Cinco de Maio (1885)/J. Ramos Coelho
Ficou, sem movimento,
Dado o mortal anhelito,
Orpham de tanto alento,
Assim ferida, attonita
Co' a nova a terra está ;
Muda, na hora última
Do homem fatal pensando,
Não sabe quem tão válido,
Como elle caminhando,
Seu pó de sangue humido,
Como elle, pisará.
Brilhante o viu no solio
O genio meu, cahido
Depois, depois no imperio,
Depois em fim vencido,
E do universo ao fremito
Sua voz unir não fez.
Virgem de servo encómio,
E de covarde insulto,
Acorda ao sol esplendido,
Tão de repente occulto,
E solta á norte um cantico,
Que é do porvir talvez.
Dos Alpes ás Pyramides,
Do Rheno ao Manzanares,
Raio, o veloz relampago
Seguiu, rasgando os ares ;
Troou de Scylla ao Tanais,
De um mar a outro mar.
Foi verdadeira glória !
Aos tempos a sentença.
Nós adoremos timidos
De Deus a fôrça immensa,
Que n'elle quiz a maxima
Sua obra apresentar.
O procelloso e trépido
Prazer d'uma alta empreza,
A ância de um peito indonito
Que sonha a realeza,
E a ganha, e alcança um prémio
Que era loucura esp'rar,
Tudo provou : a glória
Maior depois do p'rigo,
A fuga e a victória,
O throno e o exilio imigo,
No pó duas vezes, próspero
Duas vezes sôbre o altar.
Appareceu; dous seculos,
Um contra o outro armado,
Ante elle prosternaram-se
Como aguardando o fado ;
Impôz silencio, e árbitro
Entre ambos se foi pôr.
Despareceu, e no ocio,
N'uma ilha só no imundo
Findou, alvo contínuo
Da inveja e dó profundo,
De inextinguivel ódio,
E de indomado amor.
Qual sôbre a fronte ao náufrago
Se enrola e cai pesada
A vaga, d'onde o misero,
Co'a vista aita alongada,
Buscava em torno avido
Praia longinqua em vão,
Tal n'aquella alma em cúmulo
Tombaram mil memórias.
Oh ! quanta vez aos posteros
Tentou narrar suas glórias,
E nas eternas páginas
Cahiu sem força a mão !
Oh! quantas no fim tacito
De um dia sem proveito,
No chão o olhar fulmineo,
Os braços sôbre o peito,
Inteiro o seu preterito
Viu de repente erguer.
Lembrou as tendas móveis,
Os valles resoando,
Do aço o brilho trémulo,
Os esquadrões ondeando,
E o concitado imperio,
E o prompto obedecer.
Ai ! a tammanha mágoa
Cedeu talvez afflicto,
E desesp'rou ; mas válido
Braço desceu bemdito,
E para outro ar mais limpido,
Piedoso o transportou ;
E pelas sendas flóridas
O conduziu da esp'rança
Ao campo eterno, ao prémio
Que mais que o anhelo alcança,
Onde é negror, silencio
A glória que passou.
Fé immortal, benefica
De palmas bella e ufana,
Mais um triumpho, alegra-te,
Que nunca outra mundana
Grandeza egual do Golgotha
Á affronta se humilhou ;
Exulta, e o resto exanime
Guarda-lh'o da maldade;
Quem mata, e abre os tumulos,
Quem pune, e tem piedade,
Deus do seu leito funebre
Ao lado se assentou.
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