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Contos Populares Portuguezes/A afilhada de Santo Antonio

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XIX


A AFILHADA DE SANTO ANTONIO

Havia um pae que tinha muitos filhos a ponto de ser compadre de quasi toda a gente da sua terra, pois iam ser padrinhos dos filhos d'elle. Nasceu-lhe mais uma filha e elle foi por um caminho fóra na intenção de fallar ao primeiro homem que encontrasse para padrinho da menina. Succedeu que encontrasse um frade, que logo lhe disse que estava prompto a servil-o. Baptisou-se a menina e o padrinho poz-lhe o nome de Antonia e disse ao compadre: — «Educa a tua filha o melhor que poderes, pois quando ella tiver treze annos virei buscal-a para a collocar bem.»

Passaram-se os treze annos e o pae vendo que o padrinho não vinha buscar a filha resolveu mandal-a servir para uma casa e ia já caminho da cidade com ella quando lhe appareceu o padrinho e lhe disse: — «A tua filha vae servir para casa do rei, mas é preciso que ella de hoje em deante se chame Antonio em vez de Antonia e troque os seus vestidos por fato d'homem, pois de outra forma corre risco a sua formosura na casa do rei.» Assim se fez e Antonia foi para o serviço da rainha na qualidade de pagem. Então o padrinho disse-lhe: — «Porta-te bem sempre e quando te vires n'alguma afflicção diz: — Valha-me aqui o meu padrinho.»

Crescia Antonia em esperteza e formosura e todos no palacio julgaram que ella era rapaz. A rainha começou a agradar-se muito de seu pagem e vendo que elle não lhe correspondia tractou de metter muitas intrigas ao rei para ver se conseguia que este despedisse o pagem do seu serviço. Um dia foi ella dizer ao rei que Antonio tinha dito que era capaz de n'uma noite separar todo o joio da grande porção de trigo que estava nos campos pertencentes ao rei. Este chama Antonio e elle respondeu que tal não dissera mas que ia ver se era capaz d'essa empresa. Foi então para o campo e disse: — «Valha-me aqui meu padrinho.» Appareceu-lhe o padrinho e disselhe: — «Vae-te deitar socegada que pela manhã tudo estará prompto.» E assim foi.

Ficou o rei muito satisfeito e a rainha sentindo de cada vez mais paixão pelo pagem a ponto de lhe dizer que se elle não lhe correspondesse iria fazer com que o rei o mandasse embora do palacio. Antonia só respondeu : — «Faça vossa magestade o que quizer, eu não posso amal-a sem ser desleal ao meu rei.» Foi então a rainha ter com o rei e disse-lhe: — «Eu deitei ao mar o meu annel de brilhantes e Antonio disse que era capaz de o ir apanhar.» Foi Antonia á presença do rei e respondeu que tal não dissera, mas que iria ver se apanhava o annel. Então chamou pelo padrinho e logo elle lhe appareceu e lhe disse: — «Vae pescar e o primeiro peixe que apanhares abre-o e dentro estará o annel.» Antonio assim fez e levou o annel á rainha.

A rainha desesperada foi ter com o rei e disselhe: — «Antonio disse que era capaz de ir á moirama buscar a nossa filha que está captiva dos moiros.» Antonia disse ao rei que era capaz de lá ir. Partiu e no caminho disse: — «Valha-me aqui o meu padrinho. Então elle lhe appareceu e disse-lhe: — Vae, os guardas do castello onde está a princeza hão de estar a dormir quando tu chegares; tu entras, tiras a princeza e nada mao te acontecerá. Aqui tens esta verdasquinha; has de bater com ella tres vezes na princeza, a primeira á saida da moirama, a segunda no meio do caminho e a terceira á entrada do palacio.» Antonia fez tudo como o padrinho lhe ensinara e levou a princeza para o palacio. Ora a princeza era surda-muda e a rainha disse ao rei que Antonio dissera que era capaz de dar falla á princeza. Então o rei disse: — «Antonio se déres falla á princeza casarás com ella.» Elle então disse: — «Valha-me o meu padrinho.» Appareceu-lhe o padrinho e disselhe: — «Pergunta á princeza porque é que tu lhe bateste com a verdasca que eu te dei e elle te responderá.» Foi Antonio deante do rei e da rainha e perguntou á princeza:


— «Porque te dei com a verdasca
Á saida da moirama?
— «Foi porque a minha mãe
Tres vezes te levou á cama.»

— «Porque te dei com a verdasca
Quando vinhas no caminho?»
— «Foi porque Santo Antonio
É que era teu padrinho.»

— «Porque te dei com a verdasca
Á entrada do palacio?»
— «Querias que soubesse
Que és femea e não macho.»

O rei ficou encantado com taes maravilhas e sabendo quanto a rainha lhe era desleal não a quiz mais por mulher e casou com Antonia, que desde esse dia começou a usar os vestidos de rainha e foi sempre muito boa, pois Santo Antonio nunca deixou de a proteger.

(Coimbra)