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Candido de Figueiredo 1913/Volume 1/Conversação preliminar/VII

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VII

A etymologia


Para o commum dos leitores, não tem elevado valor a parte etymológica de um diccionário; mas, para a história da língua, para o estudo da linguagem e para a correcção da escrita, a etymologia é elemento de primeira ordem e tem merecido tal cuidado aos cultores e mestres da Philologia moderna, que já hoje constitue um dos ramos capitaes desta sciência, se é que não constitue já uma sciência, por si própria.

Mas, tão grande como a importância da etymologia, é a difficuldade que o seu estudo offerece a todos, mormente aos que não são polyglottas. Direi, até, que o verdadeiro etymologista deveria sêr mais do que polyglotta: deveria sêr panglotta, se me permittem o termo; e os que curam de Philologia sabem que não é exaggerado o asserto.

Ora, eu ignoro, — como a maior parte da humanidade e, até, como quase todos os diccionaristas do mundo, — o japonês, o cingalês, o malaio, o persa e, muito mais aínda, o quichua, o caraíba... E, contudo, os diccionários, em que se procura consignar a etymologia do vocabulário, têm de referir-se àquellas fontes, sem que os autores possam verificar a exactidão de uma filiação registada.

Daqui, um facto interessante e vulgaríssimo: é que cada dia se fazem novos, descobrimentos no campo etymológico, e que a origem, designada hoje a uma palavra pelos patriarchas da lexicographia, é amanhã rejeitada pelo descobrimento de um facto, que vem accrescer aos recentes progressos da Philologia.

Não obstante a extensão e a variedade dos trabalhos a que me aventurei na organização do vocabulário, e não obstante a estreiteza do tempo e a escassez dos recursos, não descurei a parte etymológica desta obra, consultando as fontes que mais autorizadas se me affiguravam, — Diez, Meyer-Lübke, Littré, Freund, Dozy, M. Bréal, e outros, não falando de alguns esclarecimentos eventuaes, que directamente recebi de illustrados arabistas e romanistas.

Succede porém que, num ou outro ponto, nenhum daquelles mestres disse a última palavra da sciência; e, se alguma vez erraram, com mais attenuantes eu terei errado, reproduzindo êrro alheio. Mas não é grande desaire errar em companhia de primates, que se chamaram Dozy, Littré...

De minha exclusiva responsabilidade é a indicação da origem de numerosos vocábulos, que eu nunca vi noutros diccionários, nacionaes ou estranjeiros; e aínda de alguns outros termos, como dramadeira, drusa, machada, malagueta, marrafa, marachão, trintanário, moita, matulagem, saloio, etc., etc., que são vulgares noutros diccionários, mas á cêrca das quaes eu indico origens que aínda não vi registadas por ninguém.

Como em geral, num diccionário, a parte mais susceptível de imperfeições, é a etymológica, e como, logo depois de impressas as primeiras fôlhas desta obra, eu próprio reconheci que a opinião de mestres, subscrita por mim, tem sido, num ou noutro ponto, rectificada pelo progredimento dos estudos philológicos, algumas rectificações adduzi em Supplemento, documentando o sincero empenho de acertar, e de servir, como em mim caiba, as letras da minha terra.[1]

 

Ainda na parte etymológica do Diccionário, há um ponto a que entendo dever referir-me: é a representação, em caracteres românicos, de termos pertencentes a idiomas de povos que, como os Tupís, nunca tiveram língua escrita, e de outros, cujos caracteres alphabéticos pouco ou nada têm de commum com os nossos.

A representação do tupi e aínda do árabe, por exemplo, tem de sêr feita, aproximadamente pelo menos, consoante a pronúncia de quem os falou ou os ouviu. Para a representação do tupi temos no Brasil os subsídios de Gonçalves Dias e de outros estudiosos; e para a representação do árabe, — visto que, num diccionário de uso geral, não sería opportuna a reproducção de caracteres alheios aos nossos, — temos os subsídios de Dozy. Mas, apesar da autoridade do grande arabista, algumas vezes simplifiquei as suas fórmulas, por me acostar ao conceito de hábeis arabistas nossos que, na representação de muitos termos árabes, dispensam certos grupos consonantes que, em português, nada exprimem do como devemos pronunciar o árabe.

 

Na representação das próprias palavras gregas, por mais próximo que seja o seu parentesco com as nossas, é sabido que há mais de um systema de as representar em caracteres românicos, e que a diversidade da representação não depende pouco da diversidade dos systemas da pronúncia. Geralmente, nos estabelecimentos de ensino, creio que prevalece a pronúncia erásmica, o que não quere dizer que nalguns casos se não pratique a pronúncia reuchliniana.

Em todo caso, não é problema simples, e, para o aligeirar um pouco, muitos escritores têm lançado mão dos accentos, agudo e circunflexo, para melhor significarem a pronúncia que defendem.

Por minha parte, tendo ouvido pronunciar grego a portugueses e estrangeiros, nomeadamente a alemães, eu, que não sou hellenista, confesso ingenuamente, que não assentei parecer sôbre a preferível pronúncia do grego. É por isso que, na representação de palavras gregas, eu, em geral, dispenso propositadamente a accentuação gráphica, porque o vulgo não ma exige e os conhecedores do grego lerão como lhes aprouver.

Parece que no grego clássico o úpsilo tinha proximamente, se não exactamente, o valor do u francês. Pelo menos, é êsse o conceito dos phoneticistas discípulos de Erasmo. Por isso, e porque o nosso phantástico y, falsamente chamado i grego, escassa estima merece, represento sempre o úpsilo por u, e nisto vou de acôrdo com a prática de quem mais sabe, embora em desacôrdo com a de talentosos hellenistas.

Notas

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  1. Nesta nova edição, novos e numerosos melhoramentos e correcções recaíram na parte etymológica, que também foi simplificada, restringindo-se ás fontes próximas, e pondo de lado as remotas, que só podem interessar a philólogos e não ao commum dos leitores.

    (Nota desta nova edição).