As Doutoras/III/VI
Personagens: OS MESMOS e MANUEL PRAXEDES
PRAXEDES (Entrando.) — Venho do seu escritório. Então, está resolvida a situação da minha doutora?
MARTINS — Uma situação daquelas não se resolve assim.
PRAXEDES — Aquilo não é nada, absolutamente nada! Minha mulher faz de qualquer coisa um bicho-de-sete-cabeças e vê tudo neste mundo pelo lado pior.
MARIA — O divórcio! A desgraça de uma mulher. Não é nada?
PRAXEDES — Qual divórcio! Qual desgraça de uma filha! O que houve, Doutor, foi uma briga mais forte, mas uma briga muito natural. O rapaz, novo, formado há pouco tempo, a rapariga formada no mesmo dia... Ambos inteligentes, muito estudiosos e com o sangue na guelra. Um não quer ficar por baixo, a outra quer ficar por cima. Dizem-se muitas coisas reciprocamente. Engalfinham-se com todos aqueles termos técnicos; mas passada a trovoada voltam de novo à vida calma e serena do lar... como se nada tivesse acontecido.
MARTINS — O Senhor Manuel Praxedes é otimista!
PRAXEDES — Vejo as coisas como são.
MARIA — Como são? Como um verdadeiro doente; é o que tu deves dizer.
PRAXEDES — Ah! Ah! Ah! Pois minha mulher não está a fazer trocadilhos, Doutor?... Tem graça... Tem graça... Ora, pois, estamos todos alegres; isto é o que eu quero!
MARIA — Alegres?!...
PRAXEDES — Alegres, sim! Deixa o divórcio! (A Martins.) Sabe, Doutor, que tenho uma idéia, um ideão?
MARTINS — Não é para admirar, com o seu gênio empreendedor!...
PRAXEDES — Chi!... Que empresa! que empresa, Doutor!
MARIA — Há de ser igual à da fábrica de papel.
PRAXEDES — Já tardava. A senhora em vez de me admirar...
MARTINS — O que vem a ser então?
PRAXEDES — Imagine lá o que é.
MARTINS — Não sei.
PRAXEDES — Uma companhia galinicultura. (Abrindo um rolo de papel que traz na mão e mostrando a Martins.) Aqui estão os modelos dos fornos. Segundo os cálculos feitos, com meia dúzia de capões apenas, um galo vigilante e dois procriadores, estou habilitado a inundar de galinhas os mercados de toda a América!
MARIA — E da Europa.
PRAXEDES — E não diga a senhora brincando; porque se até aqui temos importado ovos de Portugal, doravante, com a minha empresa, tomaremos a desforra exportando para lá galinhas. O lucro é certíssimo! Olhe, vou explicar-lhe. (Tirando do bolso um papel.)
MARTINS (Tirando o relógio.) — Esperam-me no escritório...
PRAXEDES — Vai para baixo ou para cima?
MARTINS — Para baixo.
PRAXEDES — Acompanho-o.
MARTINS — Enganei-me, vou para cima!
PRAXEDES — Acompanho-o também. É indiferente. Em caminho mostrar-lhe-ei que isto é negócio que não falha. Está tudo calculado, muito bem calculado.
MARIA (A Praxedes.) — Pois então abandonas tua filha no estado em que ela está?
PRAXEDES — Que estado? Pois eu já te disse que isto não é nada. Eu volto logo. Adeus. (Despedem-se os dois de Maria e saem.)