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Carta de Machado de Assis a Quintino Bocaiuva (I)

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Meu amigo,

Vou publicar as minhas duas comedias de estréa; e não quero fazel-o sem conselho da tua competencia.

Já uma critica benevola e carinhoza, em que tomaste parte, consagrou a estas duas compozições palavras de louvor e animação.

Sou imensamente reconhecido, por tal, aos meus colegas da imprensa.

Mas o que recebeu na cena o batismo do aplauso pode, sem inconveniente, ser trasladado para o papel? A diferença entre os dois meios de publicação não modifica o juízo, não altera o valor da obra?

E' para a solução destas duvidas que recorro á tua autoridade literária.

O juízo da imprensa viu nestas duas comedias — simples tentativas de autor timido e receiozo. Se a minha afirmação não envolve suspeita de vaidade disfarçada e mal cabida, declaro que nenhuma outra solução leva nesses trabalhos. Tenho o teatro por coisa muito séria, e as minhas forças por coisa muito insuficiente; penso que as qualidades necessárias ao autor dramático desenvolvem-se e apuram-se com o tempo e o trabalho; cuido que é melhor tatear para achar; é o que procurei e procuro fazer.

Caminhar destes simples grupos de cenas — à comédia de maior alcance, onde o estudo dos caracteres seja consciencioso e acurado, onde a observação da sociedade se case ao conhecimento prático das condições do gênero — eis uma ambição própria de ânimo juvenil, e que eu tenho a imodéstia de confessar.

E, tão certo estou da magnitude da conquista, que me não dissimulo o longo estádio que há percorrer para alcançá-la. E mais. Tão difícil me parece este gênero literário, que, sob as dificuldades aparentes, se me afigura que outras haverá menos superáveis e tão sutis, que ainda as não posso ver.

Até onde vai a ilusão dos meus desejos? Confio demasiado na minha perseverança? Eis o que espero saber de ti.

E dirijo-me a ti, entre outras razões, por mais duas, que me parecem excelente: razão de estima literária e razão de estima pessoal. Em respeito à tua modéstia, calo o que te devo de admiração e reconhecimento.

O que nos honra, a mim e a ti, é que a tua imparcialidade e a minha submissão ficam salvas da mínima suspeita. Serás justo e eu dócil; terá ainda por isso o meu reconhecimento; e eu escapo a esta terrível sentença de um escritor: "Les amitiés qui ne résistent pas à la franchise, valent-elles un regret?"

Teu amigo e colega,

Machado de Assis.


  1. MOUTINHO, Irene; ELEUTÉRIO, Sílvia (Orgs.). Correspondência de Machado de Assis: tomo I, 1860-1869. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2008. p. 19. Disponível em: <http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=midias&id=219794>. Acesso em: 21 nov. 2014.