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As Doutoras/II/VIII

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Personagens: LUÍSA e GREGÓRIO

GREGÓRIO (Entrando com ar meio apalermado.) — Não é aqui que mora uma doutora que tem anunciado nos jornais?

LUÍSA — Sim, senhor!

GREGÓRIO — Ainda que mal pregunte, é Vossa Senhoria?

LUÍSA — Uma sua criada.

GREGÓRIO — Uê, gentes! Tinham-me dito lá na roça que era uma muié véia e feia. Ora esta! (Pausa.) Trata mesmo de moléstias de homens?

LUÍSA — Por que não?

GREGÓRIO — Descurpe, mas eu pensava...

LUÍSA — A consulta é para o senhor ou para alguém de sua família?

GREGÓRIO — É para mim mesmo, sinhá dona...

LUÍSA — Conte-me lá o que sofre. (Manda-o sentar e senta-se a seu lado.)

GREGÓRIO — Em premero que tudo tenho muita farta de ar e muitas sufocações. Porém o que mais me avexa é uma dor forte aqui mesmo na boca do estambago. (Aponta para o lugar.)

LUÍSA — Mas esta dispnéia e esta dor.

GREGÓRIO — Na espinhela não tenho nada, não, sinhá dona.

LUÍSA — Não, não é isto. Pergunto-lhe se esta falta de ar costuma vir antes ou depois das refeições.

GREGÓRIO — De premero vinham antes... mas agora vem ao despois... Já consurtei a halipatia, homopatia, a dosometria, tudo, tudo. Afinal disseram-me lá na roça: — Você já foi ao Nascimento? Já foi ao caboclo da Praia Grande? Pra que não vai vê a Doutora? Tarvez ela te dê vorta. E aqui estou nas mão da sinhá dona.

LUÍSA — Tire o paletó. (Gregório tira o paletó, Luísa vai buscar uma toalha, coloca-a nas costas de Gregório e ausculta-o.)

LUÍSA — Conte, um, dois, três...

GREGÓRIO — Um... dois... três...

LUÍSA — Vá contando.

GREGÓRIO — Quatro... 5.. .6.. .7.. .8.. .9.. .10...11...

LUÍSA — Respire. (Gregório toma aspiração.) — Respire mais forte. (Gregório respira mais forte.) Mais forte ainda. (Gregório fica de boca aberta tomando uma longa respiração. Luísa passou a auscultá-lo pela frente colocando a cabeça no peito).

GREGÓRIO — Que banha cheirosa tem sinhá dona na cabeça!

LUÍSA (Levantando-se.) — Deite-se ali naquele sofá. (Gregório deita-se de lado.) Não, de barriga pra o ar. (Gregório deita-se de barriga para cima.) Desabotoe-se.

GREGÓRIO (Espantado.) — Desabotoar-me?

LUÍSA — Sim, desabotoe o colete! (Gregório desabotoa o colete.) Encolha as pernas. (Gregório encolhe as pernas. Luísa apal­pa-lhe o fígado.)

GREGÓRIO (Saltando do sofá.) — Ah! Ah! Ah!... Não faça isso, sinhá dona, que eu sinto coscas como quê...

LUÍSA — Deite-se, desse modo não posso examiná-lo. (Gregório deita-se de pernas encolhidas. Luísa apalpa-lhe o fígado.) Dói aqui?

GREGÓRIO — Ah! Ah! Ah! Que coscas!

LUÍSA (Sentando-se à mesa.) — Pode vestir-se! (Escreve a receita e entrega a Gregório.) Tome as pílulas duas vezes por dia; uma ao deitar e outra logo pela manhã. O emplastro é para colocar sobre o fígado. Mande fazer isto na botica do Nogueira, no Largo da Lapa.

GREGÓRIO — A sinhá dona qué que eu pague já ou despois?

LUÍSA — Depois.

GREGÓRIO — Antão quando é que devo vortá?

LUÍSA — Para a semana. (Gregório vai saindo e encontra-se à porta com Pereira.)