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As Doutoras/I/VI

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Personagens: OS MESMOS, BACHAREL MARTINS e CARLOTA

MARTINS (Cumprimentando a todos.) — Cheguei talvez um pouco tarde?

DR. PEREIRA — O meu amigo chega sempre em tempo.

MARTINS — Hão de permitir-me que lhes apresente a Senhora Dona Carlota de Aguiar, estudante do 5º ano da Faculdade de Direito de São Paulo e futura bacharela em Direito.

CARLOTA (Apertando a mão de Dona Maria e do Doutor Pereira.) — Apresento à ilustre doutora a curvatura de meus respeitos. (Apertam-se as mãos.)

LUÍSA — Já a conhecia muito de nome como um dos mais brilhantes talentos da moderna geração.

CARLOTA — E o que direi eu da mulher duas vezes ilustre pela inteligência e pela coragem titânica com que acaba de abater a muralha ciclópica dos preconceitos tacanhos? Vossa Excelência é o alfa desta conquista sociológica que veio desfraldar aos ventos sul-americanos a bandeira imaculada da nossa redenção.

MARTINS (Para Maria Praxedes.) — Fala admiravelmente bem.

MARIA — É uma canária!

MARTINS — Que talento!

MARIA — Está-se vendo que é de força!

LUÍSA — Entretanto o passo que acabo de dar tem sido por tal forma comentado pela opinião..

CARLOTA — Não creia, minha senhora! Vossa Excelência está subpedânea no conceito público.

DR. PEREIRA — Eu assim o entendo.

CARLOTA — A minha situação é que se vai tomando um amálgama acéfalo, incongruente e esfacelado de lutas de direito, com pequenos interesses masculinos.

LUÍSA — Como assim?

CARLOTA — Ainda não recebi a investidura do meu grau, ainda não tive a posse do tibi quoque e já o magnânimo Instituto dos Advogados levanta a questão de nós mulheres podermos exercer a advocacia e os demais cargos inerentes ao bacharelado em Direito.

LUÍSA — Parece incrível!

CARLOTA — Não se admire, doutora, não se admire. Já em Nicéia reuniu-se um concílio para decidir se a mulher devia ou não fazer parte do gênero humano. Tentaram expelir-nos do posto que ocupamos na escala zoológica e pretendem agora com miseráveis subterfúgios de retórica e uma lógica anacrônica tirar-nos o talher a que temos direito na opípara mesa do banquete social.

LUÍSA — Como eles receiam a nossa concorrência.

CARLOTA — Em todos os pontos da atividade humana, ilustre doutora! Mas havemos de conquistar-lhes paulatinamente o másculo reduto.