As Vítimas-Algozes (1869)/III/XXXVII
A palavra severa do pai, a censura exaltada do irmão, não eram as mais oportunas para combater a dolorosa comoção de Cândida. Leonídia levou consigo a filha, e encerrando-se com ela em seu quarto, deixou-a dar livre curso ao pranto, e em vez de repreendê-la, ou de falar-lhe à razão em hora de desarrazoamento, contemporizou, ameigando-a, chorando também, e convidando-a a esperar dócil e paciente do futuro o esquecimento do amor mal-empregado, ou talvez, se isso fosse impossível, e se Souvanel viesse a mostrar-se digno de ser seu marido, o conseguimento da aprovação de seus pais, que só desejavam e queriam a sua felicidade.
Leonídia, acendendo nesse conselho de docilidade e paciência uma leve esperança no futuro, apenas era levada pelo cuidado de mitigar a aflição da filha e de prevenir algum ato de louco arrebatamento: em tais casos iludir, deixando esperar um pouco ao menos nos primeiros dias de mais violência do amor contrariado, é sempre mais sábio do que a imposição desabrida dessa montanha de gelo que se chama – jamais.
Entretanto Leonídia, apesar de mãe, seria em sua família a última pessoa que se dobrasse a aceitar Souvanel por genro. Mais firme em suas resoluções sobre os filhos do que seu marido, que excessivo e veemente na negativa do que lhe parecia inadmissível, acabava de ordinário por deixar-se vencer, principalmente por Cândida, se esta chorava e insistia; Leonídia teimosa, como sabe sê-lo a mulher, em seu empenho de casar a filha com Frederico, tinha ainda contra o jovem francês, além da justa repugnância que ele inspirava, por desconhecido, uma prevenção explicável pelo fato de ser ele estrangeiro, que bem podia vir a separá-la para sempre da sua Cândida, levando-a esposa para o seu país.
A extremosa mãe embalava pois a filha com ilusões, para aplacar-lhe a dor, e porfiando nelas, vigorando-as, mostrando-as quase prováveis, confundia-se, vendo o desespero de Cândida, que nem ao menos a atendia: fatigada enfim, assentou que convinha dar à inconsolável uma ou duas horas de solidão, e recomendando-lhe prudência e reserva diante dos escravos, acompanhou-a até o leito, onde a abandonou soluçante e foi ter com Florêncio da Silva e Liberato, que sem dúvida a esperavam.
O que exasperava Cândida, o que a punha em desatino não era precisamente a repulsa sofrida por Souvanel; era a sinistra ameaça deste: ela julgava possível, provável mesmo, triunfar da oposição de seu pai; mas incapaz de critério, desassisada, ineptamente crédula, tendo de memória as cartas vulcânicas do francês, imaginava-o fugindo em doido furor, desaparecido de uma vez, e perdido para si, para ela, e para Deus, no horror do suicídio.
Em sua simplicidade exagerada de menina, a donzela se arrastava para o abismo.
O que não pudera em longa hora Leonídia, pôde em um minuto Lucinda.
A mucama entrou no quarto, chegou-se ao leito da senhora; voltou-se, e assegurando-se de que ninguém a observava, dobrou-se um pouco para aproximar a boca do ouvido de Cândida, e disse baixinho:
– Sossegue... ou abrande a aflição...
– Como?... – perguntou chorando Cândida.
– Finja-se submetida... não alerte seus pais...
– E ele?...
– Conseguiremos... talvez seja ainda possível obrigá-lo a ficar...
– Mentira!
– Verá; mas não acorde seus pais; é preciso que eles durmam.
Lucinda retirou-se logo.
Cândida apareceu à mesa do jantar e jantou: tinha vermelhos os olhos, estava triste; dir-se-ia, porém, resignada.
Leonídia como que se aplaudia do seu maternal milagre de consolação; pois que em segundo colóquio tinha conseguido fazer-se ouvir e fazer esperar... a ilusão.
Liberato, mais revolto, olhava a irmã com ar de desgosto.
Florêncio da Silva, ostentando severidade, arredava os olhos para não ver Cândida; mas em estrabismos de amor, a todo momento a estava vendo, e duas vezes levantara-se da mesa sob fúteis pretextos, e fora enxugar indômitas e traiçoeiras lágrimas.
O café serviu-se na sala de entrada. Depois que o criado se retirou, e passados alguns minutos de pesado silêncio, o pai disse à filha:
– Tu queres matar-me, Cândida?...
A filha respondeu, chorando:
– Não me vê submissa, meu pai? Que posso mais fazer? Amei, amo, sou infeliz e me resigno.
Florêncio da Silva abraçou Cândida e disse-lhe:
– Eu te farei feliz!
– Não é tanto o que eu peço...
– Então que pedes?...
– Que não se me imponha casamento.
– Quem jamais pensou em tal imposição, minha filha?
Cândida beijou a mão de seu pai.
– Esta criança está enganando os velhos! – disse Liberato gravemente.
Florêncio da Silva olhou para o filho com severidade.