Alegre o dia em pompas festejadas

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A Luís de Sousa Freire
entrando de capitão de infantaria
nesta praça no tempo em que era
governador do Estado do Brasil
Alexandre de Sousa Freire

I
Alegre o dia em pompas festejadas
Nos estrondos das armas repetidos,
Entre aplausos de afetos bem nascidos,
Entre mágoas de invejas malcriadas:
Das militares turbas ordenadas
Feito esquadrão na Praça belicoso,
Brilha Apolo invejoso,
E quer formar por competências belas
Praça de luzes, esquadrão de estrelas.

II
Nas várias galas, que a Milícia airosa
Com bom gosto traçou, vestiu com graça,
Entre as cores do adorno a mesma Praça
Parece Primavera belicosa:
De sorte que por glória misteriosa
Flora, e Belona alegremente unidas,
Em armas aplaudidas,
Entre os caprichos da Milícia ornada,
Florida está Belona, Flora armada.

III
Sendo triste o valor por iracundo,
E sendo a guerra feia por esquiva,
Quando mortais ações aquele aviva,
Quando esta ostenta a Marte furibundo;
Hoje se veste com primor jucundo
Do que teceu Itália, Holanda, e França
A Militar pujança;
Hoje na pompa, que esta, e aquele encerra,
Fica alegre o valor, fermosa a guerra.

IV
No militar concurso o Deus vendado
Deseja acompanhar-vos, Freire belo,
E para retratar Márcio desvelo
De aljava, e frechas se oferece armado:
Hoje ser vosso Alferes alentado
Quisera Amor; e em fácil simpatia
Da bélica alegria
Ensaiando-se em uma, e outra prenda,
Venáb'lo a seta faz, bandeira a venda.

V
Vomitado o sulfúreo mantimento
Do fogoso arcabuz entre os sentidos,
Perdem-se nos estrondos os ouvidos,
E nos ares feridos geme o vento:
Parece tempestade, e no ardimento
Da pólvora se forja o raio errante,
Nuvens o militante
Esquadrão condensado, quando em giros
É relâmpago o ardor, trovões os tiros.

VI
Quantas bandeiras vedes despregadas
Por lisonja de bélicos empenhos,
Vos hão de ser felices desempenhos,
Inda hão de ser por vossa destra honradas:
Que sendo as inimigas castigadas,
Cingida a fronte de Apolíneo louro,
Com venturoso agouro
Tereis, logrando sempre igual vitória,
Não glória de troféus, troféus de glória.

VII
Quando a lança brandis heroicamente
No flórido verdor da gentileza,
Vos prognosticam todos na destreza
De general o cargo preminente:
Para apoio fatal da Lísia gente
Sereis na guerra Aquiles Lusitano
Contra o Império Otomano,
E mudareis por que ele se submeta,
Em bastão grave a desigual gineta.

VIII
Do veneno gostoso, bem que ardente.
Gloriosamente Vênus abrasada
Com dois motivos, tanto amor lhe agrada,
Se vos vê belo, se vos vê valente:
Renovando as memórias igualmente
De Adônis, e de Marte já queridos,
Ressuscita os sentidos,
E a vós só rende, quanto aos dois reparte,
Pois novo Adônis sois, e novo Marte.

IX
Cioso o Trácio Deus se convertera
Em nova Fera, que seu mal vingara,
Se em vosso peito o ardor não respeitara,
Se em vosso rosto o gesto não temera:
Com causas duas maior queixa altera
De dois agravos, pois de amor cioso,
Do valor receoso,
Vosso primor a Marte desabona,
Pois vos quer Vênus, pois vos quer Belona.

X
Na forja Lilibéia fatigado
Vulcano está, que Citeréia amante
Lhe pede um forte escudo rutilante
Para cobrir-vos, Freire, o peito amado:
Nas férreas oficinas ocupado,
Lhe falta o braço já, já nos suores
Correm rios de ardores,
E quando gota a gota estila a fronte,
Queima o ar, coze o ferro, abala o monte.

XI
Com sutil traça, com engenho agudo,
Competindo a fadiga, e sutileza,
Grava Vulcano por maior empresa
O brasão nobre no brilhante escudo:
Dos vossos ascendentes bem que mudo
As grandezas publica generosas,
Quando em ações famosas
Os vossos Sousas têm por Armas suas
As Régias Quinas, as partidas Luas.

XII
O semblante da guerra temeroso
Nos poucos lustros não vos mete horrores,
Bem que logreis nos anos os verdores,
Primeiro que varão sois valoroso:
Antecipais à idade o brio honroso,
Qual Águia, qual Leão sois parecido
No vôo, e no bramido,
Porque as feras despreza, e ao Sol se aprova,
Bem que novo Leão, bem que Águia nova.

XIII
Não obra em vosso peito o esforço tarde,
Já da guerra o rigor tendes bebido,
Que do exemplo de Avós já persuadido,
Vos ferve o sangue, o coração vos arde:
Em tão floridos anos vos aguarde
Feliz a sorte; e chegareis ditoso
A ser Herói famoso:
Que quando brilha o Sol no roxo Oriente,
Chega a luz clara ao pálido Ocidente.

XIV
Sabendo as artes do Mavórcio ofício,
A roda não temais da Deusa cega,
Que quando vosso ardor nele se entrega,
Já Mercúrio vos dita esse exercício:
Com sábio esforço, sem grosseiro vício
Vosso gênio será sempre afamado,
Das artes ajudado,
Dando Mercúrio contra a sorte avara
A firme base, a poderosa vara.

XV
De vosso tio Sousa esclarecido
Que as ações imiteis agora espero,
Que inda sente Marrocos horror fero,
Com que dos Africanos foi temido:
E em paga do valor sempre aplaudido
América governa venturosa
Na presença gloriosa,
Que a parte de dois mares satisfeita
África o teme, América o respeita.

XVI
Vede de vosso tio a clara história.
Com que valente, e sábio já se aclama,
Dando-lhe ilustremente a mesma fama
O templo altivo da imortal memória:
Sendo dele a virtude tão notória,
Emudece a calúnia de admirada,
E para avantajada
Glória sua, que o mérito lhe veja,
Vença o Mundo, honre a Fama, prostre a inveja.

XVII
Lenços lhe pinte Apeles excelente,
Estátuas lhe consagre Fidias raro,
Retrate Apeles seu esforço claro,
Esculpa Fídias seu saber prudente:
Porém não, que no Céu gloriosamente
Altas ações se escrevam de seu brio:
Que na fama confio,
Se hão de formar para memória delas
Tábua o Céu, pena o Sol, tinta as estrelas.
Canção, suspende o canto,
Que prometo afinar, se Febo inspira,
O Plectro humilde, a temerária Lira.