Amanheceu quarta-feira
1Amanheceu quarta-feira
com face serena, airosa
o famoso André Barbosa
honra da nossa fileira;
por uma, e outra ladeira
desde a marinha até a praça
nos bateu com tanta graça,
que com razões admirandas
nos tirou dentre as holandas
para levar-nos à caça.
2O lindo Afonso Barbosa,
que dos nobres Francas é,
por Filho do dito André
rama ilustre, e generosa:
já da campanha frondosa
os matos mais escondidos
alvoroçava a latidos,
quando nós de mal armados
à vista dele assentados
nos vimos todos corridos.
3Rasgou um porco da serra,
e foi tal a confusão,
que em sua comparação
menino de mama é a guerra:
depois de correr a terra,
e de ter os cães cansados
com passos desalentados
à nossa estância vieram,
onde casos sucederam
jamais vistos, nem contados.
4Estava eu de uma grimpa
vendo a caça por extenso,
não a fez limpa Lourenço,
e só a porca a fez limpa:
porque como tudo alimpa
de cães, e toda a mais gente,
Lourenço intrepidamente
se pôs, e ao primeiro emborco
mão por mão aos pés do porco
veio a cair sujamente.
5Tanto que a fera investiu,
tentado de valentão
armou-se-lhe a tentação,
e na tentação caiu:
a espada também se viu
cair na estrada, ou na rua,
e foi sentença comua,
que nesta tragédia rara
a espada se envergonhara
de ver-se entre os homens nua.
6Lourenço ficou mamado,
e inda não tem decidido
se está pior por ferido
da porca, se por beijado:
má porca te beije — é fado
muito mau de se passar,
e quem tal lhe foi rogar,
foi com traça tão sutil,
que a porca entre Adônis mil
só Lourenço quis beijar.
7Lourenço, na terra jaz,
e conhecendo o perigo
deu à porca mão de amigo,
com o que se punha em paz:
a porca, que é contumaz,
e estava enfadada dele,
nenhuma paz quis com ele,
mas botando-lhe uma ronca
por milagre o não destronca,
e inda assim chegou-lhe à pele.
8Ia Inácio na quatrilha,
e tão de Atônis blasona,
que diz, que a porca fanchona
o investiu pela barguilha:
virou-lhe de sorte a quilha,
que cuidei, que o naufragava:
porém tantos gritos dava,
que infeliz piloto em charco
a vara botava o barco,
quando o porco a lanceava.
9Inácio nestes baldões
teve tanto medo, e tal,
que aos narizes deu sinal
de mau cheiro dos calções:
trouxe na meia uns pontões
tão grandes, e em tal maneira,
que à guerra hão de ir por bandeira,
onde por armas lhe dão
em escudo lamarão
uma porca costureira.
10Miguel de Oliveira ia
com dianteira alentada,
de porcos era a caçada,
e o que fez, foi porcaria:
quando o bruto o investia,
ele com pé diligente
se afastava incontinenti,
com que o julgas desta vez
por mui ligeiro de pés,
e de mãos por mui prudente.
11Pissarro sobre um penedo
vendo a batalha bizarra
era Pissarro em piçarra,
que val medo sobre medo:
nunca vi homem tão quedo
em batalha tão campal;
porém como é figadal
amigo, hei de desculpá-lo,
com que nunca fez abalo
to seu posto um General.
12Frei Manuel me espantou,
que o demo o ia tentando,
mas vi, que a espada tomando
logo se desatentou:
incontinenti a largou,
porque soube ponderar,
que ficava irregular
matando o animal na tola,
de que só o Mestre-Escola
o podia dispensar.
13O Vigário se houve aqui
cuma tramóia aparente,
pois fingiu ter dor de dente,
temendo os do Javali:
porém folga, zomba, e ri
ouvindo o sucesso raro,
e dando-lhe um quarto em claro
os amigos confidentes,
à fé, que teve ele dentes
para comer do Javaro.
14Cosme de Moura esta vez
botou as chinelas fora,
como se ver a Deus fora
sobre a sarça de Moisés:
tudo viu, e nada fez,
tudo conta, e escarnece,
com que mais o prazer cresce,
quando o remedo interpreta
Lourenço, a quem fez Poeta
um amor, que o endoudece.
15Silvestre neste dia
ficou metido num nicho,
porque como a porca é bicho,
cuidou, que sapo seria:
mas agora quando ouvia
o desar dos derrubados,
mostrava os bofes lavados
de puras risadas morto,
porque sempre vi, que um torto
gosta de ver corcovados.
16Bento, que tudo derriba,
qual valentão sem receio,
pondo agora o mar em meio,
fugiu para a Cajaíba:
não quis arriscar a giba
nos afilados colmilhos
de Javardos tão novilhos,
e se o deixa de fazer,
por ter filhos, e mulher,
que mau é dar caça aos filhos?
17Eu, e o Morais as corridas
por outra via tomamos,
e quando ao porco chegamos,
foi ao atar das feridas:
co as mentiras referidas
de uma, e outra arma donzela
se nos deu a taramela;
nós calando, só dissemos,
se em taverna não bebemos,
ao menos folgamos nela.