Saltar para o conteúdo

Aventuras de Hans Staden (6ª edição)/Capítulo 2

Wikisource, a biblioteca livre


II

A REVOLTA DOS INDIOS



LOGO que a menina voltou, dona Benta prosseguiu :

— A colonia de Pernambuco era governada por Duarte Coelho, a quem o comandante Penteado foi logo apresentar-se. Duarte coelho contou-lhe que estavam em má situação, em vista de se terem revoltado os selvagens daquela zona.

— Por que, vóvó?

— Porque os colonos haviam capturado e escravizado alguns selvagens. A raça vermelha, ou india, nunca suportou a escravidão. Preferia a morte, e se não fosse a ganancia dos brancos, quer portugueses, quer espanhois, ganancia que os levou a insistir na escravização dos indios, não teria havido nas Americas os horrores que houve.

Duarte Coelho pediu ao capitão Penteado que o ajudasse naqueles apertos, indo com os seus homens guarnecer uma colonia de nome Iguarassú [1], naquele momento sitiada pelos indios. Essa colonia ficava a umas cinco milhas de Olinda.

O capitão reuniu em um bote quarenta marinheiros e mandou remar para Iguarassú, situada num braço de mar que avançava terra a dentro.

Lá encontraram noventa portugueses e uns trinta e tantos escravos, entre pretos e indios. Esta guarnição estava sitiada por selvagens avaliados em oito mil.

— Oito mil, vovó? Que horror! disse Pedrinho. Um exercito !...

— "Avaliados" em oito mil, meu filho. As avaliações dos interessados sempre eram para mais. O compadre Teodoro, nosso vizinho, sempre avaliou o seu sitio em setenta alqueires. Veio o agrimensor, mediu e achou trinta...

A praça de Iguarassú era defendida apenas por uma estacada de madeira, que a fechava de todos os lados. Para além da estacada estendia-se a floresta, na qual os indios construiram dois redutos, feitos de grossos troncos; ao pé desses redutos abriram trincheiras, nas quais passavam o dia, só saindo para guerrilhar.

Os indios conheciam imperfeitamente o poder das armas de fogo, e sempre que os portugueses davam uma descarga deitavam-se, convencidos de que assim se livrariam das balas.

De todas as bandas havia indios, de modo que ninguem podia sair da estacada sem ser flechado. Além disso os sitiantes atiravam as flechas para cima, calculando a curva de jeito que fossem cair verticalmente dentro da praça.

— Eu punha uma panela de cobre na cabeça e queria ver! disse Pedrinho, com cara de quem descobriu a polvora.

— Tambem usavam, continuou dona Benta, flechas incendiarias, preparadas com algodão embebido em cêra.

Acendiam-nas e lançavam-nas contra os tetos das casas. E tanta certeza tinham de vencer aos portugueses, que já combinavam o modo de os devorar a todos, numa grande festa.

O sitio ia-se prolongando e as provisões começavam a escassear. Havia mandiocais junto á estacada, mas era impossivel chegar até eles. Em vista disso o capitão de Iguarassú ordenou que os quarenta marinheiros saissem em dois barcos e fossem até á colonia de Itamaracá [2], afim de trazer mantimentos.

Os quarenta marinheiros partiram sem demora, encontrando o braço de mar atravancado de grandes arvores, derrubadas pelos indios. Com muito jeito, entretanto, conseguiram passar.

Vendo que a tranqueira tinha sido inutil para tomar-lhes o passo, os selvagens procuraram asfixiá-los com a fumaça de grandes fogueiras, erguidas nas margens, nas quais lançavam pimenta.

— E esta, vóvó! acudiu Pedrinho. Então já conheciam os indios o uso dos gases asfixiantes?

— E' para ver, meu filho, que não ha nada novo sob o sol. Mas essa fumaça de pimenta pouco adiantou: fez arder os olhos dos marinheiros mas não os impediu que, com o auxilio da maré, passassem além e alcançassem Itamaracá.

Nessa colonia encontraram as provisões requeridas : encheram os botes e regressaram.

Quando iam chegando a Iguarassú viram que os selvagens não tinham desanimado de lhes atrapalhar a expedição. Haviam lançado á agua novos troncos; além disso, cortaram rente ao chão duas arvores muito altas, que cresciam á beirinha d'agua, mantendo-as de pé por meio de cipós, cujas pontas iam ter aos seus redutos. A intenção dos indios era deixar cairem as arvores no momento em que os barcos passassem ao alcance delas.

Os marinheiros, porém, foram felizes e conseguiram escapar da armadilha. Uma das arvores tombou um pouco atrás de um dos barcos, e a outra, talvez empurrada pelo vento, caiu do lado da terra.

Restava a tranqueira da paullama derrubada na agua, a qual oferecia um serio embaraço. Vendo a situação dificil, os marinheiros pediram em altos brados o ajutorio dos da praça. Mas os índios ergueram um tal berreiro que os sons se misturaram no ar e não foi possivel ouvir-se em Iguarassú o pedido de socorro.

Apesar disso, como esses quarenta homens fossem dos mais esforçados, mesmo sem auxilio estranho puderam romper os tropeços e penetrar com as provisões em Iguarassú.

Este fato valeu a vitoria para os portugueses. Os sitiantes desanimaram de vencê-los e propuseram uma paz que foi logo aceita, retirando-se em seguida para as suas tabas.

O cerco de Iguarassú havia durado um mês.

Nada mais tinham que fazer ali os marinheiros de Penteado. Regressaram, pois, a Olinda, onde receberam muitos agradecimentos do governador. E como já os navios estivessem carregados, desfraldaram as velas e partiram.

— Coitada da Emilia ! exclamou Narizinho, beijocando a boneca. Está com cara de quem não entendeu coisa nenhuma, esta bôba...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.
  1. Canoa Grande
  2. Pedra de Maracá.