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Chegança dos Marujos

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ENTRADA

Entremos por esta nobre casa
Alegres louvores cantando,
Louvores à Virgem Pura,
Graças a Deus Soberano.

O Contra-mestre:

Olhem como vem brilhando
Esta nobre infantaria!
Saltemos do mar pra terra,
Ai, ai!... festejar este dia.

Piloto:

Seu Contra-mestre,
Nosso leme está quebrado;
E a proa desta nau
Já está toda arrebentada.

Contra-mestre:

Senhor Piloto,
Aqui venho me queixar
Que o seu gajeiro grande
Botou-me a agulha no mar.

Piloto:

Sem mais demora
Meu gajeiro preso já,
Para ele me dar conta
Da agulha de marear

Gajeiro:

Senhor Piloto,
Se promete me soltar,
Já eu lhe darei conta
Da agulha de marear.

Piloto:

Sem mais demora
Meu gajeiro solto já,
Que ele já me deu conta
Da agulha de marear.

Gajeiro:

Graças aos Céus
De todo meu coração,
Qu'estou livre dos ferros,
Bailando neste cordão.

Contra-mestre:

Senhor Piloto,
Para onde está mandando?
Já pelo seu respeito
Estamos todos chorando. . .

Piloto:

Seu Contra-mestre,
Não me venha indignar;
Veja bem qu'estou olhando
Pra agulha de marear.

Contra-mestre:

Senhor Piloto,
Onde está o seu sentido,
Que pelo seu respeito
Estamos todos perdidos?

Piloto:

Esta resinga
Não se há de acabar
Sem no fio desta espada
Nos havermos de embraçar.

(Segue-se a briga ao mesmo tempo em que toda a marujada está cosendo o pano e cantando.)

"Triste vida é do marujo;
Qual delas é mais cansada? . .
Que pela triste soldada
Passa tormento
Passa trabalhos. . .

Dom dom. . .

"Antes me quisera ver
Na porta de um botequim.
Do que agora ver o fim

Da minha vida,
Da minha vida. . .

Dom dom..."

Contra-mestre:

Virar, virar, camaradas,
Virar com grande alegria,
Para ver se alcançamos
A cidade da Bahia.

Dom dom...

Capitão:

Fazem vint'anos e um dia
Que andamos n'ondas do mar,
Botando solas de molho,
0h! tolina,
Para de noite jantar.
Sobe, sobe, meu gajeiro,
Meu gajeirinho real;
Olha para estrela do norte,
Oh! tolina,
Para poder-nos guiar.

Gajeiro:

- Alvistas, meu capitão,
Alvistas, meu general,
Avistei terras de Espanha,
Oh! tolina,
Areias de Portugal. . .
Também avistei três moças
Debaixo de um parreiral;
Duas cosendo cetim,
Oh! tolina,
Outra calçando o dedal.

Capitão:

Desce, desce, meu gajeiro,
Meu gajeirinho real;
Olha pra estrela do norte,
Oh! tolina,
Para nos poder guiar.

(Tudo isto é cantado e representado ao vivo. Depois que o gajeiro desce, a multidão dos marujos vai saindo, e cantando à despedida.)

Todos:

Ora, adeus, ora, adeus,
Que me vou a embarcar;
Se a fortuna permitir
Algum dia hei de voltar.

Ora, adeus, belas meninas,
Que de Lisboa cheguei;
Ai! pensavam que eu não vinha
Para nunca mais as ver!. . .
Todos filhos da fortuna
Que quiserem se embarcar,
A catraia está no porto,
A maré está baixa-mar.
Quando Deus formou o navio
Com seu traquete de lona,
Também formou o marujo
Lá no pau da bujarrona.
Quando Deus formou o navio
Com seu letreiro na popa,
Também formou o marujo
Com seu charuto na boca.
Quando me for desta terra
Três cousas quero pedir:
Uma é um mal de amores
Pra quando tornar a vir.

(Aqui finda-se, e, pela rua, de uma casa para outra, vão cantando improvisos, como este, que pudemos colher.)

No jardim das ricas flores
Vi uma rola cantando;
A rolinha abriu o bico
O perfume arrespirando. . .