Contos Populares Portuguezes/João Pequenito

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XXI


JOÃO PEQUENITO


Havia n'outros tempos um homem que tinha tres filhos e como fossem muito pobres disse-lhe um dia: — «Meus filhos, é tempo de ir correr mundo em busca de fortuna, porque eu nada tenho que lhes deixar quando morrer.» Então os filhos despediram-se do pae e partiram-se para muito longe, indo ter á corte de um rei turco muito máo. Logo que ali chegaram pediram agasalho por aquella noite; o rei mandou-os entrar no palacio e como elle tinha tres filhas mandou que deitassem os tres rapazes nas camas das filhas e que lhes pozessem na cabeça umas carapuças de prata, que eram para quando ella estivessem a dormir lhe ir cortar as cabeças.

Lá pela noite adeante o rapaz mais novo que se chamava João Pequenito (appellido que lhe pozeram por elle ser muito baixinho) levantou-se e tirou a carapuça da cabeça e das cabeças dos irmãos; pôl-as nas cabeças das filhas do rei e fugiu do palacio e mais os irmãos, escapando assim á morte.

O rei turco, de noite, foi para matar os rapazes e matou as filhas, julgando serem elles que matava.

Quando os rapazes já iam muito longe, disse o João Pequenito: — «Agora é preciso separarmo-nos e cada qual busque a sua vida.» O João Pequenito foi ao palacio de certo rei e pediu para que o tomassem para creado; o rei nomeou-o seu jardineiro e elle de tal maneira se soube haver que o rei estimava-o mais que todos os outros creados. Entre estes começou a reinar muita inveja a pontos de irem dizer ao rei que o João Pequenito tinha dito que era capaz de ir furtar uma bolsa de moedas que o rei turco tinha debaixo da cabeceira. Chamou o rei o João Pequenito e disse-lhe o que os creados tinham dito e elle respondeu que sim, que iria e disse mais: — «Mande-me vossa magestade dar um navio para eu ir á corte do rei turco e verá de quanto eu sou capaz.»

Foi o João Pequenito; subiu pela parede do palacio do rei turco, entrou ela janella e quando o rei dormia tirou-lhe a bolsa debaixo do travesseiro e fugiu.

O papagaio do rei turco começou a gritar: — «Ó rei, olha que o João Pequenito leva a tua bolsa de moedas.» O rei foi vêr á janella, mas elle já ia longe; o rei ainda lhe perguntou: — «Tornarás cá, Pequenito?» — «Tornarei, tornarei.» E foi todo contente levar a bolsa ao rei seu amo.

Passados dias foram dizer ao rei que o João Pequenito dissera que era capaz de ir furtar a coberta de campainhas que o rei turco tinha na cama. De novo é o Pequenito interrogado e lá volta á corte do turco, furta a coberta e foge. O papagaio do rei turco gritava: — «Oh rei, oh rei, olha o Pequenito que leva a tua coberta de campainhas.» O turco foi á janella e perguntou: — «Tornarás cá, Pequenito?» — «Tornarei, tornarei.» Chegou o Pequenito ao palacio do seu amo com a coberta e o rei de cada vez estava mais agradado d'elle por vêr a sua valentia.

De novo os creados foram dizer ao rei que o Pequenito dissera que era capaz de ir furtar o papagaio do rei turco. O Pequenito logo que isto soube apromptou-se e foi. Furtou o papagaio e este gritava pelo caminho: — «Aqui d'el-rei, que me levam furtado.» E o Pequenito gritava: — «Aqui d'el-rei, que furtado me levam.»

Chegado o Pequenito ao palacio, novos trabalhos o esperavam. Disseram ao rei que o Pequenito dissera que era capaz de furtar o rei turco e de o trazer para o palacio. Então o rei disse-lhe: — «Se tu fôres capaz de me trazer aqui o rei turco casarás com a princeza minha filha.» O Pequenito respondeu: — «Dê-me vossa magestade um exercito de homens e alguns navios e verá de quanto é capaz o Pequenito.»

Apromptou-se tudo e o Pequenito arranjou uma grande dorna e foi ao palacio do turco e quando elle estava a dormir envolveu-o na roupa da cama; desceu com elle pela janella, metteu-o na dorna e á frente do exercito lá o levou para a corte do rei seu amo. Este quiz logo que o Pequenito casasse com a sua filha; fizeram-se grandes festas e o Pequenito mandou ir para o palacio o seu pae e irmãos, dando-lhe altos cargos na corte. E assim acaba esta historia de que

A certidão está em Tondella;

Quem quizer vá lá por ella.

(Coimbra.)