Através do Brasil/IX

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IX. PIRANHAS

Por quatro horas a fio, os nossos três viajantes seguiram por um caminho seco e ligeiramente acidentado, subindo e descendo morros baixos, quase totalmente despidos de vegetação. O sol ardia e fulgurava, reverberando sobre os calhaus da estrada, de onde saltavam faíscas de ouro. A poeira cegava.

A princípio, ainda se via uma ou outra casinha, com uma pequena plantação à roda, — favas, mandioca, algodoeiros, bananeiras ou canas. Mas logo depois começou o campo deserto, duro e seco. Poucas árvores havia, mirradas, retorcendo no ar os galhos desfolhados. Os dois rapazes sofriam cruelmente. Alfredo, às vezes, olhava o irmão, com os olhos angustiados. Mas Carlos fingia não compreender: era impossível parar ali, onde não havia água nem sombra.

— Arre! Patrão! — exclamou Benvindo. — Felizmente, está acabando este maldito carrascal! Ali em baixo passa uma aquinha, e moram uns conhecidos meus. Vamos descansar um pouco, enquanto passa o ardor do meio-dia. E depois, puxaremos pelos animais, se quisermos ir dormir para lá do rio. Vamos ver se chegamos a Piranhas amanhã pelas quatro horas da tarde!

Não falharam os planos do camarada. Depois de um curto descanso, continuaram a jornada; e a noite, ao cair, apanhou-os junto do rancho de um vaqueiro, duas léguas além do rio. O homem recebeu-os bem, como podia. O seu casebre era tão pequeno, que os dois irmãos dormiram fora, sob o alpendre, metidos ambos numa só rede. Carlos lembrou-se da casinha da preta velha, em Garanhuns: era mesma, a pobreza, e era mesma, a boa vontade; e, abençoando a hospitalidade e a bondade da rude gente do norte, o menino adormeceu serenamente, ao lado de Alfredo, que, de cansado, dormia tão bem como se estivesse deitado numa cama de penas.

Antes da madrugada, beberam uma forte dose do excelente leite que lhes ofereceu o vaqueiro, e puseram-se a caminho. Quando o sol nasceu, já tinham caminhado meia légua. A estrada, sempre plana, sempre despida de arvoredo, era castigada barbaramente pelo sol. Às nove horas da manhã, já o calor era intolerável. Havia lugares em que as ferraduras dos animais batiam em rocha, viva, tirando fagulhas. Cada vez aumentava mais o calor. Não soprava a mais leve aragem; o ar pesava dentro dos pulmões; os animais arfavam, banhados de suor.

— Nós hoje temos tempestade, com certeza! — disse Benvindo.

De fato, às duas horas da tarde, o disco do sol foi adquirindo uma cor avermelhada, e, depois pardacenta; o céu nublou-se; para o lado do sul, começou a fuzilar.

— Seremos apanhados pela trovoada? — pensavam aterrados os dois meninos.

Apressaram o passo dos animais, e tanto se esforçaram, que, antes de desabar a chuva, apearam-se à porta de um pequeno hotel da cidade de Piranhas.

— Vamos jantar! — disse Benvindo.

O hotel era modesto, mas a mesa era farta. Comeram carne de sol assada, e peixes, — uns excelentes piaus do rio São Francisco.

— Se fôssemos ver o rio? — disse Alfredo — É um rio grande, o São Francisco?

— É imenso! — explicou o irmão. — Atravessa dois Estados do Brasil, servindo de divisa entre três.

Assim que acabaram de jantar, partiram para o porto.

— Lá está o Estado de Sergipe! — exclamou Benvindo.

— Onde?

— Lá, na outra banda! Esse rio separa Sergipe de Alagoas.

— É exato! — disse Carlos ao irmão. — Aquele já é o território de Sergipe. Nós, nestes últimos dias, já atravessamos todo o Estado de Alagoas.

— Ah! Era por Alagoas que estávamos viajando? — perguntou o pequeno ao camarada.

— Era. Viemos de Pernambuco, e entramos em Alagoas quando chegamos à fazenda do capitão Paulo. A fazenda já fica para o lado de cá da divisa. Ali acaba Pernambuco e começa Alagoas; agora, aqui, acaba Alagoas e começa Sergipe.

— E vamos para Sergipe?

— Não, patrãozinho! Nós viemos nesta direção, mas agora vamos tomar outro rumo. Vamos subir o rio. Isto é... vamos, é um modo de falar, porque devemos separar-nos aqui. Agora os senhores vão seguir até Jatobá, e aí o major Antônio Bento, para quem o Dr. Cunha lhes deu uma carta de apresentação, há de indicar-lhes o caminho até Boa Vista.

— É verdade! — disse Carlos com tristeza. — Já tinha esquecido que nos devemos separar aqui! Já estávamos tão habituados a viajar juntos!

Voltaram ao hotel, e dormiram. No dia seguinte, de manhã, as despedidas foram tristes. Benvindo, comovido, ao abraçar os dois rapazes, quase se decidiu a acompanhá-los até Jatobá. — Alfredo desejava ardentemente essa solução. Carlos, porém, opôs-se tenazmente ao sacrifício do excelente camarada: — Não, Benvindo, não! Antes de tudo, o dever: você tem o seu trabalho em Garanhuns... Já não foi pequeno o incômodo que lhe demos! Dê muitas lembranças ao Dr. Cunha, ao capitão Paulo, e àquela boa preta que tão nossa amiga se mostrou.

Às sete horas, partiu o trem. Benvindo acompanhou-o com os olhos até que o viu desaparecer na primeira curva da estrada. E os dois rapazes encetaram a nova fase da sua fatigante viagem, num carro de segunda classe, muito agarrados um ao outro, e entregues agora a si mesmos.

A paisagem era a mesma que tinham visto até então: chão pedregoso, poucas árvores, retorcidas e nodosas, morros de áspera pedra negra, pastagens raras e fracas.

No carro em que viajavam os dois irmãos, ia um moço, brasileiro como eles, expansivo, olhando-os constantemente, com um manifesto desejo de entabular conversa. Depois de alguma hesitação, não se conteve, e apresentou-se. Era o representante de uma grande casa comercial da Baía, e tinha uma conversa agradável e instrutiva, porque gostava de contar as suas viagens por todos os Estados do Brasil.

— Os senhores nunca viajaram?

— Muito pouco; — disse Carlos. — E, infelizmente, não é uma viagem de recreio, a que fazemos.

— Pouco importa! Disse o moço. — Viajar é sempre útil. Em geral, os brasileiros são sedentários, e não conhecem o seu país. Eu viajo há quase dez anos, e ainda não estou farto.

Neste ponto da conversa, o trem parou. Tinha chegado à estação de Sinimbu.

— Aqui, — explicou o amável viajante, — descem os que vão visitar a famosa cachoeira de Paulo Afonso. Nunca vi tão belo espetáculo, em toda a minha vida, e não creio que haja, em toda a terra, mais formosa maravilha da Natureza!