Suspiros poéticos e saudades (1865)/Ao Emo Sor José Joaquim da Rocha, etc

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Ao Ilmo e Exmo Sr. José Joaquim da Rocha, [1]

Dignatário da Imperial Ordem do Cruzeiro, deputado da ex-Assembléia Constituinte do Brasil, ex-ministro Plenipotenciário nas cortes de Paris e de Roma etc.

Os serviços que prestastes à Pátria; o amor, e o respeito que vos consagram os brasileiros residentes em Paris; o título de Pai com que eles vos honram; o seu legítimo pesar, e as lágrimas que vistes correr de seus olhos, no momento em que deles vos separastes, que bem previam eles que um vácuo tinha de ficar em seus corações; são os jus­tos motivos que me inspiraram estes mesquinhos versos, que hoje vos ofereço. Possam eles ser tão gratos à vossa alma, como a todos nos será grata a vossa lembrança.

Roma, abril de 1835

XXVI.


Folga minha alma, quando se me antolha
A cândida virtude,
E Varões dignos de louvor me indica.
Eu prostro-me a seus pés venerabundo;
Que a mente minha, de louvar ansiosa,
Encômios jamais nega à heroicidade.

Apareça quem já colheu aromas,
Que impura a minha destra
Nas aras da lisonja profanara.
Descerra os lábios, rígida virtude,
Diz se ouvidos teus já se irritaram,
Se coraste de pejo ao ouvir meus cantos?


Não, não, tu me respondes; fiel sempre
Aos sacros meus ditames,
Hinos teceste à Pátria, à Liberdade,
E a Varões beneméritos, que eu prezo.
Canta, canta; que é esse o único prêmio
De quem sem egoísmo à Pátria serve.

Orgão é da verdade a consciência;
E da virtude é órgão
O coração que fala, e nunca mente.
Firme Varão, imóvel nas tormentas
Que vezes o Brasil amedrontaram,
Rocha, quem no Brasil teu nome ignora?

Tu foste um dos primeiros que firmaram
A Independência nossa.
De tua alma o vigor, e o entusiasmo,
Os povos animavam, que te ouviam;
E unindo-se em prol da augusta causa,
Para ser seu apoio te escolheram.


Quando a injustiça e a ingratidão armadas
Os raios da vingança
Contra os Varões da Pátria fulminaram,
Salvo não foste, não; a Pátria viu-te,
Inda no seu desmaio, com teus filhos
Inocentes, marchar ao injusto exílio.

Quem não sabe que a morte te aguardava,
Dura, afrontosa morte,
Nessa terra, onde algemas se forjavam
Para o Brasil escravizar de novo?
Quem perfídia tão negra não conhece,
E os intentos da cega tirania?

Da sorte das Nações só Deus decide.
Quando elas o invocam,
E credoras se fazem do que aspiram,
Deus um Anjo velar sobre elas manda;
Esse Anjo tutelar não mais as deixa,
Esse Anjo é quem contrários planos burla.


Por milagre desse Anjo salvo foste;
Por milagre desse Anjo
Cem, e cem vezes o Brasil foi salvo
Das cruas garras de cruéis abutres;
Só por milagre dele em breve espero
Ver o Brasil subir à mor altura.

Oh! que doce é no meio dos perigos
De horrenda tempestade,
Já lânguido de fome, e de fadiga,
Ver aberta numa onda a sepultura,
E armada contra si dura companha [2]
Exclamar: — Tudo sofro pela Pátria!

Outro tanto dizer muitos não podem.
Digno tu és de inveja!
Ah! se invejosos tens, eu os desculpo.
Sempre a inveja assim foi; sempre ela investe
A quem mais por virtudes se distingue;
Sempre vilões Aristides tiveram.


Mas quando a imparcial posteridade,
Que só a láurea outorga
A quem por ações nobres merecera,
Teus títulos julgar, ela gostosa
Tecerá teus encômios; e o meu hino
Á memória dos homens será grato.

Quem deu fulgor ao sol, deu alma ao homem,
Também cobriu os campos
Co'o brilhante matiz de lindas flores;
Nem porque de mil sóis mantém a ordem,
Desleixa as pequeninas criaturas
Ao acaso, sem lei, sem um instinto.

Assim o homem digno de tal nome,
Que memorandos feitos
Em prol da Humanidade praticara,
Não despreza as domésticas virtudes;
Aquelas de imortal glória o revestem,
Estas o resplendor da glória esmaltam.


Quantos o Mundo viu Coriolanos,
Que o esclarecido nome
Infamaram depois com ações negras?
Tu porém sempre firme, sempre o mesmo,
És à Pátria fiel, e a vida tua
Sempre tem sido de virtude exemplo.

Abril de 1835

Notas do autor[editar]

  1. Já não existe: mas seu nome caro a todos os que o conheceram, vivirá na nossa historia.
  2. Não ficção poética, mas realidade encerram estes versos: que na viagem para o lugar do exílio, depois de horrível tempestade, e já perto de Vigo, elevou-se a tripulação contra o commandante e os passageiros.