Biographia do senador Diogo Antonio Feijó

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BIOGRAPHIA
DO
SENADOR


DIOGO ANTONIO FEIJÓ


ESCRIPTA


PELO


Dr. Mello Moraes (A. J. de)



RIO DE JANEIRO.


TYPOGRAPHIA BRASILEIRA — EDITOR J. J. DO PATROCINIO,
RUA DAS VIOLAS N. 39.

1861.
BIOGRAPHIA
DO
SENADOR
DIOGO ANTONIO FEIJÓ


Memorar os feitos da vila de um grande servidor do Estado, de um patriota desinteressado, de um varão distincto por suas virtudes, e por seus servicos, é pagar-lhe um tributo merecido em nome da patria; e ninguem com mais direito a um publico reconhecimento, a essa remuneração sagrada, que o senador Diogo Antonio Feijó, nascido na cidade de S. Paulo, em dias do mez de Agosto de 1784.

Em seus primeiros annos, como mostrasse propensão para as letras, entrou para as aulas, e manifestando talento superior, conseguio juntar material, á se constituir mestre de latinidade, na villa de Campinas, onde compoz uma grammatica, pela qual mais facilmente se podia aprender a lingua latina; é como se achasse habilitado nas doutrinas sagradas, veio a S. Paulo, e tomo em 1807 todas as ordens sacras, e se constituio presbytero do habito de S. Pedro.

Sua demora na cidade de S. Paulo, não foi de muita duração; porque em 1810 voltou a Campinas, e abrio um curso de rhetorica, e ao depois outro de philosophia, e para o que escreveu compendios, á facilitar aos discipulos as doutrinas que explicava, com o fim de instruir à mocidade.

Já por demais conhecido o padre Diogo Antonio Feijó, por seus comprovincianos, quando o systema constitucional foi proclamado em Portugal, e teve o Brasil de mandar representantes ás côrtes de Lisboa, a provincia de S. Paulo, enviou com outros,o padre Feijó, á representa-la; o que fez dignamente, não consentindo que os direitos do Brasil fossem postergados; e pelo que preferio emigrar, que rubricar actos, que degradassem a sua patria natal.

Chegando ao Rio de Janeiro, pouco se demorou, e partio para S. Paulo, onde foi recebido por seus amigos, e comprovincianos, com vivas demonstrações de alegria.

Não sendo a capital da provincia,o lugar de seu domicilio, partio para a sua fazenda em Campinas, e quando all estava tranquillo, foi sorprendido por uma portaria do goverro imperial, em que se prevenia a autoridade de Itú, tivesse a maior vigilancia nas acções do padre Feijo, por causa deseus principios políticos, e pelo que, sentindo-se offendido em seus brios, dirigio-se ao Imperador, queixando-se da offensa que recebeu,sem motivos para isso.

O Sr. Eeijó não teve resposta á sua representação, e em 12 de Novembro de 1823, dissolvendo o Imperador a assembléa constituinte, prometteu dar uma constituição mais liberalo do que a que estava em discussão, e cumprindo essa promessa, julgou ouvir as camaras munteipaes, antes de ser ella adoptada. O padre Diogo Antonto Feijó, per este motivo foi consultado pela camara de Itú, e em vista do que lia, expendeu as idéas mais liberaes possiveis, de accordo com o direito de homem, e do cidadão. As eleições por circulos, a votação directa, a liberdade honesta da imprensa, forão sabiamente lembradas pelo senador Feijó.

A sua granite intelligencia, o seu patriotismo, o seu desinteresse, a sua moralidade, forão titulos seguros de recommendação para ser escolhido pela provincia de S. Paulo, a vila representar como seu deputado, e em cujo caracter, em 1828, vão só propoz a reforma das camaras municipaes, como outros assumptos de grande interesse. Sustentou, e com vantagem para a moralilade do clero, a necessidade do casamento dos padres, e no escripto que temos a vista, o padre Feijó, por uma argumentação irresistível, e com autoridades de todo o peso, demonstrou ser ante-social, e mesmo antereligioso o celibato clerical. Voltando a S. Paulo em 1830, prestou tamanhos serviços á provincia, como membro do conselho do governo, que sem a sua energia, e illustração, sem duvida, scenas desastrosas apparecerião na capital, por occasião do assassinato do Dr. Baderó. Injustamente calumniado um magistrado, pôde o padre Feijó livra-lo do furor do povo, para dar lugar, á que o tempo reflexionando, descobrisse a verdade, e desnodoasse aquelle, que o crime que linha, era o cumprimento dos seus deveres de magistrado.

Voltando ao Rio de Janeiro em 1831, encontrou anarchisada a capital do Imperio, pelas occurrencias de 7 de Abril; e pelo seu caracter energico, a regencia o nomeou ministro da justica, cujo cargo aceitou com condições que offereceu.

O padre Feijó sabia profundamente o que era necessario empregar, para acabar os manejos torpes da politica, e o que elle assás conhecia por experiencia, a pratica depois demonstrou a todos, porque entrão e sahem es ministros do poder, e nada fazem, e no entanto o mal não depende dos bem intencionados,e sim da dependencia em que estão uns,do assentimento dos outros. Se se acabasse com esse chamado conselho de ministros,e se désse a indeperdencia precisa a cada um ministro, tendo sómente por presilente o Imperador,e por juiz dos actos a nação, representada legitimamente pela assembléa eeral legislativa, certamente teriamos em cada repartição,o melhoramento necessario, e não um jogo de transacções, ou antes de conveniencias particulares, com grave prejuizo dos interesses publicos. No ministerio da justiça, o Sr. padre Feijó desenvolveu o maior tino administrativo, obstando que a capital do Imperio se conflagrasse por occasião da revolta começada na noite de 6 de Outubro na Ilha das Cobras; e só a sua energia de animo, podia arrostar as dificuldades porque passou a capital do Império nesses dias calamitosos, e de effervescencia popular.

Duas ficções tenebrosas se apresentarão em 1832, para desmantelar a nação; uma dos confederalistas, e outra, que preparava a restauração do Sr. Dr. Pedro I; e o Sr. Feijó, de posse dos segredos e planos, evitou o mal, não para salvar a sua existencia ameaçada, mas sim a patria, que corria o mesmo risco que elle. No dia 3 de Abril tinha de rebentar a revolução confederal, e na manhã do dia 2, reunindo em sua casa, as autoridades civis,e militares, tomou as providencias necessarias, e antes das 8 horas da noite, a regencia e o ministerio, estavão reunidos no arsenal de marinha; não obstante, fez publicar o manifesto em nome da tropa, e povo, designa os nomes dos novos regentes, e ameaça de morte aos que não adherissem á rebellião. O estado de movimento em que se achava a capital do Imperio, fez sentir aos revoltosos, que tudo estava descoberto, e por isso mallogrado o empenho.

Logo em seguida suffocado o partido chamado farroupilha, convinha levar os olhos aos restauradores,e cohibir a imprensa dos seus desatinos. Dous negociantes fallidos, desejando a quéda da regencia, forão seduzir no arsenal, alguns guardas nacionaes portuguezes, bem como outros reunindo os creados da casa imperial, e gente do Engenho-Velho, se juntarão armados na noite do dia 16 para 17, na Quinta da Boa-Vista, para a restauração do 1° Imperador; e o Sr. Feijó fazendo marchar a força policial, os desbaratou com perda de alguns, e dispersão de outros, e por fim presos outros, pôde restabelecer a paz, dando conta de tudo ao corpo legislativo, e pedio remedio para os males do paiz, lançando as vistas para as classes da sociedade, que necessitava de remedios; e como não estivesse satisfeito com o que se passava, e não se favorecia na exigencia dos meios de salvação publica, sendo entre ellas a remoção do tutor imperial, demittio-se de ministro da Justiça, e com elle todo o ministerio.

Com a retirada do ministerio Feijó, as cousas se aggravavão, e a regencia vendo o paiz ameaçado, assentou demiltir-se, e em armas a guarda nacional no dia 30 de Julho, dirigio uma representação ao corpo legislativo, que mandou uma mensagem á regencia, pedindo para que continuasse, emquanto se tomavão medidas urgentes, e salvadoras, e accedendo a regencia, continuou no governo, e o Sr. Feijó se retirou para S. Paulo. A sociedade Defensora, conscia dos serviços que prestára ao paiz o Sr. Feijó, lhe mandou uma deputação, agradecendo-lhe os serviços que prestára ao paiz; e o Rio de Janeiro na primeira occasião, lhe offereceu uma cadeira no senado em 1833. No dia 7 de Abril de 1835 todo o Imperio o escolheu para regente, e no dia 12 de Setembro, prestou juramento desse cargo, nas mãos do presidente do senado.

Sendo nomeado bispo de Marianna, pela regencia passada, determinou as repartições, que não déssem andamento ao despacho a seu respeito. Desde logo, procurou a conciliação dos partidos. As provincias do Pará,e Rio Grande do Sul,que passavão pelas provações da guerra civil, forão objectos dos cuidados do regente Feijó. O Pará se restabeleceu, porém o Rio Grande, por impericia ou descuido, foi o theatro da guerra civil por espaço de dez annos.

Não obstante ser o senador Feijó presbytero do habito de S. Pedro, sem faltar ao respeito ao papa, não teve com a santa Sé condescendencia, quando se tratava de salvar a dignidade nacional, sem comprometter o essencial da religião, propoz a asssembléa, a independencia das decisões espirituaes, a livrar o catholico brasileiro ir a tão longe, mendigar os recursos, que os deveria achar dentro do Imperio.

O senador Feijó,homem de temper a forte, de caracter firme, enthusiasta da liberdade constitucional, desgostoso da versatilidade dos homens, julgou não poder prestar á sua patria os serviços que entendia prestar-lhe, por falta de leis proprias, retirou-se da regencia, entregando-a nas mãos do ministro do imperio, o Sr. Pedro de Araujo Lima (marquez de Olinda), o que effectivamente fez em officio de 19 de Setembro de 1837, partindo por terra para S. Paulo.

O seu estado de enfermidades, e o critico de sua pobreza, fez que S. M. o Imperador, lhe mandasse dar uma pensão de 4:000$ rs. que foi aprovada pelas camaras, o que provou que o Sr. Feijó, em todo o tempo de sua vida politica, só olhou para sua patria, e não olhou para si.

Não obstante a sua vida exemplar, o seu amor da patria, o seu desinteresse, a sua posição de ministro da corda, de senador, de regente do Imperio, foi desterrado injustamente, e mesmo processado, como complice na revolução de S. Paulo, o que elle á luz clarissima do dia, justificou, e provou, que desde 1821, até esse dia, nunca professou outros principios, que não fossem a monarchia constitucional representativa, e a liberdade bem entendida. O processo do Sr. Feijó passou pelas provas caudinas, e sem decisão no senado, ficou a discussão em adiamento, na sessão do dia 23 de Agosto; e Deos que lhe tinha marcado o termo de sua carreira terrestre, não lhe permittindo mais tempo viver no mundo, sobre a pressão de uma dolorosa enfermidade, o chamou para si no dia 9 de Novembro de 1843, na cidade de S. Paulo, sendo sepultado na igreja dos Terceiros do Carmo,com um concurso tamanho de pessoas, que seu corpo,em vez de acompanhamento,passou entre as alas,que principiavão em sua casa, e acabavão na porta do templo.

Rio de Janeiro, 10 de Abril de 1861.




Dr. Mello Moraes.


N. B. Tendo sahido desfigurada, a biographia do senador Feijó,que escrevi pata a Galeria dos homens illustres de Mr. Sisson, julguei reimprimir o meu trabalho, tal qual redigi.

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