Clarões Apagados
Flor de planta aromática, sinistra,
Nascida nas inóspitas geleiras,
Célebre flor que o meu Ideal registra,
Trepadeira das raras trepadeiras.
Serpe nervosa entre as nervosas serpes,
Carnívora bromélia da luxúria
De gozo tetaniza como as herpes
Da tua boca a polpa atra e purpúrea.
O teu amor, que lembra vinhos de Hebe
E essa áspera feição do abeto fusco,
Como um réptil que salta numa sebe,
Saltou-me ao peito, impetuoso e brusco.
Eu ia por estranhos descampados,
Por extensos desertos impassíveis,
Na trágica visão dos naufragados
Perdidos entre os temporais terríveis.
Sem rumo certo, num sombrio inferno,
Sozinho, sobre a desolada areia
Arrastando a existência, de onde, eterno
Um sapo coaxa e um rouxinol gorjeia.
Quando tu de repente, então surgiste
Beleza das belezas redentoras,
Tendo essa meiga formosura triste
Das formosas e flébeis pecadoras.
Fosse talvez uma tremenda insânia
Tão alta erguer o meu amor, tão alto;
Mas este coração frio, da Ucrânia,
Anelava galgar o céu de um salto.
E fui, galguei, subi, voei na altura,
Além dos verdes píncaros do monte,
Donde resplende a tua formosura
No clarão das estrelas do horizonte.
Foi o mesmo que se eu num templo entrasse
E aí num formidável sacrilégio,
As angélicas vestes arrancasse
Das santas de áureo diadema régio.
Como um leão sem juba e garra, preso,
Na indiferença, já morreu comigo
Todo esse amor profundamente aceso
Na ideal constelação de um sonho antigo.
Apenas pelo saara imorredouro
Do longínquo passado, ergue, altaneira,
Majestosa folhagem no sol d'ouro,
Dessas recordações a alta palmeira...