Espumas Flutuantes (1913)/Ahasverus e o Genio
Sabes quem foi Ahasverus?... — o precito,
O misero Judeu que tinha escripto
Na fronte o sello atroz!
Eterno viajor de eterna senda...
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde á vingadora voz!
Miserrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande... o forasteiro
Não teve onde pousar.
Co′a mão vazia — viu a terra cheia,
O deserto negou-lhe — o grão de areia.
A gotta d′agua — rejeitou-lhe o mar.
D′Asia as florestas — lhe negaram sombra,
A savana sem fim — negou-lhe alfombra,
O chão negou-lhe o pó!...
Tabas, serralhos, tendas e solares...
Ninguem lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde, entre tantas populaças,
Beijar uma só mão...
Desde a virgem do norte á de Sevilhas,
Desde a ingleza á crioula das Antilhas
Não teve um coração!...
E caminhou!... E as tribus se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! fazia tremer do valle á serra...
Elle que só pedia sobre a terra
— Silencio, paz e amor! —
No emtanto á noite, se o Hebreu passava,
Um murmurio de inveja se elevava,
Desde a flôr da campina ao colibri.
«Elle não morre» a multidão dizia...
E o precito comsigo respondia:
— Ai! mas nunca vivi! —
O Genio é como Ahasverus... solitario
A marchar, a marchar no itinerario
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos,
Vendo a sombra dos alamos frondosos...
E sempre a caminhar... sempre a seguir...
Pede uma mão de amigo — dão-lhe palmas;
Pede um beijo de amor — e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o misero de gloria em gloria corre...
Mas quando a terra diz: — «Elle não morre»
Responde o desgraçado: — «Eu não vivi!...»
S. Paulo, Outubro de 1868.