As relações luso-brasileiras/III

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III
O SUPPOSTO PERIGO

Onde existe o perigo da desnacionalização?

Diz o sr. Consiglieri Pedroso, no seu 7.° considerando, que «o Brasil corre o risco de se ir desnacionalizando pouco a pouco pela introducção, cada vez em mais larga escala, de elementos ele immigração estranhos ao seu caracter historico e até antipathicos á sua idiosyncrasia ethnica — provaveis causadores de futuras perturbações e de inevitaveis perigos para a União».

A immigração não portuguesa — eis em que consiste o perigo, no dizer do eminente professor. Ora, a verdade, falada pelos numeros, póde ser sem brilho, mas é irrecusavel.

Em todo o periodo que vae de 1820 áté 1907, diz-nos a estatística (Bulhões Carvalho, trabalho citado) que, rios portos do Brasil, entraram 1.213.167 italianos, 634.585 portugueses, 288.646 hespanhoes, 93.075 allemães, 50.892 austriacos, 54.593 russos, 19.269 franceses 11.731 turco-arabes, 11.068 ingleses, 9.086 suissos, 3.780 suécos, 11 belgas e 165.590 de outras nacionalidades.

Ao todo entraram 2.561.482 immigrantes. Tirando os portugueses, temos 1.926.897 immigrantes, não sabemos se todos «estranhos ao caracter historico e antipathicos á idiosyncrasia ethnica» do Brasil.

E claro que não constituiu a sua superioridade numerica causa de perturbações nem de perigos para a nação… Esses elementos encontraram na sociedade organizada o meio propicio a adaptação. Foram assimilados. E, como a emigração não representa a cultura, porque é recrutada entre as classes mais desprotegidas dos paizes europeus, essas ondas humanas foram fecundar as terras de Santa Cruz e lá puderam proporcionar á sua próle o bem-estar, a instrucção e a educação que, deste lado do Atlantico, ella desconheceria; mas não lhe modificaram a cultura: quando muito, integraram-se nella.

Desses immigrantes ficaram os nomes. Os cruzamentos, o ambiente e a evolução peculiar da sociedade nova em que foram incorporados, formaram um typo nacional, em que predominam as caracteristicas portuguesas, mas que, sob alguns aspectos, tende a differenciar-se do nosso.

Por que se deu esse predomínio? Pelo facto politico-social da posse e da soberania, em primeiro logar; depois pela acção eugenica dos portugueses sobre os elementos indígenas e africanos; e, finalmente, pela continuação d'essa influencia na descendencia mestiça. Quando, ha oitenta e tantos annos se iniciou a corrente immigratoria não portuguesa para o Brasil, já lá havia uma consideravel população com a nossa cultura, com as nossas tradições e com as nossas instituições.

Era a nossa raça? O brasileiro era o luso? Sylvio Romero nega que o fosse. Acha que a historia do Brasil não é a «historia exclusiva dos portugueses na America », nem a o dos tupys, nem a dos negros. «É, antes; a historia de um typo novo.»

Esse typo novo não podia deixar de ter com o português — elemento superior da sua formação inicial — affinidades mais intimas do que com qualquer outra nacionalidade. Os destinos de um povo dependem dos seus elementos ethnicos superiores. Assim foi que, dada a implantação da civilização européa na America, as nações, que vieram a constituir-se n'esse continente, se tiveram de modelar e pautar elas de que promanavam, reproduzindo, além da medida exacta do sangue, as qualidades essenciaes das raças originarias superiores.

É sob este ponto de vista que o vrasileiro é o português da America, onde o Canadá ainda representa o francês e o inglês, o americano do norte prolonga a modalidade britanica, e os demais povos conservam inconfundíveis traços do hespanhol.

Limitando-nos ao caso que nos respeita, quer isto dizer que o brasileiro se encontra apparelhado pela consciencia nacional e pelas energias de ordem legal, moral e material, que dão realidade aos gremios nacionaes, para proseguir na sua marcha evolutiva independente, apezar de quaesquer nucleos extra-lusitanos que para o Brasil emigrem.

Os factos corroboram a nulla acção desnacionalizadora dos immigrantes não portugueses. De 1824 a 1859, anno em que os allemães deixaram de ir para o Brasil em virtude do rescripto famoso do ministro prussiano Van der Heydt, esses colonos, espalhados pelas provincias do sul, não logravam attingir a cifra de 30.000. A Allemanha, reconhecendo que cresciam extraordinariamente, apezar de prohibida a emigração, as populações germanicas no sul do Brasil, procurou conserval-as unidas á Vaterland por meio do ensino: creou escolas e na lingua tinha um vinculo precioso e poderosissimo. São conhecidos por teutos esses brasileiros, que, se puderam ser motivo de preoccupações, deixaram de o ser desde que, á escola e á lingua allemans se oppuzeram a escola brasileira e a nossa lingua.

Quinhentos mil teutos, muito prolificos em incessante incremento, constituirão esse perigos ou serão os quasi cem mil que, nesse total, conservam a nacionalidade alleman? Ou serão esses, mais os dois milhões e meio de italianos e filhos de italianos e mais outro milhão de pessoas de outras linguas?

Quatro milhões dos seus dezoito a vinte milhões de habitantes não podem desnacionalizar o Brasil.

E ai de nós se o pudessem fazer! Que remedio lhe poderiamos dar com os nossos seis milhões de habitantes, em que só não são analphabetos 1.200.000, quando esses paizes para lá mandam gente muito menos ignorante?

O perigo da desnacionalização não existe realmente. A actual população possue capacidades triumphantes de resistencia á invasão exotica.

Quem o reconhece não somos nós, são os proprios allemães e italianos. A illusão desfez-se. O Deutschthum falliu na sua execução sul-americana. A Nova Italia foi fantasia logo batida pela realidade. E, como, afinal, á falta de melhor, basta, a quem faz negocios, não os perder, a politica dos povos emigrantistas, isto é, dos que precisam ir conquistar a terras novas o pão que as velhas lhes negam, transformou-se; e em novas aspirações praticas passou a traduzir-se.

Diz o allemão dr. Robert Jannassh:

«O immigrante que aqui vive e trabalha, tem de se tornar brasileiro, deve aprender a lingua do paiz, esforçando-se por se exprimir n'ella tão bem como em seu proprio idioma, sem o que não poderá tomar parte na vida publica em beneficio da collectividade.»

Diz o professor Siever, da Universidade de Giessen:

«Se o imperio allemão quer recuperar a sua antiga preponderancia no concerto das potencias, procure adquirir, na America do Sul, real influencia; mas não sob a forma de annexações e sim na base de relações commerciaes, industriaes e pecuniarias…»

O professor Vincenzo Grossi, da Universidade de Roma, aconselha egualmente que os emigrados adoptem a lingua e a nacionalidade dos paizes em que se installam.

O remedio, está-o applicando a Republica dos Estados Unidos do Brasil: é a escola, e a legislação tendente á absorpção do estrangeiro.

Assim prevenido, o Brasi ha de receber, sem risco algum, as enormes lévas de trabalhadores, que o seu progresso material e a sua missão no equilibrio sul-americano reclamam e que Portugal, já com escassas energias no ponto de vista demographico, não lhe póde offerecer.