As relações luso-brasileiras/I
Eis a proposta do presidente da Sociedade de Geographia:
«Considerando que na evolução politica do mundo contemporaneo é facto historico, que se não póde contestar, a irresistivel tendencia para a unificação moral dos grupos ethnicos, que falam o mesmo idioma, podendo até por isso definir-se o dominio da lingua, na sua funcção social, como a patria espiritual de uma nacionalidade;
Considerando que nem os mais poderosos Estados logram eximir-se a esta universal tendencia, como o prova o movimento de concentração que no momento actual se está operando nos povos anglo-saxonicos, nos germanicos propriamente ditos e mesmo nos povos slavos, apezar das differenças de religião e de linguagem que separam estes ultimos entre si;
Considerando que, em virtude desta tendencia, é legítimo prevêr-se como irremediavel, em futuro relativamente pouco distante, se não o desaparecimento pelo menos a desintegração das pequenas nacionalidades que não consigam defender-se, pela massa dos seus habitantes, de absorpção, consequencia fatal da lucta pela existencia, cada vez mais implacavel entre as grandes nações, que na sua ancia de açambarcamento inquietam os agrupamentos secundarios, embora muito adeantados em cultura;
Considerando que Portugal e Brasil, pela sua origem, historia e tradições, pela lingua que ambas falam, pela raça a que pertencem e pelos multiplices interesses que os ligam, sem embargo do glorioso facto consumado da independencia brasilica, e, não obstante, portanto, serem duas soberanias politicas separadas e perfeitas, constituem na realidade, em face das outras agremiações nacionaes e exoticas, um grupo áparte, nitidamente delimitado, com individualidade distincta e, por conseguinte, com um destino historico completamente autonomo, circumstancia a que o direito internacional não póde ficar estranho;
Considerando que, na situação de isolamento reciproco, em que se encontram, as duas nações estão compromettendo a grandeza do papel primacial que deviam representar no mundo, com grave prejuizo dos interesses proprios e apenas com vantagem para as nações rivaes, que se estão aprontando habilmente da desunião de ambas;
Considerando que a grande nação brasileira, não obstante os quasi ilimitados recursos de que dispõe e as brilhantes qualidades dos seus filhos, que se estão impondo a consideração universal pela sua intelligencia e illustração, pelo seu patriotismo e pela sua actividade, corre o risco de se ir desnacionalizando pouco a pouco pela introducção, cada vez em mais larga escala, de elementos de immigração estranhos ao seu caracter historico e até antipathicos a sua idiosyncrasia ethnica — provaveis causadores de futuras perturbações e de inevitaveis perigos para a União;
Considerando que este serio risco de desnacionalização lenta, mas segura, sómente o Brasil póde conjural-o pela approximação e relação cada vez mais estreitas com Portugal, possuidor ainda hoje de um rico e vastissimo imperio em Africa, de territorio reduzido na Europa, não ha duvida, mas berço de uma robusta e prolifica população largamente espalhada pelo mundo, de extraordinarias faculdades de adaptação e resistencia, população indispensavel — e não substituivel por outra — para a conservação e pureza da raça nacional do Brasil;
Considerando mais que o problema da gradual e progressiva fusão da numerosissima colonia portuguesa, que vive no Brasil, com a terra que lhe da tão generosa hospitalidade é para os futuros destinos da nacionalidade brasileira de capital e decisiva importancia, mas sómente de solução integral possivel quando as duas nações, hoje separadas e quasi estranhas uma á outra, se harmonizarem no superior interesse de uma fecunda approximação;
Considerando por outro lado, que a economia nacional portuguesa só no contacto intimo da exuberante seiva brasileira póde robustecer-se e tonificar-se, sendo, além disso, fecundissimo campo para a nossa actividade material e progredimento moral as vastas regiões cobertas pela gloriosa bandeira auri-verde;
Considerando por isso como verdade evidente, sem possibilidade de discussão sequer, que a resolução definitiva do problema economico português depende grandemente — quaesquer que sejam os esforços, a sinceridade e a intelligencia que para ella se empreguem dentro das nossas estreitas fronteiras — de plenamente se realizar um forte e largo accordo luso-brasileiro, formula de renascimento mundial da nossa commum nacionalidade;
Attendendo a que a tradicional alliança de Portugal com a Inglaterra, base da nossa situação politica internacional, assim como intimas relações de cordealidade com as tres nações latinas, nossas irmans e com a Allemanha, nossa cooperadora em Africa, em coisa alguma são prejudicadas pela unificação moral de Portugal com o Brasil n'um pacto superior, permanente e sui generis, tal como o impõem os especialissimos laços fraternaes existentes entre as nações que falam a lingua portuguesa;
E, attendendo, finalmente, a que á Sociedade de Geographia de Lisboa, pelos seus fins, pela sua constante tradição e pelo logar proeminente tão excepcionalmente em evidencia, que occupa na vida nacional portuguesa, compete, nesta hora difficil para a patria, cooperar, quanto em si caiba, no movimento de renovação do nosso querido Portugal;
Tenho a honra de propôr que, nos termos do artigo 40.° dos estatutos, se crie uma commissão geral permanente com o titulo de «Commissão Luso-brasileira» a qual terá, entre outros, os seguintes fins:
1.° — Estudar a forma mais adequada de se realizarem congressos periodicos luso-brasileiros, que devam, em prazos a fixar, reunir-se alternadamente em Lisboa ou Porto e no Rio de Janeiro ou outras cidades brasileiras com o intuito de discutir todos os assumptos de ordem intellectual e economica que interessem em commum e exclusivamente as duas nações, e onde haja de fazer-se a propaganda das deliberações que pelos mesmos congressos e pelos governos dos dois paizes tenham de ser tomadas a beneficio de ambos os povos, respeitando-se escrupulosamente a independencia de cada um delles e evitando-se toda e qualquer interferencia, por minima que seja, na vida interna e no modo de ser dos dois paises reciprocamente;
2.° — Estudar a forma de se negociar um tratado de incondicional arbitragem entre Portugal e as suas colonias de um lado e o Brasil do outro e de se realizar a conveniente cooperação das duas nações em assumpto de caracter internacional;
3.° — Estudar a fórma de se ultimar, com a urgencia que razões obvias aconselham, um tratado de commercio, ou antes um largo entendimento commercial entre as duas nações, procurando-se a maneira, até onde fôr possivel vencer as difficuldades naturaes inherentes ao assumpto, de que uma á outra concedem respectivamente vantagens especiaes que deixem de ser transmittidas aos outros Estados, não sendo, portanto, attingidas pela clausula de nação mais favorecida, inscripta actualmente nos tratados já existentes tanto de Portugal como do Brasil com os paizes estrangeiros;
4.° — Promover a creação de uma linha de navegação luso-brasileira entre os dois paizes, sob o alto patrocinio de ambos os governos;
5.° — Promover a fundação em Lisboa de um entreposto central para o commercio do Brasil na Europa e de um entreposto central no Rio de Janeiro para o commercio português na America, podendo, no caso de isso ser conveniente, fundar-se outros dois entrepostos, um no Porto e outro no Recife, ou onde mais convenha ao Brasil;
6.° — Promover a construcção de dois palacios, um em Lisboa e outro no Rio de Janeiro, destinados á exposição e venda permanente dos productos nacionaes de cada um dos dois paizes no outro;
7.° — Promover, sempre que fôr possivel, a unificação ou pelo menos a harmonização a legislação civil e commercial dos dois paizes;
8.° — Promover a approximação intellectual — scientifica, literaria e artistica — dos dois paizes, dando aos professores e diplomados brasileiros em Portugal e aos professores e diplomados portugueses no Brasil os mesmos direitos com equivalencia dos respectivos títulos de habilitação;
9.° — Promover visitas regulares de excursionistas e de estudo de intellectuaes, de artistas, de industriaes e commerciantes portugueses ao Brasil e brasileiros a Portugal e ás suas mais importantes colonias;
10.° — Estudar a maneira de se fundar em qualquer das duas capitaes, ou simultaneamente em ambas, uma revista que seja o orgão para servir de interprete permanente a este movimento de approximação luso-brasileira;
11.° — Promover mais intimas e continuadas relações entre a imprensa brasileira e a imprensa portuguesa pela troca de collaboração e pela instituição de reuniões periodicas dos editores de livros e dos representantes do jornalismo de ambas as nações;
12.° — Promover a intelligencias entre si, respectivamente, das sociedades scientificas, artisticas, de instrucção, de beneficencia, de gymnastica, de tiro, de natação e outros desportos marítimos e terrestres, etc., pertencentes aos dois paizes, assim como associações academicas brasileiras e portuguesas, creando-se tambem bolsas de viagem para os estudantes de cada um dos dois paizes no outro;
13.° — Promover o movimento de approximação luso-brasileira no Brasil, ou por intermedio de alguma das sociedades alli existentes, como a sociedade de Geographia ou o Instituto Historico Brasileiro, que, á semelhança da Sociedade de Geographia de Lisboa, queira no territorio da União pôr-se á frente deste movimento, ou contribuindo para a fundação no Rio de Janeiro de uma liga luso-brasileira, com os mesmos intuitos que os da commissão permanente cuja creação aqui se propõe;
14.° — Finalmente, estudar a maneira de se fazer da benemerita colonia portuguesa no Brasil a activa intermediaria da approximação moral dos dois povos, approximação que terá como symbolo da realidade da sua existencia a formosa lingua de Camões e Gonçalves Dias a falar-se dos dois lados do Atlantico e a servir, em duas patrias fraternalmente enlaçadas, de vinculo inquebrantavel á raça luso-brasileira, cujo destino historico, assim engrandecido deverá, a bem da civilização, alargar-se triumphante pelas mais bellas regiões do globo, ás quaes o immortal genio latino, representado pela nossa commum nacionalidade, imprimirá, com o supremo encanto da forma, o estimulo da sua energia eternamente creadora.»