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Antes que cases.../VI

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— Juras então que me amas?

— Juro.

— Até à morte?

— Até à morte.

— Também eu te amo, minha querida Ângela, não de hoje, mas há muito, apesar dos teus desprezos...

— Oh!

— Não direi desprezos, mas indiferença... Oh! mas tudo lá vai; agora somos dois corações ligados para sempre.

— Para sempre!

Neste ponto ouviu-se um rumor na casa de Ângela.

— Que é? perguntou Alfredo.

Ângela quis fugir.

— Não fujas!

— Mas...

— Não é nada; algum criado...

— Se dessem por mim aqui!

— Tens medo?

— Vergonha.

A noite encobriu a mortal palidez do namorado.

— Vergonha de amar! exclamou ele.

— Quem te diz isso? Vergonha de me acharem aqui, expondo-me às calúnias, quando nada impede que tu...

Alfredo reconheceu a justiça.

Nem por isso deixou de meter a mão nos cabelos com um gesto de aflição trágica, que a noite continuava a encobrir aos olhos da formosa viúva.

— Olha! o melhor é vires à nossa casa. Autorizo-te a pedir a minha mão.

Conquanto ela já houvesse indicado isto nas cartas, era a primeira vez que formalmente o dizia. Alfredo viu-se transportado ao sétimo céu. Agradeceu a autorização que lhe dava e respeitosamente beijou-lhe a mão.

— Agora, adeus!

— Ainda não! exclamou Alfredo.

— Que imprudência!

— Um instante mais!

— Ouves? disse ela prestando o ouvido ao rumor que se fazia na casa.

Alfredo respondeu apaixonada e literariamente:

— Não é a calhandra, é o rouxinol!

— É a voz de minha tia! observou a viúva prosaicamente. Adeus...

— Uma última coisa te peço antes de ir à tua casa.

— Que é?

— Outra entrevista neste mesmo lugar.

— Alfredo!

— Outra e última.

Ângela não respondeu.

— Sim?

— Não sei, adeus!

E libertando a sua mão das mãos do namorado que a retinha com força, Ângela correu para casa.

Alfredo ficou triste e alegre ao mesmo tempo.

Ouvira a doce voz de Ângela, tivera nas suas a sua mão alva e macia como veludo, ouvira jurar que o amava, enfim estava autorizado a pedir-lhe solenemente a mão.

A preocupação porém da moça a respeito do que pensaria a tia afigurou-se-lhe extremamente prosaica. Quisera vê-la toda poética, embebida no seu amor, esquecida do resto do mundo, morta para tudo o que não fosse o bater do seu coração.

A despedida sobretudo pareceu-lhe repentinamente demais. O adeus foi antes de medo que de amor, não se despediu, fugiu. Ao mesmo tempo esse sobressalto era dramático e interessante; mas por que não conceder-lhe segunda entrevista?

Enquanto ele fazia estas reflexões, Ângela pensava na impressão que lhe teria deixado e na mágoa que por ventura lhe ficara da recusa de uma segunda e última entrevista.

Refletiu longo tempo e resolveu remediar o mal, se mal se podia aquilo chamar.

No dia seguinte, logo cedo, recebeu Alfredo um bilhetinho da namorada.

Era um protesto de amor, com uma explicação da fuga da véspera e uma promessa de outra entrevista na seguinte noite, depois da qual ele iria pedir-lhe oficialmente a mão.

Alfredo exultou.

Nesse dia a natureza pareceu-lhe melhor. O almoço foi excelente apesar de lhe terem dado um filet tão duro como sola e de estar o chá frio como água. O patrão nunca lhe pareceu mais amável. Todas as pessoas que encontrava tinham cara de excelentes amigos. Enfim, até o criado ganhou com os sentimentos alegres do amo: Alfredo deu-lhe uma boa molhadura pela habilidade com que lhe escovara as botas, que, entre parênteses, nem sequer levavam graxa.

Verificou-se a entrevista sem nenhum incidente notável. Houve os costumados protestos:

— Amo-te muito!

— E eu!

— És um anjo!

— Seremos felizes.

— Deus nos ouça!

— Há de ouvir-nos.

Estas e outras palavras foram o estribilho da entrevista que durou apenas meia hora.

Nessa ocasião Alfredo desenvolveu o seu sistema de vida, a maneira por que ele encarava o casamento, os sonhos de amor que haviam realizar, e mil outros artigos de um programa de namorado, que a moça ouviu e aplaudiu.

Alfredo despediu-se contente e feliz.

A noite que passou foi a mais deliciosa de todas. O sonho que ele procurara durante tanto tempo ia enfim realizar-se; amava a uma mulher como ele a queria e imaginava. Nenhum obstáculo se oferecia à sua ventura na terra.

No outro dia de manhã entrando no hotel, encontrou o amigo Tibúrcio; e referiu-lhe tudo. O confidente felicitou o namorado pelo triunfo que alcançara e deu-lhe logo um aperto de mão, não podendo dar-lhe, como quisera, um abraço.

— Se soubesses como vou ser feliz!

— Sei.

— Que mulher! que anjo!

— Sim! é bonita.

— Não é só bonita. Bonitas há muitas. Mas a alma, a alma que ela tem, a maneira de sentir, tudo isso e mais, eis o que faz uma criatura superior.

— Quando será o casamento?

— Ela o dirá.

— Há de ser breve.

— Dentro de três a quatro meses.

Aqui fez Alfredo um novo hino em louvor das qualidades eminentes e raras da noiva e pela centésima vez defendeu a vida romanesca e ideal. Tibúrcio observou gracejando que lhe era necessário primeiro suprimir o bife que estava comendo, observação que Alfredo teve a franqueza de achar descabida e um pouco tola.

A conversa porém não teve incidente desagradável e os dois amigos separaram-se como dantes, não sem que o noivo agradecesse ao confidente a animação que lhe dera nos piores dias do seu amor.

— Enfim, quando a vais pedir?

— Amanhã.

— Coragem!