Amo o silencio da noite

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Amo o silencio da noite,
O azul escuro do céo,
As densas nuvens errantes,
E seu pranto que verteu:
Então a terra se calla
E o mar bravio cedeu
E o negro mocho agoureiro
O seu canto emmudeceu.

Amo o silencio da noite,
Quando suave instrumento,
Nest’hora faz olvidar
Agro — passado tormento;
Quando leve sussurrando
Fresca aragem, brando vento,
Apressurado nos traz
Algum novo pensamento.

Amo o silencio da noite,
Quando em lua prateada,
Modulando amenos versos
Os dirijo á minha amada:
E quando todos dormindo,
Só eu vejo dispertada
A minha sorte cruel
Minha sorte malfadada.

Amo o silencio da noite,
Lembrando antiga paixão,
Sonhando os sonhos de amor
Que gosou meu coração:
Oh! então sinto e lamento
Só ficar recordação
Dessa agora já volvida
Meiga, terna sensação.

Amo o silencio da noite,
Quando contemplo a dormir,
O somno de um innocente,
Que dorme sem o sentir:
Que só idéas fagueiras
Em sonhos lhe podem vir
E que dos males da vida
Não sentio o seu pungir.

Amo o silencio da noite,
Quando donzella formosa,

Meiga, triste e pensativa,
Na voz languida e mimosa,
Solta gemidos aos céos
Aguardando mui saudosa
Por seu bem, que em longes terras,
Vive vida tão penosa.

Amo o silencio da noite,
Quando de Deus Creador,
Contemplo o immenso poder,
Seu grande e infinito amor:
Então ufano quizera
Ser sublime trovador,
Que dedicára a meu Deus
Doces cantos de primor.

E já que a lyra não vibro
Com sonóra melodia,
Cantarei como cantou
Poeta d’alta magia:
«Como é bello este silencio
«Da terra todo harmonia,
«Que aos céos a mente arrebata,
«Cheia de meiga poesia:»