Astúcias de marido/V
Fazia anos o pai de Clarinha. A casa estava cheia de amigos e parentes. Havia uma festa de família com os parentes e os amigos para celebrar aquele dia.
Desde a cena do cavalo até o dia dos anos do velho, já Valentim tinha armado a Ernesto mais dois laços do mesmo gênero, cujo resultado era sempre expor o pobre rapaz ao motejo dos outros. Todavia, Ernesto não atribuía nunca intenções malignas ao primo, que era o primeiro a compungir-se dos infortúnios dele.
O dia do aniversário do sogro era para Valentim um dia excelente: mas que fazer? que nova humilhação, que novo ridículo preparar ao rapaz? Valentim, tão fértil de ordinário, não achava nada naquele dia.
O dia passou-se nos folguedos próprios de uma festa aniversária como aquela. A casa era fora da cidade. Folgava-se melhor.
À hora própria serviu-se um jantar esplêndido. O velho tomou a cabeceira da mesa, entre a filha e a irmã; seguiu-se Valentim e Ernesto, e o resto sem ordem de precedência.
No meio da conversa animada que acompanhou o jantar desde o princípio, Valentim teve uma idéia e preparou-se para praticá-la à sobremesa. Entretanto, correram as saúdes mais cordiais e mais entusiásticas.
Notou-se, porém, que Ernesto do meio do jantar em diante ficara triste.
Que seria? Todos perguntavam, ninguém sabia responder, nem mesmo ele, que teimava em recolher-se ao mais absoluto silêncio.
Valentim levantou-se então para fazer a saúde de Ernesto, e pronunciou algumas palavras de entusiasmo cujo efeito foi fulminante. Ernesto durante alguns minutos viu-se o objeto de aplausos que lhe valiam as pateadas da montaria.
Uma coisa o perdeu, e nisto estava o segredo de Valentim. Ernesto quis responder ao speech de Valentim. A tristeza que se lhe notara antes era o resultado de uma desastrada mistura de dois vinhos antipáticos. Forçado a responder por um capricho tomou o copo e respondeu ao primo. Daí em diante era ele o iniciador de todas as saúdes. Quando ninguém faltava para ser objeto dos seus speechs, fez uma saúde ao cozinheiro, que foi extremamente aplaudida.
Descreverei eu as cenas que se seguiram a esta? Fora entreter os leitores com algumas páginas repugnantes. Ernesto excedera-se no entusiasmo, e quando todos se levantavam da mesa e tomavam o caminho das outras salas, Ernesto desatou a chorar. Imaginem o efeito desta cena grotesca. Ninguém pôde conter o riso; mas também ninguém pôde estancar o pranto ao infeliz, que chorou ainda por espaço de duas horas.