As amorosas paixões do joven Werther/III
CARTA III.
Maio 12.
Não sei se são algumas Fadas ou Genios, espiritos de illusão, que vagueião neste paiz, ou se he a imaginação celeste que havendo-se apoderado do meu coração, dá hum aspecto de paraizo a tudo que me rodeia. Bem perto deste lugar ha huma fonte, em que estou encantado como Melusina[1] com as irmãs. Tu desces hum pequeno outeiro e te achas diante de huma caverna cuja abobada tem pouco mais ou menos vinte pés, no fundo da qual a través de hum penhasco de marmore corre a gotas agua cristallina. Hum muro baixo que volteia esta gruta, as arvores gigantescas que a cobrem, a frescura deliciosa do lugar, tudo inspira hum sentimento de veneração e de horror. Nem hum só dia corre em que eu não passe ali huma hora. As raparigas da cidade vem buscar agua áquella gruta: funcção humilde na verdade, porém a mais util, e de que as mesmas filhas de Reis algum dia não se envergonhavão de exercer. Apenas ali me assento revive em mim a ideia da vida patriarchal: parece-me que estou vendo aquelles velhos venerandos travarem amizade junto á fonte, e ali mesmo fazerem reciprocos ajustes de seus filhos e filhas para consorcio; parece-me ver ainda aquelles espiritos bemfazejos, que torneião os poços e as fontes. Aquelle a quem se apresentão estas cousas em differente fórma, jámais descançou ao pé de hum regato de aguas puras depois de hum dia de jornada durante os calores ardentes do Estio.
- ↑ Huma mulher que pertencia á casa de Lusignan, a cujo respeito se tem contado diversas historias. Dizem que esta Fada era a metade mulher e a metade serpente, que construio o castello de Lusignan, o qual se julgava inexpugnavel: e que ella costumava apparecer sobre a torre grande, do castello quando havia de morrer alguma pessoa daquella casa. Vide Diccionario de Moreri, no art. Lusignan.