em veias! E que por essas veias corra e estue a caudal infinita do sangue leonino e virgem das grandes forças creadoras da Belleza! Ó mármore misérrimo! ó matéria misérrima! Escuta-me, ouve-me, sente-me!

Sensibilisa-te, espiritualisa-te, vibratibilisa-te...