Carta de guia de casados/Regalos caseiros
XIV
Direi dos regalos, dores, e conservas o mesmo ; se bem êstes géneros, como mais necessários, em razão da saúde, da caridade, e da grandeza (que tudo é necessário) não devem faltar nunca, como por acudir a êles se não falte a outras cousas mais necessárias.
Contudo me parece conveniente deixar cevar (digâmo-lo assim) as mulheres nestas suas curiosidades femeais : serem prezadas de melhor marmelada, bôas caçoulas, consoadas pontuais, lavores esquisitos, pano delgado, e cousas semelhantes ; que verdadeiramente as que se enfrascam nestes negócios caseiros, não lhe lembram outros, e êste é louvável.
Debaixo da mesma lei compreendo os adornos, e alfaias de casa, julgando-a uma excelente ocupação a da senhora que dela trata ; e a seu marido louvarei muito, que em tal exercício a ajude sempre. Honram, alegram, servem ; e enfim é tesouro que se faz para as filhas, e em que se ganha às vezes mais que em mandar encomendas à India ; porque para levantar o falso testemunho de um dote de tantos mil cruzados, não há reposteiro vélho, nem tapête que não valha a cento por cento.