Cadernos de Astronomia/Vol. 3/Nº 2/Einstein e sua famosa fórmula E = mc²

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Einstein e sua famosa fórmula

Oliver F. Piattella
Università degli Studi dell’Insubria, Itália
 

Resumo

Uma das equações mais populares da física é a famosa fórmula da energia de repouso, , deduzida por Albert Einstein no desenvolvimento da teoria da relatividade restrita. O artigo onde as ideias que dão origem a essa equação são discutidas por Einstein é apresentado aqui em uma tradução direta do alemão para o português.

Abstract

One of the most popular equations of physics is the famous rest energy formula, , derived by Albert Einstein while developing the special relativity theory. The article where the ideas that give origin to this equation are discussed by Einstein is presented here in a direct translation from German to Brazilian Portuguese.


Palavras-chave: Einstein, relatividade especial, energia de repouso

Keywords: Einstein, special relativity, rest energy

DOI: 10.47456/Cad.Astro.v3n2.38604


Introdução do tradutor

é provavelmente a fórmula mais citadas por não físicos e um exemplo do gênio de Einstein. Mas o que essa fórmula significa?

Ela estabelece que a massa de um corpo (também chamada de inércia) é uma forma de energia e, portanto, pode ser transformada em outras formas de energia.

Uma das verificações experimentais mais importantes deste fato é representada pelo “defeito de massa”. Isto é, o fato que a massa de um núcleo atômico não seja igual à soma das massas dos seus constituintes, mas um pouco menor. Essa “falta” de massa é devida à energia de ligação que mantém o núcleo unido e que, mesmo não sendo associada a nenhuma partícula, possui uma massa pelo fato de ser uma energia. Aplicações do defeito de massa nuclear são (tristemente) famosas sob o nome de “energia nuclear”, usada para escopos civis (centrais nucleares) ou bélicos (bomba nuclear).

Surpreendentemente, Einstein descobriu como bônus do desenvolvimento da teoria especial da relatividade. A descrição conjunta de espaço e tempo naturalmente leva a considerar a massa como forma de energia. Lembre-se que na física newtoniana a massa é uma qualidade intrínseca da matéria e não é transformável em outras formas de energia, como por exemplo a energia cinética. Portanto, na física newtoniana, junto às famosas leis de conservação do momento e da energia coloca-se a lei de conservação da massa. Ao invés disso, na teoria especial da relatividade as três leis de conservação são contidas numa única lei (a da conservação do quadrimomento).

A tradução que segue é do artigo de Einstein: Ist die Trägheit eines Körpers von seinem Energieinhalt abhängig?, publicado nos Annalen der Physik 18 (1905): 639-641. Este artigo pode ser considerado como uma pedra miliar na história de , onde esta fórmula nasceu, demonstrada por Einstein. Por outro lado, pelo menos três cuidados devem ser tomados:

  • Neste artigo Einstein não escreve explicitamente ; essa formulação da equivalência entre massa e energia é posterior (aparentemente de 1912, como encontrado num manuscrito de Einstein mesmo).
  • A prova de fornecida neste artigo está baseada em várias hipóteses simplificadoras, que foram bastante criticadas. Para saber mais sobre este aspecto, veja-se o artigo de Hans C. Ohanian: Did Einstein prove ?, publicado em Studies in History and Philosophy of Science Part B: Studies in History and Philosophy of Modern Physics, volume 40, fascículo 2, de maio 2009, páginas 167-173.
  • Einstein não foi o primeiro a teorizar uma equivalência entre a massa e a energia. Várias tentativas ocorreram antes, no âmbito da eletrodinâmica. Para aprofundar este aspecto, veja a referência do Hans C. Ohanian citada acima.

No texto a seguir, as notas de rodapé referidas com um número seguido por uma parêntese (por exemplo 1)) são as notas de rodapé do texto original. As demais são notas do tradutor, concebidas para ajudar a compreensão do texto.



Sobre o tradutor

Oliver F. Piattella (of.piattella@uninsubria.it) é Professor Assistente na Università degli Studi dell’Insubria, Como, Itália. Foi Professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), de 2012 a 2021. Atua nas áreas de cosmologia e gravitação, tendo publicado mais de 50 artigos científicos e um livro texto de cosmologia intitulado "Lecture Notes in Cosmology".

13. A inércia de um corpo depende do seu conteúdo energético?[1]


por A. Einstein


Os resultados de um estudo sobre eletrodinâmica que publiquei recentemente nestes anais[2]) conduzem a uma consequência muito interessante, que será aqui derivada.[3]

Nesse estudo assumi a validade das equações de Maxwell-Herz no espaço vazio junto com a expressão maxwelliana para a energia eletromagnética do espaço.[4] Além disso, foi assumido o seguinte princípio (princípio de relatividade): as leis segundo as quais os estados dos sistemas físicos mudam não dependem de qual de dois sistemas de coordenadas, que estão em movimento de transporte paralelo uniforme um em relação ao outro, é escolhido para relatar essas mudanças de estado.

Com base nestes fundamentos[5]) eu deduzi, entre outras coisas, o seguinte resultado (l.c. § 8): considere-se um sistema de ondas planas de luz que possui, referido ao sistema de coordenadas (), energia ; além disso, a direção da radiação (normal de onda) forme o ângulo com o eixo do sistema. Ao introduzir um novo sistema de coordenadas (), em movimento de translação paralela em direção ao sistema (), cuja origem se move ao longo do eixo com velocidade , a quantidade de luz acima mencionada tem energia — medida no sistema ():[6]

,

(1)

onde representa a velocidade da luz.[7] Aproveitaremos desse resultado a seguir.

Esteja agora no sistema () um corpo em repouso, cuja energia — referida ao sistema () — é . Em relação ao sistema (), movendo-se como dito acima com a velocidade , seja a energia do mesmo corpo.

Este corpo envia em uma direção que forma um ângulo com o eixo ondas de luz planas de energia [medida em relação ao sistema ()] e, ao mesmo tempo, uma quantidade equivalente de luz na direção oposta. Enquanto isso, o corpo permanece em repouso em relação ao sistema (). Para este processo o princípio de conservação de energia deve ser válido (de acordo com o princípio da relatividade) em relação a ambos os sistemas de coordenadas. Chamamos (respectivamente ) a energia do corpo após a emissão da luz, medida em relação ao sistema () [respectivamente em relação ao sistema ()]. Assim obtemos, através o uso da relação dada acima:

,

(2)

.

(3)

Por subtração, obtemos a partir dessas equações:

.

(4)

Ambas as diferenças de que aparecem nesta expressão têm significados físicos simples. e são valores de energia do mesmo corpo, referindo-se a dois sistemas de coordenadas em movimento relativo um em relação ao outro, enquanto o corpo permanece em repouso em um dos dois sistemas [o ()]. É portanto claro que a diferença pode diferir da energia cinética do corpo referida ao outro sistema [o sistema ()] apenas por uma constante aditiva , que depende da escolha da constante aditiva arbitrária das energias e . Podemos, portanto, estabelecer:[8]

,

(5)

,

(6)

já que não muda durante a emissão de luz. Então, tempos:

.

(7)

A energia cinética do corpo em relação a () diminui devido à emissão de luz, e de uma quantidade que não depende em nada das características do corpo. Além disso, a diferença depende da velocidade da mesma forma que a energia cinética do elétron depende dela (l. c. § 10).

Negligenciando as quantidades da quarta ordem e acima, podemos estabelecer:[9]

.

(8)

Desta equação segue imediatamente que se um corpo libera uma energia sob forma de radiação, a sua massa diminui de . A respeito disso, é claramente desnecessário que a energia retirada do corpo se transforme em energia de radiação, de modo que somos levados à seguinte conclusão geral:

A massa de um corpo é uma medida de seu conteúdo de energia; mudar a energia de uma quantidade muda a massa no mesmo sentido de um valor , se a energia for medida em erg e a massa em gramas.[10]

Não está excluído que para corpos cujo conteúdo de energia é altamente variável (por exemplo para sais de rádio), seja possível obter uma prova da teoria.

Se a teoria corresponder aos fatos, então radiação transfere inércia do corpo emissor para o outro absorvente.


Berna, setembro 1905


(Submetido no dia 27 setembro de 1905)
 

  1. Nota do tradutor. Título original: Ist die Trägheit eines Körpers von seinem Energieinhalt abhängig?. Publicado em: Annalen der Physik 18 (1905): 639–641. O número 13 na frente do título indica que o artigo é a contribuição decimo-terceira deste volume dos Annalen der Physik
  2. A. Einstein, Ann. d. Physik 17. p. 891. 1905.
  3. Nota do tradutor. O artigo ao qual o Einstein refere-se, A. Einstein, Ann. d. Physik 17. p. 891. 1905, é o artigo fundador da teoria especial da relatividade, cuja tradução para o português, realizada por mim, foi publicada no primeiro número destes Cadernos de Astronomia.
  4. Nota do tradutor. As equações de Maxwell-Herz são chamadas hoje de equações de Maxwell (perdeu-se a referência ao Herz). A expressão maxwelliana para a energia eletromagnética do espaço é o fato que a densidade de energia do campo eletromagnético é dada pela soma dos módulos quadrados do campo elétrico e do campo magnético.
  5. O princípio de constância da velocidade da luz usado naquele estudo está obviamente contido nas equações de Maxwell.
  6. Nota do tradutor. No artigo original de Einstein as equações não são numeradas.
  7. Nota do tradutor. Hoje é padrão indicar a velocidade da luz no vácuo com .
  8. Nota do tradutor. Esse é um dos pontos do trabalho de Einstein que foi bastante criticado por vários autores. Definindo a energia cinética de um corpo extenso (assim como de uma partícula) como a diferença entre a energia num estado de movimento e a energia de repouso, essa poderia ser uma função da velocidade diferente daquela do caso de uma partícula. De fato, não é garantido, e tem que ser provado, que a energia cinética de um corpo extenso e a de uma partícula sejam a mesma função da velocidade. Isso é devido ao fato que um corpo extenso pode ser formado de muitas partículas que se movimentam de forma relativística.
  9. Nota do tradutor. Esse é o ponto mais criticado do argumento de Einstein, pois a eficácia dessa demonstração de é fortemente limitada por essa aproximação de baixas velocidades
  10. Nota do tradutor. “no mesmo sentido” significa que se a energia aumenta a massa aumenta, e vice-versa. Einstein usa aqui o valor de , a velocidade da luz no vácuo, no sistema CGS, ou seja .

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