Carta de Fernando Pessoa para João Gaspar Simões
Apartado 147.
Lisboa, 28 de Julho de 1932.
Meu querido Gaspar Simões:
Muito obrigado pela sua carta. Respondo ainda para Coimbra, visto que ainda não é Agosto, e, se v. já estiver na Figueira, a carta para lá irá.
Vejo que tenho tempo para enviar colaboração para a Presença. Pode contar com ela. Mandarei a tal nota para o Casais Monteiro (é muito breve), e enviarei outra colaboração, breve também. Conto poder enviar um inédito do Sá-‑Carneiro.
A propósito da Nota, a observação do Casais Monteiro é bem feita. O que houve, porém, da minha parte foi um lapso de redacção no passo do prefácio a que ele se refere. Como está, realmente, está mal, pois se depreende que a poesia (eu deveria, antes de mais nada, ter escrito «verso» ou «forma poética» e não «poesia», não é, de facto, uma simples prosa com pausas artificiais. O que há a lazer, na Nota, é esclarecer isto; e estou deveras grato ao Casais Monteiro por me dar a oportunidade de fazer esse esclarecimento, aperfeiçoando, ao mesmo tempo, uma passagem onde a redacção está muito imperfeita.
Vi, há já bastantes dias, anunciado no Diário da Noite que a Seara Nova ia publicar uma re-resposta do Sérgio, ou seja uma resposta ao seu artigo da Presença.
Até agora ainda não veio, isto é, até à última Seara, que comprei há dias.
Estou começando – lentamente, porque não é coisa que possa fazer-se com rapidez – a classificar e rever os meus papéis; isto com o fim de publicar, para fins do ano em que estamos, um ou dois livros. Serão provavelmente ambos em verso, pois não conto poder preparar qualquer outro tão depressa, entendendo-se preparar de modo a ficar como eu quero.
Primitivamente, era minha intenção começar as minhas publicações por três livros, na ordem seguinte: (1) Portugal, que é um livro pequeno de poemas (tem 41 ao todo), de que o Mar Português (Contemporâneo 4) é a segunda parte; (2) Livro do Desassossego (Bernardo Soares, mas subsidiariamente, pois que o B. S. não é um heterónimo, mas uma personalidade literária); (3) Poemas Completos de Alberto Caeiro (com o prefácio de Ricardo Reis, e, em posfácio, as Notas para a Recordação do Álvaro de Campos). Mais tarde, no outro ano, seguiria, só ou com qualquer livro, Cancioneiro (ou outro título igualmente inexpressivo), onde reuniria (em Livros I a III ou I a V) vários dos muitos poemas soltos que tenho, e que são por natureza inclassificáveis salvo de essa maneira inexpressiva.
Sucede, porém, que o Livro do Desassossego tem muita coisa que equilibrar e rever, não podendo eu calcular, decentemente, que me leve menos de um ano a fazê-lo. E, quanto ao Caeiro, estou indeciso. Também tem alguma coisa que rever, mas é pouco. À parte isso, está, pode dizer-se, completo, se bem que alguns dos poemas inconjuntos e uma ou outra nota de alterações a fazer nos primeiros (Guardador de Rebanhos) estejam dispersas por entre os meus papéis. Achados porém estes elementos dispersos, o livro pode ser completado rapidamente. Tem uma desvantagem – a quase impossibilidade de êxito, devendo pois ser um livro a publicar com sacrifício material. O sacrifício material depende, é claro, das minhas condições materiais de momento. Em todo o caso, nesta revisão e classificação dos meus papéis, vou achando e arrumando o que pertence ao Caeiro.
Não sei se alguma vez lhe disse que os heterónimos (segundo a última intenção que formei a respeito deles) devem ser por mim publicados sob o meu próprio nome (já é tarde, e portanto absurdo, para o disfarce absoluto). Formarão uma série intitulada Ficções do Interlúdio, ou outra coisa qualquer que de melhor me ocorra. Assim, o título do primeiro volume seria, pouco mais ou menos: Fernando Pessoa – Ficções do Interlúdio – I. Poemas Completos de Alberto Caeiro (1889-1915). E os seguintes do mesmo modo, incluindo um, curioso mas muito difícil de escrever, que contém o debate estético entre mim, o Ricardo Reis e o Álvaro de Campos, e talvez, ainda, outros heterónimos, pois ainda há um ou outro (incluindo um astrólogo) para aparecer.
O mais provável, aliás, com respeito ao primeiro livro dos heterónimos, é que o faça conter, não só o Caeiro e as Notas do Álvaro de Campos, mas também uns 3 ou 5 livros das Odes do Ricardo Reis. O volume, assim, conterá o essencial para se compreender o início da «escola»: as obras do Mestre e algumas do discípulo directo, incluindo (nas Notas ) alguma coisa já do outro discípulo. Há aqui, ainda, um elemento puramente material que me leva a determinar o volume assim: só com o Caeiro e as Notas, ficaria um livro nem pequeno (como é o Portugal) nem de tamanho normal (300 páginas, pouco mais ou menos), como o Cancioneiro. Com a inserção, lógica afinal, como expliquei, do Ricardo Reis, o volume entra nesta normalidade.
A intenção, possivelmente provisória, em que estou agora é de publicar, sendo possível, este ano, ou na passagem dele para o outro, o Portugal e o Cancioneiro. O primeiro está quase pronto e é livro que tem possibilidades de êxito que nenhum dos outros tem. O segundo está pronto: basta escolher e colocar.
Como sei que estas coisas o não maçam, e, em certo modo, tudo isto é uma resposta (bastante longa, aliás) à sua observação sobre quando é que eu publico, não me coibi muito em escrever extensamente.
A par de tudo quando disse, tenho provavelmente uns dois ou três folhetos ou artigos extensos a fazer ou completar. O mais provável é que, escritos que sejam em português, os traduza para inglês e os publique primeiro (naturalmente em revista) em Inglaterra. Tudo isto, porém, é incerto.
Um abraço do seu muito amigo e admirador
Fernando Pessoa.